domingo, 12 de setembro de 2010

O SEQUESTRO DA HEVEA BRAZILIENSIS

(*)-Hiram Reis e Silva, Cidreira, RS

Perdido na mata exuberante e farta, com o intento exclusivo de explorar a hevea apetecida, o seringueiro compreende, de pronto, que a sua atividade se debaterá inútil na inextricável trama das folhagens, se não vingar norteá-la em roteiros seguros, normalizando-lhe o esforço e ritmando-lhe o trabalho tão aparentemente desordenado e rude.
(Euclides da Cunha – “Entre os Seringais” – Revista Kosmos, 1906)

Hevea brasiliensis (Seringueira)

Planta tropical de ciclo perene cultivada com a finalidade de produção de borracha natural. A seringueira é encontrada nas margens dos rios e terrenos sujeitos a inundação da terra firme podendo atingir, em condições ideais, trinta metros de altura. A produção de sementes inicia aos quatro anos, e pouco antes dos sete anos a produção de látex. O diâmetro do tronco varia entre trinta e sessenta centímetros e a sua casca é responsável pela produção da seringa. Submetida a um manejo adequado poderá produzir, economicamente, por um período de vinte a trinta anos. A Hevea, nativa, tem como área de ocorrência toda a Amazônia brasileira, Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Suriname e Guiana, sendo que a brasileira, dentre todas as espécies, a que apresenta maior produtividade. Dentre as diversas doenças e pragas que atacam a espécie, o “mal-das-folhas”, Causado pelo fungo “Microcylus ulei”, é o mais conhecido e temido, e um dos principais fatores que restringem a expansão da heiveicultura no Brasil.

A Árvore da Borracha - Seringueira

A borracha já era conhecida pelos indígenas antes do descobrimento da América. O Padre d’Anghieria, em 1525, observou índios mexicanos fazendo uso de bolas elásticas em seus jogos. O missionário Carmelita Frei Manuel da Esperança, em 1720, verificou que os índios Cambebas faziam uso da borracha para fabricar garrafas e bolas em forma de seringa. O Frei Manuel resolveu, então, dar à substância o mesmo nome do objeto fabricado com ela – seringa. O nome foi consagrado e, desde então, chamam-se de seringueiros aqueles que extraem o sumo leitoso da “Hevea” e a de seringais às plantações de onde ele é extraído.

Viagem na América Meridional – Descendo o Rio das Amazonas

Fonte: Charles Marie de La Condamine

La Condamine tinha vindo à América com a missão de medir um grau do meridiano e ao retornar à França levou uma amostra da goma elástica obtida na Amazônia Peruana, em 1.736, para ser examinada. Na sua apresentação aos cientistas da Academia de Ciências de Paris, em 1745, informou que os índios Omáguas davam o nome de “cahuchu” à resina retirada da “hevea”. Na oportunidade os membros da Academia não lhe deram a devida atenção, pois os produtos manufaturados com a substância tornavam-se pegajosos no calor e esfarelavam-se quando resfriados. Graças a Condamine a seiva da “hevea” ficou conhecida, na França, como “caoutchouc”.

A resina chamada “caucho” nos países da província de Quito vizinhos do mar é também comuníssima nas margens do Maranhão, e tem a mesma utilidade. Quando ela está fresca, dá-se-lhe com moldes a forma que se quer; ela é impenetrável à chuva, mas o que a torna digna de nota é a sua grande elasticidade. Fazem-se com elas garrafas que não são friáveis, e botas, e bolas ocas, que se achatam quando se apertam, mas que retornam a sua primitiva forma desde que livres. Os portugueses do Pará aprenderam com os Omáguas a fazer com essa substância umas bombas ou seringas que não necessitam de pistão: têm a forma de peras ocas, com um pequeno buraco em uma das extremidades a que se adapta uma cânula. Enchem-se d’água, e, apertando-se quando estão cheias, fazem o efeito de uma seringa ordinária. (CONDAMINE)

O látex produzido pelo caucho (Castilloa ulei), citado por Condamine, é de qualidade bastante inferior ao do produzido pela “hevea” sendo, ainda, sua extração extremamente predatória. O caucheiro após identificar a árvore, limpa um local próximo a ela e escava um buraco no chão para coletar o leite. Derruba a árvore e, em seguida, faz cortes profundos para extrair o leite que escorre para dentro do buraco. Quando o produto solidifica ele o retira e dá algumas pancadas para limpar a areia e o barro aderido.

Abertura das “Estradas”

Fonte: Euclides da Cunha - Entre os Seringais - Revista Kosmos

(...) o mateiro lança-se sem bússola no dédalo (Labirinto) das galhadas, com a segurança de um instinto topográfico surpreendente e raro. Percorre em todos os sentidos o trecho de selva a explorar; nota-lhe os acidentes; apreende-lhe a fisiografia complexa, que vai dos igapós alagados aos firmes sobranceiros às enchentes; traça-lhe os varadores futuros; avalia-lhe, rigorosamente, as “estradas”; e vai no mesmo lance, sem que lhe seja mister traduzir complicadas cadernetas, escolhendo à beira dos igarapés todos os pontos em que deverão erigir-se as pequenas barracas dos trabalhadores.

Feito este exame geral, apela para dois auxiliares indispensáveis - o toqueiro e o piqueiro (trabalhador que auxilia na abertura de estradas abrindo a picada); e erguendo num daqueles pontos predeterminados, com as longas palmas da jarina, um papiri (tapiri), onde se abriguem transitoriamente, metem mãos à empreitada. O processo é invariável. Segue o mateiro e assinala o primeiro pé de seringa, que se lhe antolha ao sair do papiri. É a boca da estrada. Aí se lhe reúnem o toqueiro e o piqueiro - prosseguindo depois, isolado, o mateiro, até encontrar a segunda árvore, de ordinário pouco distante, a uns cinquenta metros. Avisa então com um grito particular, ao toqueiro, que parte a alcançá-lo junto da nova madeira, enquanto o piqueiro, acompanhando-o mais de passo, vai tirando a facão a picada, que prefigura a “estrada”. O toqueiro auxilia-o por algum tempo, abrindo por sua vez um pique para o seu lado, enquanto um outro grito do mateiro não o chame a reconhecer a terceira árvore; e assim em seguida até ao ponto mais distante, a volta da estrada. Daí, agindo do mesmo modo, retrogradando por outros desvios, vão de seringueira em seringueira, fechando a curva irregularíssima que termina no ponto de partida. Ultima-se o serviço que dura ordinariamente três dias, ficando a “estrada” em pique.

Extração da Borracha

Antigamente para colher a goma, cingia-se a árvore com um cipó que envolvia o tronco obliquamente a um metro e setenta do solo até o chão onde era colocado um pote de argila. Eram, então, feitos diversos cortes na casca acima do cipó que aparava a seiva e a conduzia até o pote. Este processo de sangria exagerada, conhecida como “arrocho”, acabava por matar a árvore e foi abandonado há muito tempo. Com o passar dos anos o método tornou-se mais racional visando preservar a integridade da “árvore da vida”.

O seringueiro parte, de seu tapiri, a cada dois ou três dias, de madrugada, carregando todos os seus apetrechos pela “estrada”. Este intervalo, antigamente desrespeitado, permite à árvore se recuperar da última sangria. Ele para, em cada uma das seringueiras, e parte para a extração da seringa que é feita através de pequenas incisões de 25 a 30 centímetros descendentes e paralelas na casca da planta, que começam a uma altura de aproximadamente dois metros acima do solo. Une depois, cada uma das extremidades inferiores dos cortes através de um talho vertical de maneira que o leite escorra dentro do traço para o fundo da cuia. A cuia é embutida na casca cortada para este fim e, eventualmente, pode ser usada uma argila para fixá-la no tronco. Os cortes são feitos, normalmente até as onze horas, em todas as árvores da “estrada”, exceto nos meses de agosto e setembro época da floração. Pelo meio-dia ele começa a recolher as cumbucas despejando o látex coagulado nas cuias em um balde ou então em um saco “encauchado” (impermeabilizado com látex).

A tarde, por volta das catorze horas, volta para o rancho, almoça e inicia a defumação do material recolhido que leva umas duas horas para ficar pronto. O fogo é feito debaixo da terra para que a fumaça saia por um furo ao nível do chão. A melhor fumaça é a de coco de babaçu, mas, no Rio Purus usava-se para esta operação os frutos da palmeira urucuri; no Rio Autaz os da palmeira iuauaçu e no Rio Jaú e onde estas palmeiras são mais raras utilizavam-se madeiras como a carapanaúba e a paracuúba. A bola de borracha (“pela”) é rodada em volta de uma vara de aproximadamente um metro e meio de comprimento chamada “cavador”. Para iniciar a bola enrola-se na vara um “tarugo” de goma coagulada no qual o leite gruda facilmente. O homem vai despejando o leite com uma cuia ou uma grande colher de pau, ao mesmo tempo em que gira o “cavador”, a parte líquida se evapora imediatamente, e forma-se uma fina camada de goma elástica, e a bola vai engrossando, cada dia um pouco mais. Uma “pela” pronta, depois de vários dias, pesa em média de 50 quilos, é, então, exposta ao sol, quando toma a coloração escura e assim permanece até ser comercializada.

Primeiros Empregos da Borracha

A borracha foi empregada inicialmente em usos elementares como apagar traços de lápis no papel. Foi Magellan quem propôs este uso e Priestley, na Inglaterra, difundiu-o e a borracha recebeu, em inglês, o nome de “India Rubber”, que significa “Raspador da Índia”. Os portugueses a utilizaram para a fabricação de botijas para transporte de vinhos. Em 1785, o físico francês Jacques Alexandre César Charles, pioneiro do uso do gás hidrogênio para encher balões aerostáticos, recobriu seu aeróstato com uma camada de borracha dissolvida em essência de terebentina e a partir de 1790 começou a aplicá-la sobre tecidos e empregá-la na fabricação de molas.

Em 1815, Hancock, tornou-se um dos maiores fabricantes do Reino Unido, inventando um colchão de borracha e, associou-se à Mac Intosh, para fabricar as capas impermeáveis. Nadier, um industrial inglês, em 1820, fabricou fios de borracha e começou a usá-los em acessórios de vestuário. A América foi assolada, então, pela “febre” da borracha e logo, em seguida, apareceram os tecidos impermeáveis e botas de neve na Nova Inglaterra. A fábrica de Rosburg foi criada, em 1832, mas, como os artefatos de borracha natural sofriam sob a influência do frio e do calor os consumidores logo se desinteressaram dos seus produtos.

Charles Goodyear, em 1836, havia conseguido um contrato, com o Departamento de Correios dos EUA, para fornecer sacos postais de borracha. O problema é que os sacos de borracha eram muito ruins. Goodyear não querendo perder o importante contrato comercial realizou diversas pesquisas para produzir uma borracha de melhor qualidade, misturando dezenas de substâncias à borracha. Três anos depois, surgia a borracha “vulcanizada”, em homenagem a Vulcano, deus romano do fogo.

Em 1842, Hancock de posse da borracha vulcanizada por Goodyear, descobriu o segredo da vulcanização, fazendo fortuna. Em 1845 R.W. Thomson inventou o pneumático, a câmara de ar e a banda de rodagem ferrada. Em 1850 já se fabricavam brinquedos de borracha e bolas (para golfe e tênis). Em 1869, Michaux, inventou o velocípede que provocou o desenvolvimento da borracha maciça, depois da borracha oca e, em consequencia, à reinvenção do pneu, que havia caído no esquecimento. Michelin, em 1895, adaptou o pneu ao automóvel e desde então a borracha ocupou um lugar preponderante no mercado internacional.

O Ciclo da Borracha

O Brasil inicia, a partir de 1827, a exportação da borracha natural. Charles Goodyear inventa o processo de vulcanização na década de 1840, possibilitando a produção industrial de pneus. No final do século XIX a recém criada indústria de automóvel estava em franca expansão e, com isso, a demanda pela borracha aumentou consideravelmente. O Brasil exportava, então, toneladas de borracha, principalmente para as fábricas de automóveis norte-americanas. A necessidade de atender a demanda crescente do produto gerou uma expansão demográfica importante na região oriunda, principalmente, do nordeste do país. Em 1830, a população da cidade de Manaus que era de três mil habitantes passou, em 1880, para cinquenta mil. O aumento da população e da renda per capita estimulou o comércio e contribuiu para a construção civil e de obras de infra-estrutura, era o período áureo da Borracha.

Victor Wolfgang Von Hagen Reportando Richard Spruce

Richard Spruce havia partido de Santarém, a 8 de outubro de 1850, para percorrer os afluentes do Amazonas e depois de quatro anos embrenhado nas selvas do Peru e da Venezuela, coletando exemplares da flora e da fauna, aportou em Manaus. Von Hagen faz uma interessante descrição do retorno do naturalista e de suas impressões a respeito do “boom da borracha”. Adoentado, Spruce, resolvera regressar a Manaus para passar uma temporada de repouso com os amigos mas, antes mesmo de aportar, no seu destino ele verificou que algo de anormal estava acontecendo, o tráfego era mais intenso e apressado.

E o tráfego não esmoreceu quando eles se foram aproximando da pequena cidade. Canoas coalhavam o rio; caprichosos batelões com gigantescas toldas de popa, botes com imensas pilhas de mercadorias passavam velozes. Nisso, Spruce viu a cidade e quase não acreditou no que via! Não um, mas três barcos a vapor estavam atracados num cais muito bem feito. O fumo que deitavam era como nuvem negra que se erguia no ar imoto. Barcos a vapor no Amazonas!... Que portento!... Ao desembarcar, ficou abismado vendo as ruas cheias de gente: brancos, morenos, pretos, estrangeiros arrastando mercadorias a toda pressa, como se fossem formigas carregadeiras. Sobre o molhe, pilhas enormes de pedaços de borracha negra e manchada de fumo, esperavam a hora de ser transportada para os vapores ofegantes. A cidade toda havia mudado. Estava o dobro do que era; novos prédios haviam surgidos e no armazém do Sr. Antônio (Henrique Antony) a confusão era enorme. Comprava-se tudo – fósforo, espingardas, os mais variados artigos, aos berros e empurrões, agitando na mão o dinheiro para ter primazia nas compras. Teria alguém descoberto para ter primazia nas compras. Teria alguém descoberto o fabuloso Eldorado? O Sr. Antônio viu, do escritório anexo, a chegada de seu velho amigo e veio de lá com os braços abertos para receber Spruce.

- Meu Deus! – disse o botânico, alvoroçado – que foi que aconteceu, Antônio?

- O senhor não sabe? – respondeu o italiano. Não sabe, Sr. Ricardo? Nós descobrimos as riquezas fabulosas. Quem manda agora é a borracha! Estamos na época da borracha!

Richard Spruce tinha estado muito tempo isolado na selva para entender a coisa. Borracha? Sim, borracha! Mas, e aquela azáfama? Um caucheiro barbudo, suando muito e bebendo ainda mais, perguntou a Spruce, com espanto, por onde havia andado. A borracha, que poucos anos antes custava 3 centes o quilo, agora estava 1 dólar e 50, e cada vez subia mais. Cada dia que um explorador de borracha deixava passar, era dinheiro que perdia. A procura de objetos de borracha crescia constantemente com a expressão da indústria. Até mesmo no “Palácio de Cristal”, onde os ingleses realizavam a primeira exposição universal, os produtores de borracha atraíram verdadeiras multidões. A guerra também lhe deu o seu impulso. A luta inevitável entre os estados livres e escravos da América do Norte, estava principiando a devorar toneladas de viscoso líquido extraído da árvore chamada “Hevea braziliensis”. De tal modo a procura superava o fornecimento, que a cada semana o preço subia.

Ninguém podia resistir à coisa. Manaus, que as lendas do passado davam como a sede do Eldorado, tornara-se efetivamente Eldorado. O ouro corria como água nas suas ruas e a cidade inteira palpitava com o recrudescimento do sonho de riqueza. Os índios que antes se embriagavam com rum, agora mergulhavam seu “Weltschmerz” em champanha. Comia-se até “patê de foie gras”, geléia de “Cross & Blackwell”, biscoitos de “Huntley & Palmers”, bebiam-se vinhos importados. Podia-se sentar a uma mesa para jantar e tinha-se manteiga vinda de Cork, biscoitos de Boston, presunto do Porto e batatas de Liverpol.

Caixeiros e barbeiros, homens de certa posição e mamelucos que no passado mourejavam para ganhar um punhado de mil-réis, agora tinham visões de milionários. Embrenhavam-se na ignota região do Amazonas com uma confiança que causava espanto a Richard Spruce. Seria possível que aqueles loucos não fizessem idéia do lugar para onde iam? O caucheiro começava sua vida de um modo simples. Arranjava dinheiro, vendia a alma a um patrão para lhe pagar em borracha, comprava uma piroga e mantimentos – farinha, peixe seco, garrafas de vinho, sal, artigos caros de importação – depois adquiria mercadorias e, no fim de tudo, machetes com que cortar e fazer porejar todas as árvores de borracha que encontrasse. De muitos que se haviam metido na empresa de obter a borracha e alcançar a glória, nunca mais se teve notícia. Muitos outros voltaram, com o espanto gravado na fisionomia, cheios de rugas pelos sustos que levaram, contando que se viram perdidos, que tinham curtido as torturas e incômodos da fome, da sede, da febre e das intempéries, que tinham lutado incessantemente contra enxames de insetos que não se saciavam de mordê-los e chupar-lhes o sangue. Referiam as suas tristes aventuras ao atravessarem pauis insondáveis, cheios de enguias elétricas e florestas com arbustos e cipós que lhe retalhavam a carne.

Spruce queria ver o progresso chegar ao Amazonas, mas nunca supôs que ele lá seria introduzido dessa maneira. Velhos negociantes que noutros tempos comerciavam em insignificantes quantidades com a opulência da Amazônia, eram agora verdadeiros nababos. Ébrios com o seu triunfo e com a champanha importada, descreviam para Spruce o que seria Manaus dentro de poucos anos. E, por mais que carregassem nas tintas do quadro, tudo o que diziam ainda seria inferior à realidade: dentro de 25 anos Manaus se transformou da aldeia de 3.000 almas que era, na populosa e alucinante metrópole de seus 100.000 habitantes. Transatlânticos fariam escalas obrigatórias junto às suas docas flutuantes, teatros líricos de mármore seriam construídos, bondes elétricos atravessariam velozmente suas ruas calçadas, capital estrangeiro superior a 40 milhões de dólares seria aplicado na cidade edificada sobre o pântano do ouro negro.

Richard Spruce sentiu um arrepio ao pensar naquilo que ele inconscientemente tinha ajudado a formar. Suas mudas, seus espécimes de produtos de borracha tinham estado em exposição e haviam contribuído para fomentar aquele negócio. Agora não havia mais de deter-lhe o avanço. A extração da borracha prosseguia com um entusiasmo que nunca fora igualado por nenhum outro movimento desde a descoberta do Novo Mundo. Essa indústria haveria de tragar os silvícolas. Tribos inteiras de índios seriam dizimadas. A borracha subiria ao preço fantástico de 3 dólares o quilo! Os magnatas da borracha escravizaram o Amazonas inteiro; a cobiça e a ambição aumentariam com o clamor sempre crescente do mundo para obter borracha... Ninguém sabe quanto tempo poderia ter durado o delírio da borracha, mas o famoso “seed-snatch” de Henry Wickman pos-lhe fim. O ouro negro tornou-se lama negra e, por volta de 1900, o pântano da selva engoliu o sonho de um viçoso Eldorado. (HAGEN)

Os Rapinantes Europeus

Os laboratórios europeus descobriram outras aplicações para o uso do látex dando início ao Ciclo Industrial da goma elástica. Os empresários europeus, sobretudo os ingleses, mobilizaram seus esforços na tentativa de transplantar a seringueira para suas possessões orientais localizadas na região tropical. Vários botânicos e viajantes foram contratados para tentar contrabandear sementes e mudas de “Hevea”, mas, inicialmente, além de encontrarem dificuldades em burlar a fiscalização das autoridades alfandegárias brasileiras esbarravam na escassez de transportes fluviais.

Em 1850, Sir William Hooker, de Kew Gardens, sondara Richard Spruce (então em Santarém) no sentido de obter mudas da árvore da borracha. Spruce tentou atendê-lo, mas sem contar com o transporte adequado a missão era impossível. Entretanto, fez um estudo meticuloso de todas as árvores que produziam borracha, e essas preciosas informações foram enviadas a Hooker, em Kew Gardens, que agia como conselheiro oficial, junto ao governo, em assuntos botânicos. O Brasil, naturalmente, se opôs a que levassem para fora plantas de borracha. (HAGEN)

Apesar das observações de Hagen, Richard Spruce, um dos maiores botânicos e exploradores da Amazônia, foi, sem dúvida, o mais eficiente biopirata pretérito. Nascido na Inglaterra, em 1817, de família muito pobre, Spruce se ressentiu de dificuldades financeiras por toda a vida. Foi um naturalista profissional, ainda que de formação autodidata. Spruce desembarcou em Belém em julho de 1849, onde se encontrou com Wallace e Henry Bates. Estava a serviço de pelo menos onze herbários europeus para coletar amostras e enviá-las aos interessados. Em 1864, quando viajou de volta para a Inglaterra, levou pelo menos 30 mil plantas, além de mapas, sem considerar uma infinidade de sementes que já havia enviado por outros meios. Entre essas sementes estavam diversas espécies de seringueiras, produtoras de látex, além de plantas para uso medicinal. Após 17 anos de trabalho na Amazônia, Spruce, repercute os interesses imperialistas bretões lamentando:

Quantas vezes lamentei o fato de não ser a Inglaterra dona do magnífico vale do Amazonas, em vez da Índia. Se o papalvo (indivíduo simplório, pateta) Rei Jaime II, em vez de meter Raleigh na prisão e depois cortar-lhe a cabeça, tivesse continuado a fornecer-lhe navios, homens e dinheiro até ele formar um estabelecimento permanente num dos grandes rios da América, não tenho dúvida de que todo o continente americano estaria neste momento nas mãos da raça inglesa. (SPRUCE)

Em 1851, Thomas Hancock, dono da Macintosh & Company, a maior indústria britânica de produtos derivados da borracha, presenteou o príncipe Albert com uma barra de borracha em que estava inscrito o seguinte poema: “O ramo do comércio foi criado para associar todos os ramos da humanidade. Cada clima necessita o que outros climas produzem e, assim, oferecem algo para o uso geral de todos”. Atendendo aos interesses de Hancock, Sir William Hooker, diretor do “Royal Botanic Gardens, Kew”, prontificou-se a “oferecer toda e qualquer ajuda para quem desejar transferir a seringueira do Brasil para o território imperial”. Ainda assim, somente a partir de 1870, por pressão das autoridades inglesas radicadas na Índia, que o “India Office”, de Londres, passou a considerar com seriedade o assunto. Era uma questão estratégica piratear a borracha do Brasil e, em 1873, o “India Office” alocou pessoal e recursos financeiros para contrabandear mudas e sementes de seringueira.

Aventuras e Desventuras de um Biopirata

Fonte: José Augusto Drummond,

Boletim Museu Emílio Goeldi - Ciências Humanas - v.4 n.3, 2009

Joe Jackson, jornalista e escritor norte-americano, escreveu essa densa e curiosa biografia do cidadão inglês Henry Alexander Wickham (1846-1928), famoso por ter furtado, em 1875, sementes da seringueira e levá-las para a Inglaterra. (...) Foi um aventureiro de um só feito. Era pessoalmente desinteressante, estabanado nas suas ações, monocórdico nas suas obsessões e previsível nos repetidos fracassos dos seus empreendimentos e da sua vida pessoal.

Um único episódio bem sucedido, em meio a uma trajetória cheia de tropeços, explica a fama que justifica o resgate da memória sobre Wickham nesta sua biografia, 80 anos depois de sua morte. Para os brasileiros, especialmente os amazônidas, no entanto, a fama quase pontual de Wickham tem especial e dolorosa relevância. O dia da vitória de Wickham foi o dia da derrota da Amazônia brasileira. Wickham foi o responsável por um dos atos mais famosos e consequentes do que hoje chamamos de “biopirataria” - o furto de sementes da seringueira (Hevea brasiliensis) de seu habitat amazônico. Em 1875, aos 29 anos de idade, Wickham embarcou em Santarém, Pará, com destino à Inglaterra, carregando semi-clandestinamente 70.000 sementes de seringueira, colhidas no baixo Rio Tapajós.

Quarenta anos depois, esse furto premeditado poria fim ao boom econômico e financeiro da borracha nativa extraída na região amazônica. Nas quatro décadas que se seguiram ao furto, cientistas, administradores coloniais e fazendeiros ingleses aprenderam a plantar a árvore e formaram vastas, ordeiras e homogêneas plantações (na Índia, Sri Lanka e Malásia, primeiramente) e a extrair o látex em escala industrial. A enorme produção e a alta qualidade desse látex “domesticado” fizeram com que, a partir de 1914, ele dominasse o mercado internacional. Os seringais nativos da Amazônia viraram relíquias falidas, quase instantaneamente. Em 1905, a região produzia 99,7% da borracha comercializada no mundo; em 1914, a cifra caíra para 39%, chegando a apenas 6,9% em 1922. O plantio “racional” da seringueira liquidou a extração do látex nativo das seringueiras distribuídas “irracionalmente” pela floresta amazônica. Foi o fim de uma era para a região.

Kew Gardens, o jardim botânico real da Inglaterra, situado em Londres, contratou formalmente Wickham para fazer esse furto, com a intermediação do cônsul inglês em Belém. Depois de vacilações e atrasos, Wickham foi feliz na seleção das sementes (grande quantidade, boa qualidade e isentas de doenças) no interflúvio dos rios Tapajós e Madeira, nas matas de terra firme perto de Boim, pequena localidade na margem esquerda do baixo Rio Tapajós. Teve sucesso também ao burlar a vigilância da aduana brasileira no porto de Belém. A sua boa sorte continuou com a baixa mortalidade das sementes durante a longa viagem marítima até a Europa.

Wickham protagonizou, portanto, um eficaz ato de biopirataria, cujas consequências só se materializaram 40 anos depois. (...) Um detalhe biográfico ressaltado pelo autor capta bem a gênese do espírito aventureiro de Wickham. Como adolescente, ele ficou impressionado com a forte repercussão de um episódio de biopirataria. Em 1859, o mesmo Kew Gardens promoveu, também na Amazônia, o furto de várias espécies do gênero Cinchona, arbustos de cujas cascas se retira quinino, usado até hoje no combate aos efeitos da malária. O autor desse outro ato famoso de biopirataria, Richard Spruce, renomado botânico inglês, conseguiu coletar exemplares de cinchona nas florestas tropicais de altitude do Equador e enviá-las para a Inglaterra. Mais tarde, elas foram cultivadas com sucesso em vários pontos do império britânico.

Jackson destaca que o bem sucedido furto de Wickham veio na esteira imediata de quatro anos de marasmo nos quais ele tentou se estabelecer como seringalista e fazendeiro nas imediações de Santarém, sem sucesso. Ainda antes disso, ele fizera excursões aventureiras quase fatais na Nicarágua e na Venezuela, das quais saiu falido, ferido e acometido de malária. Um dos pontos mais interessantes da narrativa de Jackson é que ele mostra que o furto das sementes não mudou a sorte pessoal de Wickham, embora o furto tenha tido repercussões econômicas enormes.

É verdade que Kew Gardens pagou a Wickham a quantia combinada, mas ficou apenas nisso. Diretores e cientistas de Kew bloquearam as duas maiores ambições do biopirata. Ele desejava, primeiro, participar dos estudos de domesticação da seringueira e da eventual distribuição de mudas e sementes a jardins botânicos e fazendeiros ingleses nas colônias tropicais da Inglaterra na Ásia. Segundo, ele queria se tornar um dono de seringais plantados e um produtor de látex, ou seja, um dono de “plantation”, em alguma dessas colônias. Jackson mostra que os aristocráticos cientistas de Kew não confiavam em Wickham, duvidavam dos seus conhecimentos sobre a planta e desprezavam a sua origem plebeia e a sua pouca instrução formal. Wickham foi excluído das fases de domesticação da árvore e da expansão dos plantios.

Nem a sua “boa fama” de biopirata ficou incólume. Jackson documenta como a própria equipe de Kew ajudou a espalhar a história de que as mudas e sementes transferidas para Ásia descendiam de um outro lote de sementes, igualmente furtado e transferido do Brasil, por outro biopirata inglês, Robert Cross, também a serviço de Kew. Cross era um respeitado veterano das expedições que transferiram para o mesmo Kew Gardens exemplares da cinchona sul-americana, arbusto de alto valor por causa de suas propriedades medicinais. Ele coletou as sementes de seringueiras em torno de Belém, poucos meses depois de Wickham entregar as suas sementes em Londres.

Ressentido, mas não desanimado, Wickham logo partiu para outras aventuras, em outras terras, nas quais tentou se estabelecer como fazendeiro. Jackson narra coloridamente as suas passagens por Austrália, Honduras Britânica e Papua Nova Guiné. Faltou documentação para que Jackson montasse uma narrativa mais completa delas, mas o autor deixa claro o padrão de sucessivas aventuras e fracassos de Wickham.

Depois de sua estadia de quase cinco anos no Brasil, Wickham passou cerca de dez anos (1876-1886) em Queensland, na Austrália. Plantou café e fumo em terras compradas com o dinheiro ganho com as sementes de seringueira, mas foi à falência. A partir de 1886, tentou a sorte na Honduras Britânica. De novo, não teve sucesso como fazendeiro, tendo perdido as suas terras por causa de dívidas e documentação fundiária inadequada, embora tenha ocupado cargos de escalão intermediário no governo colonial inglês. Em 1895, Wickham estabeleceu-se num remotíssimo arquipélago de 23 ilhas de coral (Contract Islands), na extremidade leste da Papua Nova Guiné. Por cerca de cinco anos produziu coco e mamão, cultivou ostras, coletou esponjas marinhas e lesmas do mar e caçou tartarugas marinhas. Vítima de intermediários comerciais - iguais aos que na Amazônia o impediram de se tornar um seringalista -, mais uma vez o sucesso lhe escapou. Acabou endividado e foi praticamente expulso das ilhas. Desta vez, foi abandonado pela esposa Violet, uma valente inglesa, que o acompanhara ao Brasil, à Austrália, às Honduras Britânicas e a essas ilhas.

Wickham retornou à Inglaterra pouco depois de 1900, mas ainda fez viagens ocasionais às possessões coloniais britânicas no Extremo Oriente. Continuava com o projeto de ser um grande fazendeiro. Investiu em uma plantação de seringueiras na Nova Guiné e em outra de piquiá, na Malásia, planta que ele conhecera no Brasil. Elas não foram para frente.

Quase aos 60 anos de idade, Wickham ainda era um cidadão inglês quase anônimo e cronicamente falido. No entanto, como destaca Jackson, em torno de 1905 abriu-se uma nova era para ele. Começou a ser reconhecido como o “herói provedor” das sementes de seringueira e, indiretamente, como corresponsável pelo espalhamento dos seringais e pelas riquezas que elas geraram. A borracha agora estava criando grandes fortunas para aqueles que plantavam seringueiras e se tornara imprescindível para a industrialização dos países ricos. O nome de Wickham ganhou fama ao mesmo tempo em que crescia a importância da borracha como commodity global.

À falta de outros sucessos, Wickham navegou com prazer na fama tardia conferida pelo seu feito biopirata de 30 anos antes. Publicou uma espécie de manual de cultivo da seringueira, incluindo um relato cheio de bravatas sobre o furto de 1875. Foi contratado como consultor de plantadores de seringueiras em várias colônias inglesas. Comparecia a eventos científicos e comerciais sobre a borracha, como um misto de perito em borracha e de celebridade. Ganhou prêmios em dinheiro de associações de plantadores de seringueiras, em reconhecimento do seu pioneirismo. Em 1920, recebeu da coroa inglesa um título de “Cavaleiro” e uma pensão vitalícia, pelo seu papel na expansão do império britânico. Morreu na Inglaterra, em 1928, sozinho, sem familiares por perto e, como sempre, falido. Jackson o descreve de forma impiedosa nos seus últimos anos: “Agora ele era simplesmente um personagem, uma figura amarga, cômica, com uma cabeleira branca e um bigode de leão marinho, que investia contra as novidades modernas dos plantadores de borracha da Malásia cujos bolsos ele enchera”.

A Decadência do Ciclo da Borracha

A heveicultura foi lançada pelos ingleses e holandeses em suas colônias asiáticas cujo clima era semelhante ao clima tropical úmido da Amazônia. Na década de 1890, as heveas, tinham se adaptado, perfeitamente, ao meio natural da Ásia. Em 1900, as plantações se estendiam às colônias inglesas do Ceilão, Malásia e Birmânia e a holandesa na Indonésia. Os resultados foram fantásticos, foi um sucesso agronômico e econômico. Em consequência, iniciou-se o colapso do ciclo da borracha, com um gradual esvaziamento econômico da região amazônica. Além da concorrência com produto oriental, adveio uma praga nefasta nas seringueiras nativas, era o “mal-das-folhas”.

Fontes:

CASTRO, Plácido de – Apontamentos sobre a Revolução Acreana – Manaus – Editora Valer, 2003.

CUNHA, Euclides da – Entre os seringais – Rio de Janeiro – Revista Kosmos, 03/01/1906.

JACKSON, Joe – The thief at the end of the world - rubber, empire and the obsessions of Henry Wickham – Londres – Duckworth, 2008.

SANTOS, Paulo Rodrigues dos. Tupaiulândia. ICBS/ACN. Santarém, PA: Gráfica e Editora Tiagão, 1999.

SPRUCE, Richard – Notas de um Botânico na Amazônia. Belo Horizonte– Editora Itatiaia, 2006.

VON HAGEN, Victor Wolfgang – South America Called Them: Explorations of the Great Naturalists: La Condamine, Humbolt, Darwin, Spruce – New York – Alfred A. Knopf, 1945.

(*)-Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

E–mail: hiramrs@terra.com.br

Imagens da Internet – fotoformatação (PVeiga).

Um comentário:

Arlindo Montenegro disse...

E a pirataria continua! Ingleses, japoneses, franceses, holandeses, com suas ongs espalhadas na área amazônica, no nordeste, financiados por seus governos, laboratórios e empresas continuam ativos e impunes.