domingo, 25 de setembro de 2011

LUCIANO DE SAMÓSATA E AS VIGARICES DOS CRISTÃOS

Por Janer Cristaldo

Luciano de Samósata
(gr. Λουκιανὸς Σαμοσατεύς)
nasceu c. 125 em Samósata,
na província romana da Síria,
e morreu pouco depois de 181,
talvez em Alexandria, Egito.
De certo, pouca coisa se sabe
a respeito de sua vida, mas o
apogeu de sua atividade
literária transcorreu entre
161 e 180, durante o reinado
de Marco Aurélio.(Wikipédia)

Luciano de Samósata é um refinado escritor grego do século II, viajor e cosmopolita, que foi influenciado por Celso, inimigo declarado dos cristãos. Celso, nobre romano, autor de Discurso Verídico, que foi queimado pela Igreja e do qual só temos notícia pela contestação de Orígenes em Contra Celso, em sua época já acusava os cristãos de rebeldes contra a ordem estabelecida. Se se negavam a participar na vida pública e civil, isto equivalia a estabelecer um Estado dentro do Estado, com normas e costumes próprios, mas distintos dos do Império. Se se contentassem em anunciar um deus novo, isto pouco importava aos romanos. Mais deuses, menos deuses, tanto faz como tanto fez. Ocorre que se empenhavam em denegrir os deuses do país que os acolhia.
Raras pessoas conhecem Luciano em nossos dias. Nasceu em Samósata, na Comagena, país entre a Cilícia e o vale do Eufrates, talvez em 125. Exerceu a profissão de advogado, aos 25 anos, na Antioquia. Viajou pela Ásia Menor, Grécia, Macedônia, Itália, Gália. Cansado de uma vida agitada, fixou-se em Atenas durante 20 anos. Em um prefácio de Aníbal Fernandes à edição portuguesa de O Parasita, leio:
"A sua actividade literária mais intensa é desta época em que voluntariamente se marginalizou e de quase tudo troçou, congregando à sua roda os espíritos livres da cidade. Já velho, Luciano sentiu novo apelo de viagens. Há indícios de que se arrastou entre cidades, vivendo à custa da leitura pública dos seus escritos e de quem comprava o brilhantismo de seu convívio (O Parasita lança luz sobre esta forma de vida e o que constitui, numa moral às avessas, a sua defesa). Nos últimos anos, a perda do vigor físico necessário à vida errante forçou-o a uma situação estável que o governador romano no Egito lhe ofereceu como seu assistente. Sem grandes provas, se diz que nesse cargo esteve até a morte, em 192”.
Deixou marcas em obras posteriores, de autores como Thomas Morus, em sua Utopia, Rabelais, no IV Livro, no Micromegas de Voltaire, nas obras mais célebres de Cyrano de Bergerac e inclusive em Swift, particularmente em sua Modesta proposta para evitar que os filhos dos pobres da Irlanda sejam um fardo para os pais, ou para o país, tonando-se úteis à comunidade.
O Parasita é considerado o melhor exemplo de sátira à la Swift antes de Swift. Sobre Luciano, escreveu Renan: “Na segunda metade do século II não vemos senão um homem que, superior a toda superstição, tem o direito de rir das loucuras humanas e delas sentir piedade. Este homem, o espírito mais sólido e interessante do seu tempo, é Luciano. Ele nos aparece como um sábio perdido num mundo de loucos. Não odeia coisa nenhuma: ri de tudo, exceto da virtude séria”.
Pois não é que entre meus leitores encontro um leitor de Luciano? Nem tudo está perdido. Me escreve Emerson Schmidt, a propósito de crônica recente que escrevi sobre as vigarices inerentes ao cristianismo:
Caro Janer, tudo bem?
Essa denúncia do MP me lembrou que no cristianismo certas coisas pouco mudam. Um escritor do segundo século d.c. chamado Luciano de Samósata e que gostava de denunciar impostores e embusteiros já contava em A Morte do Peregrino como vigaristas enriqueciam rapidamente entre os cristãos daquela época. A coisa começa quando Proteu - que é o peregrino - entra para a religião cristã por oportunismo. Interessante é a descrição que se faz dos cristãos:
"11. Ce fut vers cette époque qu'il se fit instruire dans l'admirable religion des Chrétiens, en s'affiliant en Palestine avec quelques-uns de leurs prêtres et de leurs scribes. Que vous dirai-je? Cet homme leur fit bientôt voir qu'ils n'étaient que des enfants; tour à tour prophète, thiasarque, chef d'assemblée, il fut tout à lui seul, interprétant leurs livres, les expliquant, en composant de son propre fonds. Aussi nombre de gens le regardèrent-ils comme un dieu, un législateur, un pontife, égal à celui qui est honoré en Palestine, où il fut mis en croix pour avoir introduit ce nouveau culte parmi les hommes."
O comportamento não parece aquele da grei do Valdomiro? A história continua e logo a seguir Proteu acaba sendo preso por vigarice. A reação dos cristãos não deixa de ser menos previsível pelo que se vê hoje:
"12. Protée ayant donc été arrêté par ce motif, fut jeté en prison. Mais cette persécution lui procura pour le reste de sa vie une grande autorité, et lui valut le bruit d'opérer des miracles et d'aimer la gloire, opinion qui flattait sa vanité. Du moment qu'il fut dans les fers, les Chrétiens, se regardant comme frappés en lui, mirent tout en oeuvre pour l'enlever; mais ne pouvant y parvenir, ils lui rendirent au moins toutes sortes d'offices avec un zèle et un empressement infatigables. Dès le matin, on voyait rangés autour de la prison une foule de vieilles femmes, de veuves et d'orphelins. Les principaux chefs de la secte passaient la nuit auprès de lui, après avoir corrompu les geôliers: ils se faisaient apporter toutes sortes de mets, lisaient leurs livres saints; et le vertueux Pérégrinus, il se nommait encore ainsi, était appelé par eux le nouveau Socrate."(*)
Essa última parte evidentemente já seria mais difícil, pois esperar que boa parte da platéia evangélica saiba quem foi Sócrates é pedir demais. Se soubessem, não seriam tão cristãos assim. De qualquer forma, se perguntados sobre Sócrates, no máximo responderão que se trata do jogador de futebol...
Finalmente vem a parte que interessa e onde se critica a crença desmesurada nas fábulas por parte dos cristãos:
"13. Ce n'est pas tout; plusieurs villes d'Asie lui envoyèrent des députés au nom des Chrétiens, pour lui servir d'appuis, d'avocats et de consolateurs. On ne saurait croire leur empressement en de pareilles occurrences: pour tout dire, en un mot, rien ne leur coûte. Aussi Pérégrinus, sous le prétexte de sa prison, vit-il arriver de bonnes sommes d'argent et se fit-il un gros revenu. Ces malheureux se figurent qu'ils sont immortels et qu'ils vivront éternellement. En conséquence, ils méprisent les supplices et se livrent volontairement à la mort. Leur premier législateur leur a encore persuadé qu'ils sont tous frères. Dès qu'ils ont une fois changé de culte, ils renoncent aux dieux des Grecs, et adorent le sophiste crucifié dont ils suivent les lois. Ils méprisent également tous les biens et les mettent en commun, sur la foi complète qu'ils ont en ses paroles. En sorte que s'il vient à se présenter parmi eux un imposteur, un fourbe adroit, il n'a pas de peine à S'ENRICHER FORT VITE, en riant sous cape de leur simplicité."
Como se vê, vigaristas nunca tiveram a menor dificuldade em "enriquecer rapidamente" entre os cristãos e muito menos de se divertir com a ingenuidade deles depois.
Até mais.
Emerson Schmidt.
(*) Os trechos citados vêm da tradução francesa de L'antiquité grecque et latine - Du moyen âge
Grato, Emerson! Procure ler Luciano, leitor. Os melhores autores não são os contemporâneos. A boa literatura muitas vezes está lá atrás, a milênios de distância de nossos dias. Não é de hoje que se denuncia as vigarices decorrentes do cristianismo.
Fonte: Janer Cristaldo-

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