Albari Rosa/Gazeta do Povo
Agricultoras e clientes do Bolsa Família, mãe e filha viraram marajás involuntárias
Descobriu-se no Paraná um caso análogo ao escândalo dos atos secretos do Senado.
Entre 2006 e 2009, mais da metade (56,7%) dos atos oficiais da Assembléia Legislativa paranaense foi editada por baixo da mesa.
Em vez de atos secretos, o legislativo paranaense serviu-se de diários extraoficiais. Publicações avulsas, sem numeração.
Estampam datas. Mas não seguem uma ordem cronológica. Há casos em que a data do diário extraoficial coincide com a do oficial.
Dois diários num mesmo dia. O oficial publicado normalmente. O extraoficial, por clandestino, mantido longe de curiosos e dos órgãos de fiscalização.
O grosso dos diários paralelos é recheado com atos de movimentação de pessoal –contratações e demissões.
Nos últimos quatro anos, um em cada três atos relacionados à movimentação de pessoal na Assembléia foi publicado nos diários clandestinos.
O caso foi descoberto pelo ‘Gazeta do Povo’, que veicula uma série de reportagens. O jornal obteve cópias dos diários extraoficiais por meio de fonte cuja identidade decidiu preservar.
Um episódio ajuda a explicar as origens da criatividade administrativa dos deputados estaduais paranaenses.
Brindadas com empregos na Assembléia, Jermina Maria Leal da Silva e a filha dela, Vanilda Leal, foram aquinhoadas com supersalários.
À filha atribuiu-se um contracheque de cerca R$ 20 mil mensais. A mãe foi à folha salarial com vencimentos de R$ 18 mil.
Juntas, elas tiveram os nomes associados a pagamentos que aliviaram as arcas do Estado em R$ 1,6 milhão em cinco anos. Porém...
Porém, nenhuma delas jamais viu a cor do dinheiro. Brasileiras de primeiras letras, vivem na zona rural, em casebres modestos. São clientes do Bolsa Família.
Vanilda, a filha, diz que nem sabe onde fica a Assembléia. Jermina, a mãe, reagiu com indignação ao saber do valor dos salários que nunca recebeu:
“Isso é uma vergonha. Nunca tive esse dinheiro. Deus está vendo isso”.
Procurada, a direção da Assembléia informou, por meio da assessoria, que desconhece a existência de diários editados à sombra.
Informou-se que a agricultura Vanilda “trabalha” no gabinete do deputado estadual Jocelito Canto (PTB). “É um absurdo isso. Não conheço”, negou o parlamentar.
Quanto a Jermina, declarou-se que ela trabalhara na equipe de um ex-deputado. Chama-se Geraldo Cartário.
Acusado de abuso do poder econômico nas eleições passadas, Cartário teve o mandato cassado em 2009. Jermina teria sido, então, exonerada.
Ouvido, Cartário atribuiu a contratação e a exoneração de funcionários ao ex-chefe de gabinete, João Batista Lopes.
O deputado cassado disse que Jermina, de fato, trabalho para ele. Fazia o quê? Não soube dizer:
“Na época, eu era 1.º secretário. Então, não lembro se ela trabalhou no gabinete da secretaria ou no meu gabinete. Mas acho que é ela mesmo”.
Chama-se Walter Kraft o chefe do setor de arquivo da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi submetido à seguinte pergunta: Por que nem todos os diários vão para o arquivo da Casa?
Respondeu: “É uma incógnita. Publicam um que fica para eles. Se um dia acontecer alguma coisa, dizem: ‘Eu tenho aqui, não sei por que os outros não têm’...”
“...Mas se, de repente, eles são obrigados a publicar uma coisa, mas não querem que os outros tenham acesso, então eles fazem ali dez [exemplares]...”
“...Dez fica para alguns, em mãos seguras. Os outros não têm acesso. Eu acho que a ditadura foi mais transparente do que é hoje”.
É, faz sentido!
Blog do Josias de Souza
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