quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

DEISE NISHIMURA, A SAMURAI DE MAMIRAUÁ

Hiram Reis e Silva, Manaus, AM

“O Ai do samurai não é um grito de dor:

é a precisão do corte, a velocidade da morte

na defesa da manhã”.
(Arnaldo Garcez Teixeira)

Café Regional

Convidei os caros amigos do Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA) Tenente Roberto STIEGER e a pesquisadora chefe do laboratório de Mamíferos Aquáticos Amazônicos, VERA F. Silva, para um café regional de agradecimento, por terem viabilizado minha visita a um dos mais fantásticos santuários ecológicos do mundo: a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Mamirauá.

Na oportunidade, a Vera, como sempre, nos brindou com seus fantásticos relatos, sendo que um deles – o ataque de um jacaré a uma de suas pesquisadoras, a bióloga paulista Deise Nishimura, chamou-me a atenção em especial. Vera comentou que o anjo da guarda de sua pesquisadora, na oportunidade, deu um cochilo quase fatal, mas, logo em seguida, procurou corrigir sua burrada através de uma série de felizes coincidências.

O ataque de Dorotéia, a guardiã

do Flutuante Boto Vermelho

A bióloga Deise Nishimura que perdeu
uma perna no ataque do Jacaré "Dorotéia".
Em 30 de dezembro, quando limpava peixe
na varanda da casa flutuante onde morava,
em uma reserva florestal isolada no Alto
Amazonas, foi atacada por um gigantesco
jacaré-açu que pulou cerca de um metro para alcançá-la.
O bicho a levou para o fundo do rio
--com aproximadamente três metros de
profundidade-- e arrancou sua perna.

Foi em dezembro de 2009, véspera do Ano Novo, nas instalações do Flutuante do Boto Vermelho, RDS Mamirauá, município de Tefé, Amazonas. A pesquisadora Deise Nishimura preparava um enorme tambaqui para a passagem do ano. Iniciou a limpeza do saboroso peixe na cozinha e, logicamente, os pequenos detritos puseram em alerta a Dorotéia, a enorme Jacaré-Açu que morava sob o Flutuante. Na hora de cortá-lo preferiu fazê-lo na borda do Flutuante, a menos de um metro d’água. Dorotéia, já na espreita, atacou Deise e puxou-a, pela perna, para dentro d’água, dando início à rotação mortal.

Nesta hora achei que tinha morrido, mas lembrei de um documentário que havia visto que, quando você é atacada por um tubarão, a parte mais sensível dele é o nariz. Aí pensei qual seria a parte mais sensível do jacaré. Coloquei a mão na cabeça dele, não sei se era o nariz ou o olho, e enfiei meus dedos e apertei com toda força, foi quando ele me soltou e nessa hora percebi que já estava sem a minha perna”, relata Deise.

A Reserva Mamirauá, no Amazonas, concentra
uma das maiores populações de jacarés
na região. Alguns pesquisadores garantem
que em Mamirauá existem
90 jacarés para cada habitante
da reserva. O jacaré-açu é o maior
predador da América do Sul: alguns medem
mais de 6 metros.

Deise nadou rapidamente para o Flutuante procurando se colocar a salvo antes que outros jacarés fossem atraídos pelo seu sangue. Arrastou-se pela rampa de acesso aos barcos que fica ao nível d’água e conseguiu, depois muito esforço, pedir socorro pelo rádio. A Vera comenta que, a partir do ataque, o anjo da guarda deve ter acordado sobressaltado e procurou remediar a besteira que tinha deixado acontecer com sua protegida. A artéria femural, na rotação, deu praticamente um nó, impedindo que a pesquisadora viesse a se esvair em sangue. Em Mamirauá, normalmente, ninguém está na escuta nos postos-rádio e, às vezes, não se entende absolutamente nada do que está sendo dito,contudo, nessa ocasião, seu pedido de socorro foi ouvido e, em quinze minutos, uma equipe lhe atendia, acompanhada de um especialista, com curso de primeiros socorros - uma raridade na RDS.

Deise Nishimura no Flutuante do Boto Vermelho, em Mamirauá, município de Tefé, Amazonas.

Outro problema crítico seria a evacuação imediata para o Hospital de Tefé. Nesse momento, ocorreu mais uma intervenção do anjo dorminhoco: eis que o Gerente Operacional do Instituto Mamirauá, César Modesto, fazia sua ronda periódica pelos diversos Flutuantes do Instituto numa lancha dotada de possante e barulhento motor. No mesmo instante em que Deise fazia seu apelo pelo rádio, o César havia diminuído a velocidade em virtude dos banzeiros e, graças a isto, pôde ouvir a mensagem, deslocando-se, imediatamente, para o local, fato que possibilitou uma evacuação em tempo recorde.

Deise chegou em estado de choque ao Hospital de Tefé, e foi prontamente atendida pelo Doutor Alberto Villa Lobos.

O Doutor Alberto é um perito em amputações e, graças a ele, a pesquisadora não sofreu nenhuma infecção,recebeu um tratamento especializado, o qual foi elogiado, mais tarde, pelos médicos de São Paulo, local para onde Deise foi transferida, para dar continuidade ao tratamento, e depois ser submetida à fisioterapia.

Nishimura, mostrando ter a fibra dos verdadeiros Samurais, voltou para RDS Mamirauá para dar continuidade às pesquisas sobre o boto vermelho, e lamentou-se ao saber que os ribeirinhos haviam matado sua algoz Dorotéia.

Rotação Mortal

Achei estranho o comentário de alguns “especialistas” em jacarés, afirmando que o ataque seguido de rotação era privilégio dos crocodilianos. Lembrei-me de ter lido há algum tempo afirmação do ex-presidente americano Theodore Roosevelt e ornitólogo amador que afirmava: “Durante o vôo, o maguari e alguns outros pernaltas esticam o pescoço em linha reta...” fato que pude desmentir através de observação pessoal e fotos mais tarde. Com os jacarés e os crocodilianos, a mesma coisa acontece. Quando a presa é grande e não pode ser abocanhada de uma única vez, é usado o recurso da rotação, para arrancar membros, partir ossos ou matar. Pude observar esse recurso sendo empregado pelos jacarés do Pantanal, quando o alvo era uma capivara, veado ou porco do mato.

Memória Curta

Quando estive na RDS Mamirauá, de 27 a 31 de dezembro de 2008, naveguei sem qualquer receio entre gigantescos animais que podem chegar, em casos excepcionais, a sete metros de comprimento, maiores que os crocodilos americanos (aligátor mississipienses). Na Pousada Uacari, numa conduta altamente condenável, os guias locais atraíam os enormes animais atirando pedaços de carne na água para que os turistas pudessem fotografá-los. No Flutuante Mamirauá, onde fiquei hospedado havia um gigantesco sauro, conhecido como Léo, animal que considerava o Flutuante como sua propriedade, garantindo sua posse graças aos seus formidáveis cinco metros. Ele, como os outros, eram alimentados, para deleite dos visitantes ou durante a preparação das refeições, o que com o tempo, fatalmente, os levaria a associar o cheiro de comida na Pousada Uacari ou Flutuantes à refeição fácil. Não tínhamos qualquer tipo de cuidado com os grandes animais e todos os consideravam como grandes animais “domésticos”. O acidente cruel com a Deise, segundo a Vera, parece que, depois de quase um ano, já caiu no esquecimento, uma vez que os procedimentos reprováveis voltaram a acontecer.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

E–mail: hiramrs@terra.com.br

Imagens da Internet - fotoformatação (PVeiga).

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