Por José Eugênio Maciel
Vendo essas letras eu me pergunto se Noel Rosa não foi,
tanto quanto sambista, um cronista e um poeta”.
Rubem Braga
Na semana passada, mais precisamente no dia onze de dezembro, registra-se o centenário de nascimento de Noel Rosa, 1910. O título de hoje é uma referência a uma das mais conhecidas composições e que retrata a capacidade do Noel de compor a partir do cotidiano que vivera ou que conhecia como bom observador, um legítimo cronista carioca e brasileiro, com ele tudo dava bom samba. A música Com que roupa? ele fez quando a mãe dele, que queria evitar que o filho fosse boêmio, escondeu as suas roupas para que ele não saísse para as noitadas de gandaia: ... Eu hoje estou pulando como sapo/Pra ver se escapo desta praga de urubu/Já estou coberto de farrapo, eu vou acabar ficando nu/Meu paletó virou estopa e eu nem sei mais/Com que roupa?/Com que roupa que eu vou/Pro samba que você me convidou?
Noel Rosa nasceu e viveu no mesmo chalé da Vila Isabel, bairro importante do Rio de Janeiro. Por causa de problemas no parto, Noel teve o queixo defeituoso, o que não afetou em nada do seu humor sempre acentuado, o modo do bom malandro em viver. Certa ocasião, ao ser perguntado sobre a criatividade esmerada em compor sambas que imediatamente virariam sucesso, disse ele: “A vocação é necessária até para se dar o laço na gravata”.
Ele cantou os muitos bairros do Rio de Janeiro, então capital da República, também nas suas letras figuram personagens da cidade, expressões típicas brasileiras como joão-ninguém, joão-teimoso, maria-fumaça, dama do cabaré, o agiota, o bicheiro, a operária da fábrica, o pão-duro, o guarda civil. Nas mesas dos bares que frequentava eram todos eles fontes de inspiração, caixinha de fósforos, o guardanapo, os muitos goles de cerveja com os quais alegremente saudava a vida, ele compunha com imenso prazer e criatividade. E, por falar em bar, outro samba gostoso de escutar é Conversa de botequim:
Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d’água bem gelada
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol
Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
Um envelope e um cartão,
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro para espantar mosquitos
[,,,]
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente
[...]
Em 1937, no dia quatro de maio, Noel de Medeiros Rosa morreu aos 27 anos, vitimado pela tuberculose. É relevante considerar o fato de Noel ter morrido muito jovem, mas mesmo tendo pouco tempo, pôde criar sambas que estão sendo sempre regravados. Ele continua sendo muitíssimo respeitado e admirado, por Pixinguinha, Tom Jobim, Chico Buarque de Holanda, Paulinho da Viola. E no tempo de Noel foram grandes os intérpretes das suas geniais canções: Aracy de Almeida, Mário Reis, Francisco Alves, Marília Batista, Luís Barbosa, Sílvio Caldas e Almirante, além do próprio Noel.
O jornalista e grande cronista Paulo Mendes Campos, em 1954, ao escrever na revista Manchete, se referiu assim a Noel Rosa: “Noel Rosa na música popular brasileira pode ser ou não o mais psicológico, o mais poético, o mais harmonioso, o mais romântico, o mais realista, o mais ritmado, etc.; indiscutivelmente, ele é apenas o maior compositor popular brasileiro”.
Imagem da Internet - acrescentei o vídeo (PVeiga).
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