quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
UMA VIAGEM AZUL NO PARAÍSO VERDE
Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 27 de novembro de 2012.
A história
do Amazonas é a mais oficial, a mais deformada, encravada n mais retrógrada e
superficial tradição oficializante da historiografia brasileira. Pouco
estudada, verdadeiramente abandonada, com uma bibliografia parca e documentação
rara e saqueada por inescrupulosos que se julgam proprietários do passado. Um
história escrita com a letra minúscula do preconceito e da distorção mentirosa.
(SOUZA)
- Arrogância Intelectual
Por ocasião de minha descida pelo Rio Madeira,
fiquei profundamente aborrecido com o discurso de posse de um companheiro da
Força Terrestre na cidade de Manicoré. Com a arrogância típica dos europeus de
outrora o desavisado militar considerava-se um ateniense cercado por uma horda
ignara.
Viajantes de outrora oriundos da Europa e Norte
América, fossem naturalistas, pesquisadores, negociantes ou simplesmente
turistas olhavam com desdém nossos amazônidas. Consideravam-se no topo da
pirâmide da intelectualidade, achavam-se superiores aos nossos indígenas e
caboclos e os olhavam com total desdém. Volta e meia ouço pronunciamentos de
autoridades, intelectuais e estudantes que em breves visitas à região assumem a
mesma postura crítica de antanho. Por isso, acho cada vez mais importante nosso
trabalho de divulgar as coisas e as gentes da Amazônia.
Estes “intelectualóides” de araque não são
capazes de absorver a sabedoria de um pescador entregue ao seu labor diário.
Descrevi, encantado, no meu livro “Desafiando o Rio-mar - Descendo o
Rio Solimões” uma dessas passagens:
Seu Joaquim, leve e silenciosamente, afundava o
remo na água e manobrava a canoa por entre vegetações aquáticas do cano do
Mamirauá. Viu, ou sentiu, o leve movimento das águas e, sem pressa, pressentiu
a direção seguida pelo cardume de aruanãs, ergueu o braço empunhando a haste e,
num impulso rápido e preciso, lançou o arpão a alguns palmos à frente da leve ondulação
na superfície (siriringa). Seu Joaquim sabia que a “siriringa” era
provocada pelo cardume que nadava próximo a superfície. A haste fincou o bico
de ferro em forma de flecha no Corpo da aruanã, mantendo preso o formoso peixe
às farpas do bico de ferro do arpão que se soltou da haste. O animal foi
recolhido com a mesma destreza com que fora arpoado. (...)
Novamente atento aos mais leves movimentos na água,
ele se aproximou de um grande aglomerado de capim-memeca com a intenção de
pescar um tambaqui. Usando um “enganador”, um tosco caniço com um peso
amarrado na ponta da linha, batia na água simulando a queda da “arati”,
frutinha que é o objeto de desejo do saboroso peixe. Na outra mão usava, num
igualmente tosco caniço, a frágil “arati” como isca. Se usasse a
delicada “arati” para atrair o peixe, ela se desprenderia do anzol. Não
demorou muito para que um grande tambaqui fosse puxado para a canoa pelo seu
Joaquim.
As poesias sempre me arrebataram desde a mais tenra
idade. Lia encantado Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Castro
Alves, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Gonçalves Dias,
Manoel Bandeira, Mario Quintana, Vinícius de Morais e tantos outros artesãos
das palavras conhecidos pela maioria dos brasileiros. Nas minhas pesquisas e
andanças pela misteriosa e encantadora Amazônia fui garimpando, com humildade,
o fruto da inspiração dos poetas da selva e maravilhado descobri um Thiago de Mello
a quem tive o privilégio e a honra de conhecer pessoalmente.
Palmilhei, extasiado, estrofes encantadas de poetas
amazônidas como Aldisio Gomes Filgueiras, Almino Álvares Affonso, Antônio
Mavignier de Castro, Arnaldo Garcez Teixeira, Barreto Sobrinho, Bento de
Figueiredo Tenreiro Aranha, Ernesto da Silva Penafort, Hemetério Cabrinha,
Joaquim de Alencar e Silva, Jonas Fontenelle da Silva, Jorge de Lima, José
Joaquim da Luz, Luiz Augusto de Lima Ruas, Sérgio Luiz Pereira, cujas produções
fiz questão de reproduzir em meus livros. Sempre busquei romances que tenham
como pano de fundo a história, aprecio uma boa leitura, mas gosto de aprender
ao mesmo tempo. Descobri, em Óbidos, “Os Dias Recurvos” de Ildefonso
Guimarães onde ele relata, no seu romance histórico, magistralmente a Revolta
que culminou com a Batalha de Itacoatiara.
Deixo estas pequenas divagações para chamar a
atenção daqueles “intelectualóides” que vindo de outras plagas para esta
bendita terra das águas achando-se mais capazes que a boa gente daqui. Meu
escritor preferido foi e sempre será Euclides da Cunha. Não só pela sua
invulgar sagacidade e magia no trato com as letras, mas também, pelo exemplo de
vida e dedicação à pátria. Subindo o Purus para realizar uma missão,
essencialmente técnica, de demarcação de fronteiras, o grande Euclides, sem
perder o foco de seu principal objetivo, consegue, graças à sua visão holística
invulgar, fazer comentários de cunho antropológico, aspectos do relevo, solo,
fauna, flora, clima da região e sobre o caráter divagante do Rio Purus, baseado
na concepção do “ciclo vital”. Durante a viagem teve, ainda, o cuidado
de recolher amostras de fósseis e rochas, posteriormente encaminhadas ao Museu
do Pará (atualmente Emílio Goeldi). Depois de chefiar a “Comissão Brasileira
de Reconhecimento do Alto Purus”, seu inquebrantável apego pela justiça
determinou que voltasse os olhos para a questão da demarcação das fronteiras
entre a Bolívia e o Peru. Assumindo, apaixonadamente, partido da Bolívia,
tornando-se o “Cavaleiro andante da Bolívia contra o Peru”, conforme ele
mesmo se definia.
Muitos talvez não compreendam que, numa época de
cerrado utilitarismo, alguém se demasie em tanto esforço numa advocacia
romântica e cavalheiresca, sem visar um lucro, ou interesse indiretos. Tanto
pior para os que não o compreendam. Falham à primeira condição prática,
positiva e utilitária da vida, que é aformoseá-la... (CUNHA)
Nas minhas eternas perambulações intelectuais
amazônicas descobri o primor literário de Raymundo Moraes que nos reporta ao
grande Euclides da Cunha de quem era grande admirador e discípulo sem, contudo,
deixar-se influenciar ou perder seu modo próprio de dizer as coisas, de
interpretar as matizes telúricas carregadas de amazônico nativismo. Seus
líricos relatos, carregados de emoção, são flagrantes que vivenciou e paisagens
que impregnaram sua alma durante quase trinta anos. São crônicas de quem
apreendeu com as águas e as gentes, com os seres da floresta, os ventos e as
chuvas. O fascínio e a magia de navegar pelas artérias vivas da hiléia
fizeram-no seguir a carreira do pai chegando a Comandante dos “gaiolas”.
As infindas jornadas despertaram seu amor pela leitura. Autodidata de invulgar
inteligência e sensibilidade aliou o conhecimento científico e literário
adquirido com as experiências que recolhia e anotava nas suas viagens. Raymundo
Moraes é um dos melhores exemplos que existe para se caracterizar a diferença
entre a cultura e a sabedoria. A falta de estudo não o impediu, absolutamente,
de visualizar as belezas que o cercavam e de ser capaz de reportá-las com a
sagacidade de um sábio. Raymundo teve como mestres a natureza, as águas e o
Grande Arquiteto.
Infelizmente, nossos “intelectualóides” de
hoje mais parecem experimentos de laboratório que de suas gaiolas, apartados
das vivências diárias, são capazes apenas de reproduzir aquilo que já leram,
ouviram ou que alguém já constatou. Serão eles, um dia, capazes de entender e
respeitar a sabedoria dessa maravilhosa gente da terra das águas
independentemente de sua posição geográfica ou grau de escolaridade?
- 1° SEHMA 2012
Fizemos alusão no tópico anterior à discriminação
que nossos irmãos do Norte sofrem por parte daqueles que se julgam detentores
do conhecimento, pois notamos nas palavras de alguns palestrantes um enorme
ressentimento em relação a isso.
Fui convidado a participar do I Seminário de
História Militar Terrestre da Amazônia Brasileira (1° SEHMA 2012), consegui o
patrocínio das passagens com as linhas Aéreas Azul-Trip e parti para Manaus.
Minha apresentação baseou-se na “Viagem da Real Escolta”, de José
Gonçalves da Fonseca, nos idos de 1749, pelo Rio Madeira. Mostrei a importância
do Diário de Viagem de Gonçalves da Fonseca para a cartografia e como era
possível, graças à precisão de seu relato, acompanhar-lhe passo a passo, remada
a remada pelo Madeira.
No Seminário tive a oportunidade de conhecer Márcio
Souza, autor de Galvez, Imperador do Acre. Nessa obra, Márcio Souza, retrata
Galvez como um aventureiro em busca de fortuna. Galvez encontra uma classe dominante
e perdulária sustentada pela exploração da borracha. Galvez comanda uma
expedição às “tierras non descobiertas”, ou seja, terras ainda não
exploradas pelos bolivianos declara a independência e é coroado imperador.
Diferente de Porto Alegre, a mídia atenta, me
encontrou. Fui entrevistado pela equipe do Zappeando, da Amazon Sat,
capitaneada pela encantadora apresentadora Ananda Chamma para quem relatei os
desafios de minha próxima jornada pelo Rio Juruá.
- Retorno Conturbado
Na viagem de retorno para Porto Alegre, com escala
no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, MG, um passageiro da
poltrona 21A, eu viajava na 23A, teve problemas cardíacos e teve de ser
atendido pela tripulação e por um médico que viajava como passageiro. Foi
impressionante verificar o profissionalismo e a dedicação da tripulação do Vôo
5303. O médico foi chamado e após os primeiros cuidados uma das comissárias
sentou-se ao lado do passageiro dispensando-lhe toda a atenção possível. O
próprio Comandante Fernando Canto veio avisar-lhe que a equipe de solo já fora
informada e o tempo que faltava para o pouso. Chegando a Confins os socorristas
subiram a bordo e encaminharam imediatamente o passageiro para o
hospital.
Gostaria de manifestar meu reconhecimento ao
tratamento eficiente, profissional, mas, sobretudo ao carinho e à solidariedade
que dispensaram a um ser humano em situação de crise. Parabéns Linhas Aéreas e,
em especial, à tripulação do Vôo 5303 do dia 25/11/2012, da Base POA:
- Comandante: Fernado Canto
- Co-piloto: Canto
- Comissárias: Letícia Fraga
Catrina
Carla
Fontes:
CUNHA, Euclides da. Peru Versus Bolívia –
Brasil – São Paulo – Cultrix, 1975.
SOUZA, Márcio. A Expressão Amazonense, do
Colonialismo ao Neocolonialismo – Brasil – São Paulo – Editora Alfa-Omega,
1946.
- Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o
Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS –
PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br)
e na Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de
Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o
link:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Membro
da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS); Membro
do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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