Apanho algum noticiário e já sinto
um formigamento de inferno:
futilidades, bandalheira, morte.
(Nelson Hoffmann)
Não é de hoje, a televisão brasileira, no afã de elevar os índices de audiência de suas emissoras, acabaram por reduzir ao nível do esgoto e da excrescência o padrão de seus programas. Big Brother Brasil, Casa dos Artistas, No limite e Fazenda, para ficar nos exemplos mais recentes, alavancam a corrida pelo Ibope, suscitando o frenesi de boa parte dos telespectadores, desencadeando um frisson jamais visto nos lares do País. O Brasil carece de debate sobre os parâmetros éticos que deveriam nortear as instituições, sejam elas públicas ou privadas. A televisão, quando abre as linhas de seu 0800 para ouvir o povo, nada de essencial ou profundo se discute. Quando muito, são quinquilharias da masturbação sócio-filosófica, nada a ver com os destinos da economia, da política, mas com a preferência do eleitorado midiático sobre quem deveria ou não ficar até o fim nesses programas de confinamento. E a disputa vira motivo de atenção nacional, exibindo cada vez mais cenas picantes de relacionamento entre pessoas de diferentes níveis culturais e sociais, encerradas numa casa improvisada nos estúdios das emissoras.
Desde a retomada da democracia e da conquista da liberdade de imprensa em nosso País, nunca fomos tão bombardeados pelo nonsense e pela banalização (tanto da vida quanto da morte). E tanto esses programas (que institucionalizaram a baixaria) como o noticiário em geral, tem levado ao paroxismo uma espécie de excrescência cultural, que aproveita o pior do ser humano, para se alcançar os objetivos mercadológicos. A liberdade de expressão tão reclamada nos tempos da ditadura foi abusivamente substituída pela liberdade de exposição, levando ao extremo a apelação e o esgoto que cada um traz dentro de si. A telinha vem perdendo a oportunidade de discutir a realidade nacional. Em lugar de promover o debate político em tempos de uma sucessão que se avizinha e aprofundar a promoção dos valores multiculturais de um país, opta por exibir músculos, nádegas, transas e achaques dos participantes, ou rastrear a criminalidade. Mais que isso: popularizou a semântica idiota e patética de um humor de quinta categoria, que ao invés de criticar, refletir e questionar, vicia e imbeciliza. Nos big brothers da vida, ingênuos e alienados, vencem mais pelos bíceps do que pelos neurônios, cativam pelas trapalhadas e pela baixa auto-estima (o que, na verdade, reproduz a média do comportamento do povo brasileiro), sendo assim catapultados à condição de heróis de uma sociedade desarticulada e sem autocrítica e que se identifica com o papel de pobre-coitado e sem referência.
Não faz muito tempo, li de uma professora da UFRJ, Ivana Bentes, uma pérola de insensatez intelectualóide. Ao discutir esse tipo de programa na tv brasileira, elevou o telespectador à condição de revolucionário. Para ela, seriam esses os verdadeiros revolucionários da era cibernética, pois poderiam deflagrar uma espécie de “guerrilha de sofá“. A leitura que se pode fazer dessa vigarice filosófica e pouco científica é que realmente a televisão brasileira contaminou até mesmo os acadêmicos que, seduzidos pela força centrífuga de seus programas, foram cooptados de tal modo, que consideram cultura, comunicação e entretenimento os excrementos despejados por programas como os do Ratinho, Xuxa, Adriane Galisteu, Luciana Gimenez e assemelhados e os recém-badalados reality shows que, na maioria das vezes, transformam em circo e lavanderia pública os dramas humanos e tratam os fatos com superficialidade e incapacidade reflexiva.
Em ano de eleições como esse 2010 que começou com tragédias pluviais e miséria moral (como os escândalos que transformam Brasília em cloaca da política nacional), e avança com a bandidagem impune e a violência nos campos das torcidas organizadas, é preocupante a performance intelectual e cultural que o povo brasileiro demonstra, ao recepcionar e valorizar os programas citados. A partir desse paradigma, como confiar que os eleitores (homo sapiens travestidos de homo videns, verdadeiros macacos de auditório) poderão escolher com espírito crítico os próximos governadores, senadores, deputados e presidente? Abasbacada diante dos dejetos que a televisão lhe empurra goela abaixo, a sociedade não sabe discernir um pit bull de uma uva. O mesmo povo que, em uníssono, foi às ruas e defenestrou Collor num movimento inédito em nossa História, é o mesmo que o conduziu ao Senado nas últimas eleições; é o mesmo que elegeu José Roberto Arruda-Paulo Octávio, herdeiros de Roriz, para o governo do Distrito Federal, e que agora mostram, com fartura de cinismo e falta de ética, juntamente com seus colaboradores diretos e diletos (Júnior Brunelli, Eurides Brito, Leonardo Prudente, José Geraldo Maciel, alcovitados pelo ex-delegado Durval Barbosa), e em conivência com evangélicos inescrupulosos, o lado mais perverso, sujo, vergonhoso e humilhante da política brasileira. E episódio que envergonha Brasília e expõe as vísceras purulentas do País ao transformar o legislativo da capital da República numa Câmara Detrital. Num país de tanto surrealismo político, não seria difícil que um Sérgio Naya ressuscitasse e galvanizasse eleitores de Laranjal a Tegucigalpa, e que Luiz Estêvão, voltasse nos braços do povo, porque depois do Fiat Elba dado ao ex-caçador de marajás e inquilino da Casa da Dinda, a sofisticação da corrupção da era do propinoduto do Mensalão, da falta de ética e decoro no Congresso, a generalização do cinismo em todos os escaninhos do poder, os tempos que remontam ao impeachment dos caras pintadas são coisa para juizado de pequenas causas.
O cinismo das elites aliado ao despreparo e fragilidade da sociedade, contribuem para perenizar esse “status quo” e manter, também em razão do vazio moral e ético em que vivemos, a população em seu intangível estágio de estultice diplomada. É um perigo! Porque, a exemplo do que acontece na televisão brasileira, os eleitores poderão deixar de usar os neurônios e se utilizar dos esfíncteres na hora de digitar seu voto. Aí, a geléia geral vai virar um esgoto a céu aberto, pois as cabeças se transformaram em aterro sanitário da mídia. Os tiros que atingiram recentemente o teatrólogo Bortolotto acertaram a pessoa errada. Os culpados por essa canalhice nacional continuam ilesos, im(p)unes e muito vivos. O que assistimos é uma patética overdose de mediocridade, que tem no BBB-10 o seu apogeu, pois o programa que galvaniza a atenção dos brasileiros, nada mais é que ressonância da baixaria do cenário político levada ao paroxismo na vida privada.
(*) Ronaldo Cagiano, escritor mineiro de Cataguases , reside em São Paulo.
Matéria compilada do: contraovento.
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