quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

LAGOAS LITORÂNEAS E RIO GUAÍBA

Hiram Reis e Silva, Cidreira, RS

Navegar é Preciso

Fernando Pessoa

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:

“Navegar é preciso; viver não é preciso”.

Quero para mim o espírito (d)esta frase,

transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.

Só quero torná-la grande,

ainda que para isso tenha de ser o meu corpo

e a (minha alma) a lenha desse fogo. (...)

Navegar é preciso; viver não é preciso

A frase “Navigare necesse; vivere non est necesse” atribuída a Pompeu, o Grande (106 a 48 a.C.), consta de sua biografia escrita pela pena magistral de Plutarchus na sua “Vitae illustrium virorum – Pompey”. Pompeu incitava seus amedrontados marinheiros a embarcar, partir para a guerra e enfrentar os inúmeros desafios dos mares em suas frágeis naves. Os amantes das águas e os antigos argonautas tem consciência da profunda significação destas palavras. Seu verdadeiro sentido transcende o cotidiano dos mortais comuns, navegar, mais do que viver é participar da construção da história da humanidade seja pelos feitos, descobertas ou simplesmente pela capacidade de sobrepujar desafios. A alusão atribuída a Pompeu reporta que é necessário que cada um de nós, na esfera de suas atribuições, seja um protagonista e não coadjuvante da história da humanidade.

Metamorfoses

Aproveitei a alta de minha esposa do hospital e o bom tempo para dar continuidade à preparação do corpo e do espírito para a nova jornada no Rio Amazonas, de Manaus a Santarém. Hospedado na casa de praia de meu irmão caçula, em Cidreira, decidi, mais uma vez, empreender em quatro oportunidades o percurso de pouco mais de 30 quilômetros saindo da Lagoa da Fortaleza, Cidreira, até o Rio Tramandaí. Embora já tenha percorrido este trecho há mais de dois anos em cada oportunidade novas experiências, imagens únicas, transformam sempre o percurso em um trajeto singular. As águas do canal que une a Lagoa da Fortaleza à Laguna Manoel Nunes, onde existe uma represa da CORSAN, tinham baixado mais de um metro e setenta centímetros desde minha última travessia, no inverno. Diferente de minhas invernais navegações, eu navegava agora sem poder avistar os campos ao redor, as margens laterais limitavam minha observação ao estreito canal. As pequenas ilhas de juncos e os estreitos braços de outrora foram, na seca, incorporados às margens. A foz, na Laguna Manoel Nunes antes ampla e rasa, fora transformada em um canal de pouco mais de quatro metros e as águas rasas de antes deram lugar a um enorme banco de límpidas areias brancas, a cerca de arame que eu passava por cima com o caiaque estava plantada em terreno firme e seco.

Navegação mágica

Logo no primeiro canal fui seguido, até a foz, por um João Grande (euxenura maguari) que sobrevoava em círculos e por três vezes passou a uns dez metros do caiaque. Considerada como cegonha brasileira a ave possui plumagem branca, com a ponta das asas e cauda pretas, o grande bico é amarelo e as pernas vermelhas. A entrada do canal que une a Laguna Manoel Nunes à Lagoa do Gentil teve sua entrada alterada para Este, exigindo muita atenção para ser identificado seu acesso, quase totalmente bloqueado pelos juncos. Logo depois de ultrapassar a sua entrada avistei um bando de belos cavalos crioulos e diversos potrilhos, parei de remar, estabilizei o caiaque e fotografei-os. Os animais me acompanharam, curiosos, durante algum tempo, pela margem esquerda. Mais adiante enquanto eu observava vestígios de capivaras numa pequena praia avistei uma grande fêmea com a cabeça totalmente fora d’água e o dorso parcialmente exposto, antes que pudesse fotografá-la mergulhou furtivamente e não apareceu mais. Mais a frente um jovem João Grande perseguia outro. As manobras radicais eram interrompidas aqui e ali com bicadas e patadas, em pleno ar, seguidas de estridentes gritos. A preservação da área se deve, sobretudo, à vigilância dos conscientes proprietários rurais e às algas que infestam as pequenas lagoas e impedem a navegação de barcos a motor.

Amigo Guaíba

Voltando para Porto Alegre, dei continuidade ao treinamento nas águas do amigo Guaíba. A cena de uma bela Garça-branca-grande (Ardea alba), na altura da Ponta Grossa, pescando um descuidado lambari que vagava pela superfície d’água foi impressionante. A ave hábil, rapidamente esticou o pescoço ao mesmo tempo que baixava as pernas, equilibrando o vôo, capturando o pequeno peixe. Pousou em um rochedo mais adiante, posicionou a presa de maneira a engolir primeiro a cabeça e digeriu seu almoço. Os ventos do quadrante Norte facilitavam minha progressão e aportei, depois de remar 20Km em 2h45, na Ilha do Chico Manoel para visitar meu amigo Chico.

Em uma dessas oportunidades, depois de presenteá-lo com meu livro “Desafiando o Rio-mar, Descendo o Solimões”, estava retornando quando vislumbrei uma formação de tempestade, não prevista pelo serviço de meteorologia, na altura de Barra do Ribeiro. Deduzi que os ventos vindos de Noroeste me fariam enfrentar a tormenta em plena travessia e resolvi aportar na ilha do Arado Velho. Arrastei o caiaque para fora d’água e o protegi dos ventos atrás de grandes blocos de pedra, em seguida, busquei abrigo próximo a um acampamento abandonado pelos pescadores. A quantidade de lixo mostrava o descuido dos mesmos com a ilha que gentilmente os abrigava. Do alto de um dos rochedos avistei, próximo à linha d’água, um enorme teiú (Tupinambis merianae), considerado o maior lagarto do continente americano e que, quando adulto, mede, normalmente, até um metro e vinte centímetros de comprimento. Aquele exemplar tinha, no mínimo um metro e meio e certamente sofria de obesidade mórbida tendo em vista as enormes bochechas e as “dobrinhas” das suas coxas. Certamente as sobras de alimentos e restos de peixes deixados pelos pescadores contribuíram para sua condição física invulgar. Estava admirando o enorme espécime quando a temperatura começou baixar e a ventar fortemente. Imediatamente, pequenas pedrinhas de gelo começaram a golpear meu corpo e procurei abrigo do granizo debaixo de uma mesa, usada pelos pescadores para limpar os peixes. Esperei a tempestade baixar para continuar minha navegação, faltavam 7km para meu destino quando os ventos passaram a soprar do quadrante Sul. Continuei despreocupado até enxergar uma névoa que célere progredia, rumo Norte, pela margem direita na altura do Parque Itaponã. Não tardou que a tempestade alcançasse a popa de meu caiaque e limitasse a visibilidade para algo em torno dos cem metros. Sem saber para onde ia resolvi me entregar por inteiro às forças da natureza e alinhei a embarcação de maneira a tirar o maior proveito possível das ondas que se formavam. Surfei, às escuras, até que a névoa dissipou e pude avistar a Raia1, meu porto seguro.

Partida para Manaus

As atividades do Colégio estão encerrando progressivamente e hoje a noite se forma mais uma turma de alunos. Felizmente, após diversas marchas e contramarchas o bom-senso triunfou e os alunos Branco e Yago vão se formar com a turma como era o desejo da totalidade de seus colegas e da grande maioria dos educadores. Parabéns Turma Bicentenário do Nascimento de Brigadeiro Sampaio!

Mudo meu foco para as atividades que precedem minha partida para a nova jornada, neste domingo, dia dezenove de dezembro, vôos G31993 e G31866 com chegada prevista para às 13h10 (hora de Manaus), onde ficarei hospedado no 2º Grupamento de Engenharia. As colaborações chegaram e, embora ainda insuficientes, permitem que iniciemos mais esta empreitada. Agradeço a todos que colaboraram de uma forma para que possamos dar continuidade ao projeto de descida pelos rios da Bacia Amazônica, e incito que continuem colaborando e incentivando a participação de novos investidores para que possamos concluir mais esta etapa, descida do Amazonas de caiaque, na sua plenitude. Remeterei o próximo artigo diretamente de Itacoatiara.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

E–mail: hiramrs@terra.com.br

Imagens da Internet – fotoformatação (PVeiga).

Um comentário:

Anônimo disse...

Boa noite:

Gostei do blog!
Encontrei-o pela LINDA GRAVURA DE UMA GARÇA PERTO DO GUAÍBA...
Também resido em POA; uma bela cidade - apesar dos problemas de cidade grande.
Saliento a matéria sobre CIDREIRA - estive lá está completando um ano; adorei o município.
É isso.

Abraço,
Rodrigo O. Rosa

http://rodrigo-arte.blogspot.com/
filosofista@live.com