quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

COMO CRISTO, MAS ANTES DELE

Uma lápide de pedra indica que a ideia de um messias sofredor que ressuscitou ao terceiro dia já existia no judaísmo
Getty Images
Ecce Homo, de Juan Macip, conhecido
como Juan de Juanes (1510-1579):
a redenção pelo martírio
É o sonho dourado de todo colecionador: descobrir que o objeto comprado meio que por acaso possui, na verdade, valor incalculável. Essa é a constatação a que vários estudiosos estão chegando a respeito de uma lápide de pedra de menos de 1 metro de altura, com 87 linhas de texto em hebraico, que o suíço David Jeselsohn adquiriu há cerca de uma década. Por muito tempo, a peça passou despercebida. Há alguns anos, a pesquisadora israelense Ada Yardeni a examinou e ficou boquiaberta: de acordo com ela, a lápide seria um equivalente em pedra de um dos manuscritos do Mar Morto, cujas ligações com as origens do cristianismo são até hoje, sessenta anos após sua descoberta, objeto de acalorados debates. O texto pintado na lápide (e não gravado, como seria habitual) está apagado em partes, e um fragmento se perdeu. Mas, conforme os vários estudiosos que analisaram o artefato desde o ano passado, o texto fala de um messias sofredor, e acredita-se que faça alusões também à sua ressurreição no terceiro dia após a morte. Exatamente como teria acontecido com Cristo, segundo os Evangelhos. Só que a lápide é anterior em provavelmente várias décadas ao nascimento de Jesus – daí a comoção que vem causando entre arqueólogos e pesquisadores bíblicos.
Dominic Buettner/The New York Times
Jeselsohn, com a lápide: objeto
sem preço, adquirido ao aca





Não é, claro, que a comunidade científica acredite estar diante de uma "profecia". O texto vem se juntar com grande peso às evidências cada vez mais numerosas, e polêmicas, de que o surgimento de Cristo na Palestina de 2.000 anos atrás não foi um evento isolado e anômalo, mas estaria ligado de forma estreita à mística judaica do período e à atmosfera política de uma nação sob ocupação romana. Um dos mais ardorosos defensores dessa tese é Israel Kohl, professor de estudos bíblicos da Universidade Hebraica de Jerusalém. Segundo Kohl, o messias específico a que a lápide (que vem sendo denominada "Revelação de Gabriel", já que o arcanjo seria seu orador) se refere seria um homem chamado Simão, assassinado pelo exército do rei judeu (e colaborador romano) Herodes. O texto menciona o sofrimento como etapa necessária para a redenção – da mesma forma como os cristãos crêem que Cristo salva a humanidade do pecado com seu martírio. Na tradição judaica clássica, o messias tem, ao contrário, uma imagem triunfal.

A parte mais controvertida da lápide é o ponto em que aparece a frase "em três dias". Ada Yardeni e seu co-pesquisador, Binyamin Elitzur, consideram ilegível o trecho que se segue a ela; Kohl, especializado na linguagem da Bíblia e do Talmude, argumenta que ela forma o complemento "você viverá". Ou seja, ressuscitará. Vistas sob essa perspectiva, as várias profecias que Jesus fez sobre sua própria morte ganhariam um outro matiz – seriam não mais vaticínios sem um precedente histórico e cultural, mas noções já fincadas nas crenças de seu tempo e lugar. A lápide, é evidente, deve ensejar décadas de discussão. Mas sua autenticidade vem sendo dada como genuína – e esse já é um ponto fundamental.

Fonte: Revista VEJA

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