Por Luiz Antonio Domingues
Era a noite da cerimônia do Oscar de 1999 e como de
costume, chegou o momento da entrega do prêmio honorário. Todo ano a Academia
homenageia um grande nome do cinema pelo conjunto da obra e neste ano, o
agraciado foi o consagrado diretor Elia Kazan.
Grandes nomes do cinema, entre atores, produtores e
diretores vinham recebendo esse reconhecimento desde os anos vinte e artisticamente
falando, não havia nenhuma surpresa em ter Elia Kazan como homenageado.
Todavia, quando esse momento chegou, uma reação radical de vários convidados
ilustres sentados na plateia chamou a atenção, tornando impossível que a
geração de imagens oficial do evento, pudesse disfarçar o descontentamento de
muitos com a presença de Kazan no palco para receber seu Oscar. Ed Harris, Ed
Bengley Jr., Nick Nolte, Holly Hunter, Ian McKellen, entre outros, recusaram-se
a aplaudir e de semblantes pesados, mostravam claramente estar protestando
contra a decisão da Academia. Rod Steiger, Richard Dreyfuss e Sean Penn
chegaram a formalizar nota de repúdio formal na Academia antes da cerimônia e
no caso de Sean, era também algo pessoal, pois seu pai fora vítima das
perseguições do Macartismo.
E afinal de contas, o que Elia Kazan teria feito
que tivesse causado tanta contrariedade e o que significou o Macartismo?
Retroagindo aos anos quarenta, digo que o ambiente logo após o final da segunda
guerra mundial, afunilou-se para a dualidade capitalismo/comunismo, com os
Estados Unidos da América assumindo o comando do bloco capitalista e a União
Soviética fazendo o mesmo em relação ao comunismo.
Estabelecida a polarização ideológica em que o
mundo se colocou, a guerra fria passou a monopolizar todo o jogo estratégico da
política, militarismo e das agências de espionagem. E claro, toda uma rede de
pessoas oriundas de todas as camadas da sociedade, engajaram-se em esforços
colaborativos, atuando em diversas atividades, notadamente a espionagem, com
direito às delações.
Instaurou-se uma nefanda instituição nos Estados
Unidos, denominada: "Comitê de Investigações de Atividades Anti-Americanas". E seu principal artífice, foi o senador Joseph McCarthy.
Truculento e fanático, comandou uma arbitrariedade
atrás da outra, violando os direitos civis, numa lamentável demonstração só
conhecida em países de terceiro mundo.
Tamanha a sua contundência nos tribunais
inquisidores (algo parecido com as CPI's que parlamentares convocam, aqui no
Brasil), logo o seu nome ficou marcado e o termo "Macartismo"
("McCarthyism" em inglês), tornou-se o emblema dessa fase negra da
história norte-americana. Pessoas de qualquer estrato social, de todas as
profissões, eram convidadas a esclarecer denúncias vazias que davam conta de
suas supostas atividades antiamericanas (leia-se pró-União Soviética), numa
"caça às bruxas" sem precedentes, desde as bruxas (literais...) de
Salém.
Pessoas tiveram suas carreiras destruídas, mediante
muitas vezes, falsas denúncias. Professores, cientistas, estudantes
universitários e artistas tornaram-se os principais alvos. Muita gente sofreu
boicote, tendo que buscar outro rumo na vida, visto ser impossível trabalhar.
Houve casos de suicídios, inclusive.
Um dos mais célebres prejudicados por essa
perseguição, foi sem dúvida, Charles Chaplin. E com isso, exilou-se na Suíça,
sem condições de viver mais nos Estados Unidos.
A lista de perseguidos foi enorme e só com a
mobilização da opinião pública, graças às denúncias (foi corajoso, sem dúvida),
do jornalista Edward R. Murrow, da CBS, McCarthy foi desmascarado, execrado e
caiu no ostracismo. Tarde demais, pois muitas pessoas inocentes tiveram suas
vidas destruídas indevidamente por denúncias falsas. E o que Kazan teve com
isso? Nascido em Constantinopla, numa
época onde o Império Otomano ainda comandava a região, Elia Kazan era filho de
gregos. Emigrando para os Estados Unidos com a família, Kazan cresceu
interessando-se por teatro inicialmente e nutriu simpatia pela revolução
soviética. Tornou-se um entusiasta da causa proletária, principalmente durante
os anos trinta, em meio à grande depressão. Segundo suas próprias palavras, o
mote das peças teatrais que dirigia nessa época, era o de "contos de fadas
típicos, onde as injustiças sociais eram superadas pela mobilização das
massas." No início dos anos quarenta, Kazan chegou à Hollywood e numa
guinada de posicionamento, abandona seus ideais de outrora. E no fim dos anos
quarenta, passa a fazer delações para o Comitê de McCarthy, entregando pessoas
que supostamente agiam de forma "antiamericana". Em seu filme
clássico, "On the Waterfront" ("Sindicato de Ladrões"),
retrata quase sua autoconfissão, com a estória de um homem dividido entre
manter a lealdade ao sindicato ou denunciar as falcatruas deste, à polícia.
Infelizmente no caso do tribunal da "caça às bruxas" de McCarthy, a
realidade não era bem essa e muita gente inocente foi prejudicada por denúncias
falsas ou infundadas.
Eu considero Kazan um grande diretor. Filmes como
"On the Waterfront", "Pinky", "A Streetcar Named
Desire", "Viva Zapata", "East of Eden", "Splendor
in the Grass" e "Wild River", entre outros, são obras
significativas demais. Portanto, separo o artista do homem comum, que colaborou
com uma onda de arbitrariedades. Isso foi execrável, claro e além de Kazan,
nomes fortes de Hollywood também participaram dessa onda de delações, como o
criador de personagens tão adorados no mundo inteiro e cheios de candura, um
certo Walt Disney... Portanto, foi compreensível o protesto político de muita
gente, quando Elia Kazan, já idoso, subiu ao palco para receber o seu Oscar, aliás
merecido, pela grande obra artística.
Nenhum comentário:
Postar um comentário