quarta-feira, 22 de junho de 2011

"SNIPERS", OS ATIRADORES DE ELITE II

Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 20 de junho de 2011.

“Foi ao percorrer as posições avançadas, à noitinha, para dar as últimas ordens para o ataque que deveria ser desfechado ao amanhecer que O Coronel Fulgêncio recebeu no ventre uma bala de fuzil, pontiaguda, provavelmente de um “sniper”, ou caçador, como a gente dizia”.
(Rubem Braga: um cigano fazendeiro do ar - Marco Antonio de Carvalho)

“snipers” - Um tiro, Uma morte

Fonte: André Matzembacher

A figura do atirador de elite não é uma criação moderna. (...) Eles receberam as mais variadas denominações durante a sua história entre elas franco-atirador (Traduzido do francês “franco-tireur” como literalmente “atirador livre” e originário da Guerra Franco-Prussiana de 1870-71, “franco-atirador” era o termo que descrevia os civis lutaram com suas armas de fogo contra o inimigo e não estavam sujeitos às regras da guerra), atirador de escol, atirador de elite e hoje são comumente chamados de ““snipers””.

Alguns dizem que o termo ““snipers”” surgiu no século XIX com o Exército britânico na Índia. Lá existia um pequeno e ágil pássaro chamado snipe (narceja), que se alimentava de insetos no solo, e se constituía um alvo difícil para qualquer caçador. O atirador para acertá-lo tinha que ser realmente muito bom e aqueles que conseguiam eram chamados de “snipers” (de “snipe”, e “killer”, na forma contraída).

Narceja (Gallinago gallinago): ave da família Scolopacidae no Brasil, o Snipe é conhecido como Narceja. Possui longo bico, plumagem castanha com listras claras na cabeça e pelo corpo, patas relativamente curtas e corpo compacto. Nos seus velozes vôos rasantes, que anunciam a época do acasalamento, produz um ronco sonoro que lembra um motor. Um caçador para abatê-la, durante o vôo rasante, precisa de muita habilidade.

Os gregos, romanos e assírios entre outros povos antigos empregavam arqueiros para aumentar a extensão do alcance de suas tropas e para explorar o efeito surpresa dos tiros de precisão.

Os exércitos europeus repartiam entre suas tropas arqueiros e balestreiros, para fornecer uma combinar mortal de tiros de precisão durante as batalhas. A partir do surgimento da pólvora, seguido das armas de menor porte permitiu que atiradores acurados (muitos originalmente caçadores) encontrassem naturalmente o seu lugar no campo de batalha. Conta-se que Leonardo da Vinci, usando uma arma projetada por ele próprio, foi franco-atirador ao lado dos florentinos que resistiam à investida do Sacro Império Romano.

Muitos acreditam que a figura do atirador de elite usando armas de fogo surgiu mesmo com caçadores americanos no período colonial. Ele usava o rifle de “ante-carga” (carregar pela boca) tipo “kentucky” de cano raiado que lhe dava precisão considerável. O problema da pólvora negra, comum na época, era minimizado, pois esses caçadores inventaram algo chamado “calepino” que não é nada mais do que um pedaço de pano muitas vezes absorvido em saliva que embrulhava a bala esférica de chumbo. Este “calepino” permitia se colocar uma bala de tamanho bastante menor que o cano e em troca, cada tiro, quando disparado, limpava o cano. Esses homens se vestiam com roupas de couros e com sapatos mocassins. Tal vestimenta copiada dos nativos americanos dava ao caçador maior agilidade em seus momentos. Esses caçadores tinham larga experiência de combate usando pesados fuzis de caça contra os índios. (...)

Nas colônias americanas os ingleses lutaram usando as táticas de combate européias em que batalhões inimigos avançavam um contra o outro como uma massa compacta, ombro com ombro. Se colocar diante dessa massa e fazer pontaria contra ela era quase suicídio, pois só se mataria alguns soldados e a qualquer momento a massa compacta que não parava se avançar dispararia contra você uma barragem mortal de chumbo. A lógica ditou então que a coisa mais satisfatória era criar uma outra cortina de chumbo a mais densa possível no menor tempo. O avanço assim era esmagador para o inimigo. É bem conhecido que a pólvora negra deixa resíduos no cano, maior quando é raiado e menor quando é plano, razão por que os rifles ingleses eram planos e permitiam realizar quatro tiros em 15 segundos, nas mãos de um soldado treinado, algo realmente surpreendente. O rifle inglês era por excelência o denominado Brown Bess de calibre .75.

Brown Bess: segundo especialistas o nome nunca foi oficial. É possível que Bess seja uma corruptela das palavras bus, em holandês e busse, em alemão, ambas querendo dizer “cano”, embora, na língua inglesa, também seja apelido para Elizabeth (Isabel). Como as guerras civis na Inglaterra tiveram ampla participação de mercenários holandeses e alemães, é possível que a palavra tenha entrado por essa via. Brown (marrom) veio, possivelmente, do tratamento químico contra a ferrugem, descoberto por volta de 1630 (russeting) que dava aos canos uma cor marrom-claro, que também era a da nogueira polida, madeira de que era feita a coronha da arma. Certos relatos falam em brown musket, o faria mais sentido.

Porém na guerra de independência os caçadores americanos não iam para campo aberto, onde estavam em desvantagem e sim preferiam lutar nas florestas. Dotados de rifles que lhe permitiram atirar à distância com precisão e com mesma efetividade, eles podiam proteger suas vidas. A vestimenta permitiu-lhe se mover com agilidade e ir até as árvores ou rochas, atirar, correr, esconder-se e atirar novamente. Para isto os caçadores tinham aprendido a ocultar-se na natureza, o que inclui o fator surpresa graças à camuflagem natural.

Em 7 de outubro de 1777, Timothy Murphy, um atirador de elite do “Morgan’s Kentucky Riflemen” matou com um tiro o General Simon Fraser exército inglês. Acredita-se que Murphy acertou o tiro de cerca de 500 jardas. Ele estava usando um rifle tipo “kentucky”. O General Fraser estava comandando uma missão de reconhecimento contra os rebeldes em Bemis Heights, New York. Com a morte de Fraser o reconhecimento não teve êxito e isto influenciou diretamente na batalha de Saratoga e no rumo da guerra que levou a derrota dos ingleses. (...)

Quando era major o próprio Ferguson teve sob sua mira em Germantown, Pensilvânia, um oficial não identificado do Exército Continental, durante a guerra de independência americana. Porém por uma questão de honra Ferguson não efetuou o disparo que certamente mataria o oficial rebelde, que estava a 125 jardas, porque este estava de costas. Soube-se depois que o oficial americano era ninguém menos do que o General George Washington. A sua morte certamente afetaria todo o rumo da história dos EUA. Ironicamente, em 7 de outubro de 1780, Patrick Ferguson foi morto por um membro do “Morgan’s Kentucky Riflemen” distante cerca de 450 jardas. Como resultado a unidade de Ferguson se rendeu quando o General Lorde Charles Cornwallis foi forçado a abandonar a invasão da Carolina do Norte. (...)

Mais tarde, já nos idos da guerra da Secessão, nos EUA o Coronel do Exército da União Hiram Berdam, criou e comandou o 1° e 2° Batalhões de Atiradores de Fuzil (neste caso, fuzis Sharps de calibre .52, dotados de primárias lunetas de corpo de bronze) especialmente para infringir baixas a oficiais inimigos e assim desmoralizar suas tropas.

Os sharpshooters (como eram conhecidos) obtiveram excelentes resultados, onde registraram-se disparos certeiros a mais de 700 metros. A unidade de Berdam foi atribuído o crédito de ter matado mais inimigos do que qualquer outra unidade do Exército da União. O General Robert E. Lee ordenou que os confederados criassem unidades de atiradores de elite. (...)

Atiradores de elite foram usados pelos franceses comandados por Napoleão e por forças da resistência contra as invasões francesas.

Perto do fim da batalha de Trafalgar, quando a esquadra inglesa já vencia a esquadra francesa e a espanhola juntas, em 1805, um atirador de elite francês, do alto do mastro do Redoutable, reconheceu a figura inconfundível de Nelson no convés do HMS Victory e fez fogo sobre ele: a pesada bala do mosquete francês atingiu-o no ombro esquerdo, atravessou completamente seu peito e prostrou-o agonizante no tombadilho. Era uma e meia da tarde; levado para o convés inferior, o herói inglês morreu três horas depois, cercado por seus oficiais, que vinham trazer notícias do sucesso da batalha.

O Brasil usou atiradores de elite alemães, que eram emigrantes ou contratados, na Guerra contra Rosas e Oribe (1851-52), especialmente contra Rosas em Monte Caseros em 2 de fevereiro de 1852. Existiam cerca de 100 atiradores que foram espalhados entre as unidades brasileiras de Infantaria e armados de moderníssimos fuzis Dreyse de agulha que soldados alemães haviam usado na reunificação da Alemanha. Eles foram comandados pelo Capitão Francisco José Wildt da Guarda Nacional de São Leopoldo. Com eles os artilheiros de Rosas foram caçados por terem se postado dentro do alcance útil dos fuzis Dreyse que conseguiram surpresa tática e assim o rompimento da posição de Artilharia por onde penetraram os cavaleiros brasileiros do 2° Regimento de Cavalaria ao comando do intrépido Tenente Coronel Manoel Luiz Osório, o futuro Marques do Herval. Estes alemães passaram a história como os brummer (rezingões).

Os próprios americanos comandados por Theodore Roosevelt, em 1898, foram acossados por bravos atirados espanhóis que defendiam a colina de San Juan em Cuba e que resistiram bravamente a vários ataques americanos usando seus rifles Mauser 93 de repetição. Os espanhóis só foram vencidos depois de um ataque em massa dos americanos.

Primeira Guerra Mundial

Mesmo sendo uma prática militar já usual no inicio do século XX, as nações européias só vieram a utilizar largamente atiradores de elite a partir da Primeira Guerra Mundial. Na verdade este foi o primeiro conflito em que esta modalidade de combatente foi grandemente utilizada.

Alemães, ingleses, franceses, australianos, americanos e turcos entre outros, usaram largamente suas novas unidades de atiradores de elite neste conflito, pois as características da “guerra das trincheiras” favoreciam os disparos de longo alcance e a imobilidade do atirador.

Foram os alemães que usaram os primeiros ““snipers”” especialmente treinados para a função.

O inglês Hisketh Pritchard criou a primeira escola aliada de atiradores de elite durante a Primeira Guerra, no Reino Unido, onde atiradores britânicos e americanos treinavam juntos. Muitos civis belgas usaram suas armas de fogo na função de “franco-atiradores” contras as forças invasoras alemãs em 1914. Atiradores turcos cobraram um alto tributo as tropas aliadas em Gallipoli.

Em uma quinzena da guerra de trincheira em dezembro de 1915, as tropas britânicas sofreram 3.285 baixas. Aproximadamente 23% destas baixas estavam relacionadas com ferimentos na cabeça, face e pescoço. (...)

Durante a Primeira Guerra Mundial, o Exército britânico encontrou atiradores alemães equipados com capas de camuflagem e rifles especiais com visões telescópicas. Os alemães colocaram telescópios em seus fuzis G98. Os “snipers” alemães forçaram o Exército britânico a empregar as mesmas técnicas. Ao final da guerra, os britânicos puderam superar os alemães no seu próprio jogo.

Muitas das armas usadas pelos atiradores no inicio da guerra era rifles de caça para elefantes, que depois foram substituídos por rifles standard adaptados para a função. Também nesta guerra foram treinados atiradores para servirem em ações countersnipes.

Simo Häyhä

Este conflito é importante para a história dos atiradores de elite, pois foi dele que saiu o campeão da lista de atiradores Simo Häyhä. Ele nasceu em 17 de dezembro de 1906 na pequena cidade finlandesa de Rautajarvi, como a maioria da população ele era um simples fazendeiro de vida tranquila e pacata, acostumado com a vida nas florestas geladas era ele um homem do campo por paixão, caçador desde a infância aos 17 anos alistou-se no exercito finlandês para cumprir serviço militar obrigatório, cumpriu o seu tempo de serviço de forma tranquila em um batalhão de bicicletas, em 30 de novembro de 1939 a Rússia invadiu a Finlândia dando inicio a uma guerra que iria durar 105 dias e ficaria conhecida como a guerra de inverno, Simo Häyhä foi convocado as pressas juntamente com centenas de outros reservistas e integrou a 6ª Companhia do 34° Regimento (34º Jalkaväki Rykmentti) encarregada de proteger e retardar o avanço soviético na região do Rio Kollaa. A superioridade numérica dos russos era esmagadora, e como o vale do Kollaa era ponto estratégico importantíssimo para o avanço russo, para lá foram enviadas 12 divisões, com um total de 160.000 homens, ignorando a superioridade numérica a resistência finlandesa lutou ferozmente, e foi durante essa luta desigual que se destacou Simo Häyhä. Aqueles eram os seus campos de caça e conhecia a região como ninguém, era a sua casa, nenhum inimigo estaria seguro, “caçando” sozinho a “morte branca” (apelidado por causa da camuflagem branca que usava na neve) levou o terror às linhas inimigas, agia no sul e no norte, nunca fazia mais que um disparo por posição, quando agia levava o pânico e abalava o moral das tropas inimigas.

Assim a bravura e a audácia de um único atirador, atrasou em meses o domínio daquela região e, em apenas um mês as perdas vermelhas no vale do Kollaa triplicaram. Usava um rifle Mosin Nagant M28 em calibre 7.64X54 R (mesmo calibre do atual SDV Dragonov) regulamentar das tropas finlandesas naquela época, as miras eram abertas e sem qualquer tipo de aparato de precisão, com esse rifle por mais de uma vez eliminou oficias russo com tiros precisos de mais de 400 metros.

Em reconhecimento pelos seus atos, em fevereiro de 1940, o Comandante de sua unidade ofereceu um rifle Mauser sueco equipado com um uma mira de precisão, mas para a surpresa de todos, Simo Hayha recusou a oferta e preferiu continuar com o seu bom e velho Mosin Nagant. Segundo as palavras do próprio Hayha, o Mauser era muito bom, mas o obrigava a levantar demais a cabeça para usar a luneta e isso poderia significar a diferença entre matar ou morrer já que era diariamente caçado por vários “snipers” soviéticos, o fato de não gostar de lunetas era devido a necessidade de cuidados especiais que precisava se ter com esses delicados aparelhos por causa do gelo e da neve que constituíam o ambiente dos combates.

Outra coisa que diferenciava Simo Hayha dos demais atiradores era o fato dele preferir a posição sentado ao invés de deitado. Como ele tinha apenas 1,60m de altura, desenvolveu uma posição de tiro sentado que funcionava como uma plataforma, dando total estabilidade aos seus tiros de longa distância. Ele agia de norte ao sul do vale, sempre sozinho, e nunca fazia mais que um disparo por posição, além de ser exímio atirador de metralhadora também, e sempre carregava uma Suomi-Konepistooli KP-31.

Quando perguntado qual era a chave do seu sucesso, disse não haver nenhuma, apenas o amor pela pátria o conhecimento intimo da sua arma e do terreno, e a paciências para permanecer dias inteiros em uma posição esperando uma oportunidade, “cumpri da melhor forma possível as missões que me confiavam” dizia ele com toda a sua modéstia.

Em 06 de março de 1940, Simo Hayha foi ferido gravemente no maxilar esquerdo (perdeu parte da mandíbula), mesmo assim ainda encontrou o seu fuzil e caçou e matou o homem que o feriu, depois caiu desacordado e foi carregado por companheiros, aquela foi a ultima ação de Simo Hayha no exercito finlandês. Nove dias depois, era assinado um Tratado de Paz, onde a Finlândia cedeu 9% de seu território e 20% de seu parque industrial para a URSS. Apesar da derrota, no dia da assinatura do tratado, as posições do Rio Kollaa ainda permaneciam nas mãos dos finlandeses, graças à “proteção” do Morte Branca e de uma pequena facção do Exercito Finlandês.

Durante os 100 dias que Simo Hayha esteve em combate, obteve 542 baixas inimigas confirmadas, número que o coloca como o maior “sniper” de todos os tempos.

Logo após o final da Guerra de Inverno, Simo Hayha foi promovido de Soldado a 2° Tenente, fato inédito na história militar finlandesa. Nos anos que se seguiram, Simo Hayha foi operado várias vezes para reconstruir a mandíbula esquerda e levou muitos anos para se recuperar completamente do ferimento. Em 1º de abril de 2002, morreu de causas naturais em Hamina, Finlândia, aos 96 anos.

Suko Kolkka

Outro atirador de elite finlandês da época da Guerra de Inverno na Finlândia é Suko Kolkka. Segundo informações ele matou aproximadamente 400 russos com seu rifle e cerca de outros 200 usando submetralhadoras em combates de infantaria. (...)

EUA - entre as guerras

Devido às traumáticas experiências nos campos de batalha da França os americanos buscaram o aperfeiçoamento em seus campos de treinamento específicos para atiradores de fuzil, mais notadamente em Fort Benning, Georgia. Lá foi criada a “The United States Army Marksmanship Training Unit” ou Unidade de Treinamento de Atiradores de Precisão do Exército dos EUA.

Segunda Guerra

Os alemães tem nos registros oficiais um dos maiores atiradores de elite da história Mathias Heutzenaner, que durante o ano de 1944 na frente russa, abateu 345 soldados e oficiais soviéticos! Um dado interessante é que os soviéticos usaram com bons resultados mulheres como atiradoras de elite, devido a sua paciência e determinação. (...)

Duelo em Stalingrado

Um dos duelos mais famosos entre atiradores de elite aconteceu na batalha por Stalingrado entre o russo Vasili Zaitsev e o alemão Erwin Konig. Durante o início da batalha de Stalingrado as condições que os russos enfrentavam eram extremamente difíceis, pois os alemães queriam os campos de petróleo do sul da Rússia, do Cáucaso e o controle do Rio Volga. (...) Efetivos soviéticos não paravam de chegar, chegou-se a fazer uma ponte alguns centímetros abaixo do Rio Volga (a primeira da história), trens blindados chegavam trazendo divisões do Exército Vermelho, uma dessas, a 284ª divisão do 62° exército, trazia dentre vários soldados um pastor de ovelhas siberiano que habitava a região dos Montes Urais. Nascido em Katav-Ivanovskogo, era órfão desde cedo e foi ensinado a atirar desde os 5 anos de idade por seu avô caçador de lobos.

O nome deste soldado era Vassili Grigorievitch Zaitsev (“lebre” em russo). Ele chegou a Stalingrado no dia 20 de setembro de 1942, com 27 anos de idade. Quando chegou em Stalingrado ele não tinha um rifle como muitos outros soldados soviéticos. (...) Vassili escondeu-se entre os cadáveres dos seus camaradas mortos e segundo relatos do livro “Enemy at the gates” (O Círculo de Fogo) apossou-se de um rifle de um soldado morto e atirando apenas quando soava o som das explosões (afim de que não fosse ouvido o barulho do rifle), abateu 5 alemães que estavam em um estabelecimento próximo sem ser percebido e sem levar um só tiro, o que conquistou a atenção do comissário político e jornalista Igor Danilov. (...)

Uma das sugestões para um melhor desempenho dos soldados, agoniados com a provável vitória das tropas do III Reich, partiu de Danilov, que sugeriu a publicação do jornal militar novamente e a exaltação do sacrifício pessoal e a dedicação à causa comunista, mostrando como exemplo aquele que conhecera de perto, o lendário atirador de elite Vassili Zaitsev. (...)

De fato as proezas de Zaitsev eram lendárias, por exemplo, no período de apenas 10 dias ele já havia eliminado cerca de 40 oficiais alemães de alta patente, corajosa atitude essa que fizera dele também o mais falado nas rádios soviéticas e o mais popular soldado da cidade e um dos mais da URSS (senão o mais popular). Foi devido à necessidade de mais soldados como ele, que Danilov encarregou Vassili de treinar e instruir outros atiradores de elite, dentre os quais a oficial russa-americana Tatiana Tchernova, que voltou dos EUA para a URSS quando a guerra havia começado. Obcecada pelo desejo de vingança contra os nazistas que executaram seus avós, Tania perdera também seus pais durante a guerra, e por isso sob instruções de Vassili Zaitsev tornou-se uma exímia atiradora de elite, matando um grande número de soldados alemães junta com seu instrutor. Tania Tchernova também veio a tornar-se a namorada de Zaitsev, vindo a iniciar um relacionamento duradouro. Ela chegaria a ser ferida por uma mina atirada pelos nazistas. (...)

Os soviéticos empregaram duas mil atiradoras em suas fileiras das quais quinhentas sobreviveram à Guerra. A mais famosa delas foi Pavlichenko.

Lyudmila Mikhlailovna Pavlichenko: em 12 de julho de 1916, uma garota nasceu na Ucrânia na pequena vila de Belaya Tserkov e se tornou uma estudante brilhante nos primeiros anos de estudo. Quando estava com 14 anos, seus pais se mudaram para Kiev, a capital do país. Neste período ela passou a participar de um clube de tiro e se tornou uma boa atiradora. Ela também trabalhou em um depósito de armas e munições. Seu nome era Lyudmila Mikhlailovna Pavlichenko que se tornou a maior mulher ““sniper”” que já viveu. Em junho de 1941, os alemães lançaram a Operação Barbarossa atacando a União Soviética. Lyudmila estava estudando na Universidade de Kiev. Ela estava com 24 anos e se formando em História. Muitos dos estudantes russos apressaram-se em se alistar. Lyudmila era um garota muito bonita. Quando ela se recrutou ela pediu para se juntar a infantaria e utilizar um rifle. O responsável pelo alistamento riu. Então ela mostrou um certificado de franco-atirador para provar que falava sério. Ele tentou dissuadi-la para tornar-se uma enfermeira, mas ela recusou. Foi incorporada à 25ª Divisão de Infantaria e se tornou uma das duas mil mulheres “snipers” soviéticas das quais somente 500 sobreviveram a guerra. Como “sniper”, as duas primeiras mortes foram registradas próximas a Belyayevka. Seu rifle era um rifle Mosin Nagent com uma mira P.E. 4-power. O Mosin-Nagent era um rifle de 5 tiros. Ele disparava uma bala de 148 gr a uma velocidade de 853 m/s. Era muito útil para alvos a mais de 550 m. Pavlichenko lutou cerca de dois meses e meio próximo a Odessa, registrando 187 mortes. Os alemães tomaram controle de Odessa e a unidade dela foi movimentada para Svastopool na Península da Criméa. Em maio de 1942, a tenente Pavlichenko foi citada pelo Conselho do Exército Vermelho por ter matado 257 alemães. O número total de mortes confirmadas de Pavlichenko durante a segunda guerra é de 309. Ludmila matou 36 “snipers” inimigos. Ela encontrou um livro de memórias de um “sniper” alemão que ela matou. Ele havia matado mais de 500 soldados soviéticos. Em junho de 1942 ela foi ferida por um tiro de morteiro. Lyudmila considerada uma heroína, menos de um mês depois de ser ferida foi retirada de combate. Ela foi enviada ao Canadá e aos Estados Unidos. Ela se tornou a primeira cidadã soviética a ser recebida pelo presidente dos EUA. O presidente Roosevelt e sua esposa a receberam na Casa Branca. Lyudmila foi convidada por Eleanor Roosevelt a viajar pela América relatando suas experiências. Antes, ela foi convidada a comparecer a Assembléia Internacional de Estudantes que estava acontecendo em Washington, onde foi recebida como heroína. Mais tarde participou de encontros e conferências em Nova York. No Canadá, foi presenteada com um rifle Winchester com mira ótica, que está a mostra no Museu Central das Forças Armadas em Moscou. Quando ela estava voltando para a União Soviética, ganhou uma pistola Colt semi-automática. Depois de ser promovida a Major tornou-se instrutora de tiro, treinando centenas de “snipers” soviéticos até o fim de guerra. Em 1943, ela recebeu a Estrela de Ouro (Gold Star), título de Herói da União Soviética. Lyudmila retornou a Universidade de Kiev. De 1945 a 1953, foi pesquisadora assistente da marinha soviética. Lyudmila morreu em 10 de outubro de 1974 aos 58 anos e está enterrada no Cemitério Novodevichiye em Moscou. (Fonte: Lyudmila Mikhlailovna Pavlichenko)

Vassili Zaitsev era um exímio atirador de elite, com seu rifle Moisin-Nagant 91/30 (na época um dos melhores a disposição do Exército Vermelho) foi capaz de abater só em Stalingrado 242 nazistas, dentre soldados, oficiais e até atiradores de elite alemães, com os quais travou árduas lutas, sendo a mais épica dessas, a luta contra o major alemão Heintz Thorvald, também conhecido como Major Erwin König. Segundo os soviéticos ele era da escola alemã de atiradores de elite.

As atividades dos atiradores de elite soviéticos causavam grande intranquilidade aos generais alemães em Stalingrado onde já tinham matado mais de mil soldados alemães. Diante das constantes ameaças, os alemães começaram a organizar unidades anti-atiradores de elite. Certa uma das patrulhas russas trouxe um prisioneiros para fins de identificação que disse que o Chefe da escola alemã de atiradores de elite, Major Konig, tinha chegado de avião de Berlim e fora incumbido, antes de tudo de matar o mais eminente dos atiradores soviéticos, Vassili Zaitsev. (...)

Os soviéticos diziam que Erwin König era um rico caçador de veados da Bavária que foi enviado a Stalingrado apenas com a missão de abater Vasha (como também era conhecido Vassili), fato que comprovava sua fama até mesmo entre os soldados alemães, o que fazia dele um arcanjo para os soviéticos e demônio para os alemães.

Ambos posicionados, o duelo entre o comunista pastor de ovelhas e o nazista caçador de veados seria um dos épicos episódios da batalha de Stalingrado, pois além de sua extensa duração foi marcado por momentos em que ambos estiveram próximos da morte, momentos em que a sorte esteve presente, em que a ânsia e a angústia estiveram presente nos corações daqueles que aguardavam os resultados daquele duelo, fossem civis ou militares, enquanto que com toda cautela, mas sobretudo com calma os atiradores souberam levar tal conflito.

Uma das desvantagens de Vasha era o fato de que seus atos haviam sido observados, sendo levados ao conhecimento do Comando da Wermatch e consequentemente de König, que passou a caçar o atirador russo. O próprio Vasily Zaitsev fala a respeito do duelo:

A chegada do atirador nazista trouxe-nos uma nova tarefa: tínhamos de encontrá-lo, estudar os seus hábitos e métodos e esperar pacientemente o momento justo para um, somente um, tiro certeiro. Nos nossos abrigos, à noite, tínhamos discussões furiosas sobre o próximo duelo. Todo atirador apresentava as suas especulações e conjecturas extraídas da observação de cada dia das posições de vanguarda do inimigo. Discutíamos toda espécie de propostas e de apostas. Mas a arte do franco-atirador se distingue pelo fato de que, seja qual for a experiência que muita gente tenha, o resultado da luta é decidido por um dos atiradores. Ele enfrenta o inimigo face a face e de cada vez tem de criar, de inventar, de operar diferente. Não pode haver esquema para o atirador; um esquema seria suicídio.

(...) Então alguma coisa aconteceu. O meu amigo Morozov foi morto e Sheykin ferido por um fuzil com mira telescópica. Morozov e Sheikin eram atiradores experientes; muitas vezes saíram vitoriosos das mais difíceis escaramuças com o inimigo. Agora não havia mais dúvida. Tinham dado com o super-atirador nazista que que procurava. Pela madrugada saí com Kulikov para as mesmas posições que os nossos camaradas haviam ocupado na véspera.

Nikolay Kulikov: conheceu o major König na Alemanha durante a época do tratado de não-agressão. Acompanhando Vassili, Kulikov usou-se de binóculos para scannear as linhas inimigas quando estas travavam nas ruas batalhas e desferiam ataques contra as tropas soviéticas, sempre se escondendo em prédios ou outras edificações.

(...) O dia estava chegando ao seu termo. Então, acima de uma trincheira alemã surgiu inesperadamente um capacete, movimentando-se vagarosamente ao longo dela. Deveria eu atirar? Não! Era um ardil; o capacete movimentava-se de modo irregular e presumivelmente estava sendo levado por alguém que ajudava o atirador, enquanto ele esperava que eu atirasse. (...)

No terceiro dia, o comissário político Danilov, também foi conosco para a emboscada. (...) Travou-se batalha perto de nós, obuses silvavam acima de nós, mas, colados às miras telescópicas, mantivemos o olhar dirigido para o que acontecia à nossa frente. Lá está ele! Eu o indicarei para vocês! - disse, de repente, o comissário Danilov ficou excitado.

Ele mal se elevou, literalmente por um segundo, mas sem cuidado, acima do parapeito, e isso bastou para que o alemão o atingisse e o ferisse. Esta espécie de disparo, naturalmente, só podia provir de um “sniper” experiente. (...) Entre o carro e a fortificação, numa faixa de terreno plano, havia uma chapa de ferro e uma pilha de tijolos quebrados. Estavam ali havia muito tempo e já nos acostumáramos a vê-las. Coloquei-me na posição do inimigo e pensei - que lugar melhor para um atirador? Bastava apenas fazer um cavalete sob a chapa de ferro e chegar a ela durante a noite. Sim, ele estava certamente ali, sob a chapa de ferro, na terra-de-ninguém. Resolvi certificar-me. Pus uma luva na ponta de um pedaço de pau e a elevei. O nazista caiu nessa. Abaixei cuidadosamente o pedaço de pau na mesma posição e examinei o orifício aberto pela bala. Ela atingira diretamente pela frente; isto significava que o nazista estava debaixo da chapa de ferro.

- Lá está o nosso atirador! - disse Kulikov, com a sua voz calma, do seu esconderijo perto do meu. Veio então o problema de atrair, ainda que fosse pelo menos parte da sua cabeça, para a minha mira.

O sol se elevou no céu. Kulikov deu um tiro às cegas: tínhamos de despertar a curiosidade do atirador. Havíamos decidido passar a manhã à espera, pois poderíamos ser localizados pelo reflexo do sol nas nossas miras telescópicas. Após o almoço os nossos fuzis estavam na sombra e o sol brilhava diretamente sobre a posição do alemão. Na ponta da chapa de ferro alguma coisa brilhava: um pedaço qualquer de vidro ou uma mira telescópica? Cuidadosamente, Kulikov começou, como somente podem fazê-lo os mais experimentados, a levantar o seu capacete. O alemão disparou. Por uma fração de segundo Kulikov se levantou e gritou. O alemão acreditou que finalmente apanhara o atirador soviético que vinha caçando havia quatro dias e levantou a cabeça de debaixo da chapa de ferro.

Era com isso que eu contava. Fiz uma pontaria cuidadosa. A cabeça do alemão caiu para trás e a mira telescópica do seu fuzil K-98 ficou sem movimento, brilhando ao sol, até que a noite caiu...

Condecorado com a Ordem da Guerra Patriótica, duas Ordens da Bandeira Vermelha, várias vezes condecorado com a Ordem de Lenin, além de medalhas menores, Vassili Zaitsev recebeu então a medalha da Estrela Dourada e o status de “Herói da União Soviética”, vindo a ser condecorado ainda outras vezes por ser veterano de guerra de Stalingrado.

Após o término da guerra Zaitsev desmobilizou-se e passou a ser um veterano de guerra, trabalhando como diretor de uma fábrica de construção de carros em Kiev, tendo terminado esse trabalho somente em 15 de dezembro de 1991 quando morreu.

Blog e Livro

Os artigos relativos ao “Projeto–Aventura Desafiando o Rio–Mar”, Descendo o Solimões (2008/2009), Descendo o Rio Negro (2009/2010), Descendo o Amazonas I (2010/2011), e da “Travessia da Laguna dos Patos I (2011), estão reproduzidos, na íntegra, ricamente ilustrados, no Blog http://desafiandooriomar.blogspot.com.

O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre. Pode ainda ser adquirido através do e–mail: hiramrsilva@gmail.com.

Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar (IDMM); Vice Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB); Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

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