segunda-feira, 13 de agosto de 2012

LIRA PAULISTANA, AS PAREDES QUE SUAVAM...

Por Luiz Antonio Domingues in “Orra Meu!
Para a atual geração, parece um conceito exótico sair de casa para ir a um teatro prestigiar um artista desconhecido que executará músicas de sua própria autoria, por 90 minutos, ou mais.
Como fruto do descaso de anos a fio pela produção cultural, infelizmente formou-se uma geração desinteressada por artistas genuínos e passiva diante das manipulações maquiavélicas dos marketeiros da música mainstream.
Por isso, é muito oportuno relembrarmos de um Teatro que manteve-se em plena atividade por quase sete anos, com as portas abertas para artistas desconhecidos, sem parentes importantes, sem dinheiro no bolso e muitos, vindos do interior, como dizia o velho Belchior.
Era o Teatro Lira Paulistana, localizado no coração do bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
Fundado em outubro de 1979, tornou-se rapidamente um espaço importantíssimo para a produção musical de novos talentos paulistas/paulistanos e diversos artistas de outras partes do Brasil, que ali enxergavam a chance de se apresentarem em São Paulo e tentar a sorte na carreira.
Tratava-se de um porão minúsculo, que foi adaptado criativamente como um micro pocket-Teatro, com três arquibancadas praticamente em cima do pequeno palco, além de espaços úteis otimizados para bomboniére e venda de discos e merchandising.
Apesar das dimensões minúsculas, tudo foi ajeitado de uma forma harmônica, com bilheteria colocada ao final da escada de acesso, o camarim atrás da arquibancada da lateral esquerda e a entrada em cena por aquele lado.
Com P.A.(sistema de som) e iluminação compatíveis e muito dignos, os artistas tinham ao seu dispor, uma excelente infraestrutura adequada às dimensões, logicamente.
Wilson Souto Jr., Riba de Castro, Fernando Alexandre e Chico Pardal cuidavam do simpático espaço e desde o início , suas portas abriram-se democraticamente a uma leva de novos artistas que acabou formando um movimento, uma cena que ficou conhecida na imprensa especializada como "Vanguarda Paulista".
O Teatro Lira Paulistana teve papel preponderante como agente aglutinador, sem dúvida, mas houve também a explosão natural de artistas talentosos como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Premeditando o Breque, Grupo Rumo, Língua de Trapo, Grupo Um etc.
Mais tarde, de 1982 em diante, o Rock brasileiro oitentista achou no Lira Paulistana, também um espaço maravilhoso para expandir-se.
Ira, Titãs, Ultraje a Rigor, Capital Inicial, Legião Urbana, Os Inocentes, Cólera e Laura Finocchiaro entre inúmeros outros da cena do Punk e Pós-Punk, começaram ali a sua trajetória de sucesso.
Um pouco adiante, o pessoal do Hard-Rock e do Heavy-Metal também descobriu no Lira Paulistana, o seu palco ideal e permanente. A Chave do Sol, Harppia, Dorsal Atlântica, Platina e outras tantas, se apresentaram ali com grande sucesso de público.
Era muito comum as filas dobrarem a esquina da Rua Teodoro Sampaio com a Avenida Henrique Schaumann, tendo a bilheteria esgotada, tamanho o sucesso dos artistas emergentes que ali se apresentavam.
Memorável portanto esse momento cultural da cidade, onde havia um público muito interessado em acompanhar artistas que, salvo as honrosas exceções, não eram exatamente famosos no mainstream (pelo menos nessa etapa da carreira, considerando que alguns catapultaram-se a seguir).
Artistas se apresentam em palco montado na
praça Benedito Calixto, em frente ao Lira
Paulistana, em janeiro de 1982
Eu, Luiz Domingues, tenho também uma relação afetiva com essa memória.
No palco do Lira Paulistana, toquei muitas vezes com duas bandas onde fui membro: Língua de Trapo e A Chave do Sol.
Com o Língua de Trapo, apresentei-me 38 vezes, entre 1983 e 1984, durante a turnê, "Sem Indiretas".
Foram alguns shows avulsos e duas temporadas de quarta a domingo, com sessão dupla aos domingos.
Como era a minha segunda passagem pela banda (anteriormente fui membro da fundação da banda, em 1979 até 1981), logo que fui fazer o meu primeiro show ali, os membros mais antigos que já conheciam o Teatro, me advertiram : "Você vai ver as paredes suarem"...
E de fato, quando o teatro lotava, as paredes pingavam com o vapor produzido pela respiração coletiva.
E com A Chave do Sol, apresentei-me por 12 vezes, entre 1984 e 1985.
Em meio a essas apresentações da Chave do Sol, trago na lembrança os shows de lançamento de dois discos, respectivamente em 1984 e 1985.
Com direito a intervenções teatralizadas de atores convidados e texto hermético do poeta Julio Revoredo, em ambas as ocasiões, fizemos apresentações performáticas que surpreenderam público e críticos.
Infelizmente esse ciclo do Lira Paulistana encerrou-se quando o Sr. Jânio Quadros assumiu a prefeitura em 1986 e num de seus tresloucados atos, mandou fechar o espaço, alegando falta de segurança.
Nada que não pudesse ser equacionado com bom senso, mas a intransigência foi grande do alcaide temperamental e com ideias bem ultrapassadas de gestão pública.
Surgiram os ônibus vermelhos de dois andares, imitando Londres numa macaquice de Jeca Tatú e fechou-se o Lira Paulistana, baluarte do artista autoral e sem recursos. Em suma, a cidade de São Paulo perdeu duas vezes...
Recentemente , lançou-se um bom documentário contando a história e as estórias do velho Lira Paulistana.
Oportunidade boa para conhecer a sua trajetória importantíssima para a cultura de São Paulo e do Brasil e acima de tudo, reivindicar : Precisamos de um novo (ou mais de um!) Lira Paulistana e dessa forma, abrir-se espaço para os artistas autorais sem recursos conseguirem divulgar o seu trabalho e principalmente refazer o hábito do paulistano sair de casa não para as baladas, onde a música é mero pano de fundo para embalar as bebedeiras, mas protagonista, como nos velhos tempos.
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Texto de Luiz Antonio Domingues (músico das bandas PEDRA,Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, Kim Kelh e os Kurandeiros).  

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