terça-feira, 27 de março de 2012
CHICO ANYSIO, HUMOR MAIOR
“A presa preza a pressa do pressago, a prescindir o que pressente como pressuposto” – (Gudé)
“Vou morrer no Projac, depois de um diretor dizer: 'corta, valeu, Chico'. Eu direi:
'Que bom que valeu' e morro em seguida. Será bonito”.
Chico Anysio
Por José Eugênio Maciel
Aos 80 anos, tendo nascido em 12 de abril de 1931, cearense de Maranguape, Chico Anysio morreu na última sexta-feira. “Não tenho medo de morrer. Tenho pena”, declarou certa ocasião. Antes dos problemas respiratórios que o levaram a longas internações e o desfecho derradeiro da morte, Chico estava forçadamente aposentado. Ele tinha um contrato com a Rede Globo que, embora dispusesse do humorista, o deixava na maioria absoluta das vezes sem atividade, algumas participações ele fez, inclusive novelas. Enquanto isso, uma série de textos e projetos de programas a emissora tinha em mãos, sequer a TV lhe respondia.
Chico reunia dois aspectos de indiscutível genialidade, criador e intérprete. Humorista criador de mais de duas centenas de personagens, era intérprete singular. Eram tão bem construídas as encenações que parecia tratar-se de um personagem com vida própria tamanha (e tinham todos eles vida própria, data de nascimento, costumes, enfim histórico de vida) que dava a nítido impressão que não seria mesmo o Chico a interpretá-los.
Chico retratou o Brasil dos brasileiros, ricamente pobre, pobremente rico, das muitas espiritualidades e condições sociais, cada personagem se caracterizava nós mesmos, de um modo ou de outra maneira, através de uma diversidade extraordinariamente grandiosa e fantasticamente presente em Justo Veríssimo,. Painho, Pantaleão, Alberto Roberto, Popó, Roberval Teylor, Gaspar, Salomé e professor Raimundo.
Cada personagem era muito próprio, singular, na voz, tom, dicção, trajes, região do Brasil, condição social, enredo. Chico era um homem culto, conhecia o Brasil profundamente e sabia tornar os seus tipos algo simples como é a natureza humana da nossa gente. Também tinha a crítica em bom nível, às mazelas sociais e a condição política de desgovernos, sendo porta-voz de sentimentos e aspirações legítimas por um Brasil maior e sobretudo melhor.
A pequena Maranguape se tornou conhecida Brasil a fora graças ao seu filho ilustre que sempre se referia ao lugar de nascimento com alegria incontida, carinho abundante, síntese de um Ceará que é berço de grandes humoristas que sempre tiveram no mestre além da inspiração o encorajamento de tentarem a sorte na cidade grande, bastando mencionar dois notáveis exemplos daquele Estado, Renato Aragão, o Didi e o Tom Cavalcanti.
Contista, cronista, ensaísta, locutor e pintor, as artes era o seu papel maior de representar, a expressar a alma brasileira. Começou na Rádio Guanabara em 1952 e, pouco tempo depois criou a “Escolinha do professor Raimundo”, sucesso anos mais tarde na televisão, cabendo ressaltar que em tal programa Chico se preocupava com humoristas que não tinham mais espaços para trabalhar e lá puderam voltar a sorrir e voltar a fazer rir, muitos aliás deixaram até mesmo de passar dificuldades. Chico olhou por eles, sendo fiel na amizade expressa no companheirismo dentro e fora dos palcos, na frente e por trás das câmeras.
“Não existe piada velha, pois o público se renova”, sabiamente afirmou Chico, embora sempre foi um rico criador a partir do cotidiano, das improvisações, da palavra e entonação certas, para todos os públicos e gostos. Ele foi a tradição que se renovava com inteligência e leveza quando fosse preciso e sabia manter o que era a certeza do riso, da graça contagiante e vigorosa.
Ele que deu vida aos seus memoráveis personagens, agora deixa a vida. Vida que segue viva nos personagens que não morreram e que eternamente, mais do que serem lembrados, corporificam o próprio Chico. É preciso agora o silêncio da mudez dolorida, impostergável e necessária para que possamos escutar, ver e sentir, a voz e a ação dos seus muitos quadros e personagens, para homenagear Chico dando gargalhadas do seu humor genial e marcantemente inesquecível, para sempre. “Valeu, Chico”.
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