terça-feira, 14 de agosto de 2012

MAIS VALE PREVENIR QUE REMEDIAR? QUEM DISSE?

Autor: Marco Antonio Rocha

Há muitos e muitos anos, fui incumbido de entrevistar um ministro da Fazenda para a publicação em que trabalhava. Levei muitas perguntas, algumas cabeludas, como se dizia na época –e como mandava o manual de jornalismo-, mas acompanhadas de uma preocupação.
No majestoso gabinete em estilo mussoliniano que caracterizava o velho prédio da Fazenda, no Rio de Janeiro ainda, entrei com as perguntas e a preocupação: a dívida externa brasileira, embora pequena naquela época, crescera, em três ou quatro anos, com passos maiores do que os do superávit em transações correntes do balanço de pagamentos.
O ministro disse “sei”, e ficou me olhando. Voltei à carga: “… e então?”. Ele sorriu e repetiu: “Sei” – “o que você está dizendo é que em alguns anos a dívida não será coberta pelo superávit e não vamos poder pagá-la”. E eu: “Pois é”. A resposta, que lembro até hoje: “Não vamos tentar atravessar a ponte antes de chegar a ela. Quando esse problema aparecer, a gente resolve”.
Apenas sete anos depois estourou a crise da dívida externa, chegamos à ponte, e não tínhamos com que atravessá-la.
Conto isso porque vejo muitos colegas da área de economia apontando para potenciais crises no caminho, e já sei que isso é inútil, porque quem está no governo nunca fica pensando em desarmar crises potenciais. Ocupam-se com as do momento presente – as do futuro não serão da sua alçada. E é assim que o barco navega, aqui, nos Estados Unidos, na Europa ou na Rússia. Nos Estados Unidos, o problema dos déficits crônicos rolam ameaçadores há décadas.
Talvez a China seja um caso fora da curva. É evidente que o governo chinês tem um plano estratégico em andamento e vem cuidando com a maior dedicação da tarefa de pensar o futuro seriamente. Ao menos é o que nos indica a evolução chinesa nos últimos 20 ou 30 anos. O país não anda para trás, nem fica parado nem se mete em impasses. Está sempre melhorando, econômica e culturalmente. Uma explicação de algibeira talvez seja que isso é próprio mesmo do tipo de regime, o regime de partido único, uma única máquina governando o governo, de modo incontrastável. Um regime desses não sofre oposição e não dá a menor chance a adversários. Por outro lado, não poderá culpar ninguém pelas crises e problemas que surgirem. Não há outra força política para ser acusada de incompetência e negligência. Assim, é forçoso que parte do tempo e inteligência dos atuais quadros dirigentes seja dedicada à procura do desarme, desde já, de crises que se vão formando.
Essa opinião não é resultado de pesquisa ou investigação política profunda. É só um jornalista falando o que lhe vem à cabeça, fazendo uso apenas do “achismo”, que é o recurso metodológico próprio da profissão. Portanto, ninguém está autorizado a pensar que defendemos uma teoria de como devam ser conduzidos os países, ou recomendando um regime de tipo chinês para o Brasil – o que, aliás, nem teria sentido, uma vez que é preciso ser chinês para ter um regime de tipo chinês. E já se viu que na Rússia o mesmo regime fracassou.

De qualquer forma, isso nos leva a criticar e lamentar a visão imediatista que os regimes democráticos plenos impõem aos seus dirigentes políticos, mesmo aqueles imbuídos das melhores intenções. Ter de ganhar eleições praticamente a cada ano exige ações imediatas contra os desafios do dia a dia. Todo projeto ou plano que demora para dar resultados vai ficando de lado. A educação, por exemplo. Precisa explicar por que virou aberração neste país? Construir prédios escolares é rápido e dá na vista. Mas criar um sistema de ensino de alta qualidade e que se autorreproduza demanda anos a fio, muito dinheiro e empenho, sem que o resultado possa ser proclamado como obra do governante de plantão. Todas as grandes potências do planeta têm alicerces ancorados num poderoso sistema de ensino. O Japão é um case de manual nesse aspecto. As melhores cabeças do Brasil sempre souberam disso e sempre advertiram os governos brasileiros por décadas. Mas, nesta área, os governos gostam é de construir prédios para criar vagas.
E para mostrar que o imediatismo não é mais uma das coisas só nossas, basta lembrar que muita gente sensata adverte há anos os governos para os riscos de um mercado financeiro internacional desregulado e descontrolado. Parece que algo, muito mais sério do que duas crises financeiras, vai ter de acontecer para comprovar o risco.
O governo brasileiro vive no momento um dilema de escolha. A política de animar o consumo e menosprezar a oferta vai dar chabu, dizem muitos economistas, inclusive o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas quem dá ouvidos a isso no governo? – se tudo vai pelo melhor, no melhor dos mundos possíveis? Se o povo melhorou de vida e gasta adoidado? As exportações estão diminuindo e as importações estão crescendo? Fábricas estão fechando ou tornando-se importadoras apenas? O superávit em conta corrente está diminuindo? A arrecadação fiscal está caindo com a paralisia das atividades? É o chabu prenunciado. E então?
“Sei” – diria o ministro de hoje -, “mas não vamos atravessar a ponte antes de chegar a ela. Quando houver problema, a gente resolve.”
Marco Antonio Rocha é bacharel em direito, jornalista especializado em economia e finanças e coordenador do corpo de editorialistas do jornal “O Estado de S. Paulo”. Ele foi repórter do jornal “Última Hora”, em São Paulo, redator da Editora Abril, repórter e redator das revistas “Quatro Rodas” e “Realidade”, editor de economia e finanças da revista “Visão” e colunista do “Jornal da Tarde” e da “Gazeta Mercantil”.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 14/08/2012 -acrescentamos imagens da Internet via Google.

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