quinta-feira, 15 de março de 2012

TREINANDO PARA A TRAVESSIA DA LAGUNA DOS PATOS


Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 14 de março de 2012.

O Madeira como os demais amazônicos caudais possui um encantamento próprio, suas águas fluem céleres buscando o Rio-mar, nas suas margens ribeirinhos hospitaleiros nos saúdam alegremente e os menos tímidos nos alcançam de voadeira e convidam-nos para um lanche ou almoço, os enormes gigantes da floresta, tombados, são arrastados pela fria correnteza transformando-se em verdadeiros aríetes contra os cascos das embarcações, os pequenos afluentes pululam de vida, mas nada disso se compara ao prazer que experimentamos, eu e meu filho João Paulo, de sermos acompanhados pelos amigos golfinhos.
Depois de duas semanas de descanso da última jornada, de 2.000 km, de Porto Velho, RO, a Santarém, PA, retornamos aos treinamentos para a próxima Travessia, desta feita pela Margem Ocidental da Laguna dos Patos, partindo da Praia do Laranjal, Pelotas, RS, com chegada, prevista, em Ipanema, Porto Alegre, RS, para às 15h00 do dia 22 de abril. Solicitamos aos amigos remadores e velejadores de todas as categorias, em especial, nossos diletos amigos do Veleiros do Sul e da Raia 1, que nos encontrem na Praia da Ponta Grossa até as 14h00 do dia 22 de abril para chegarmos juntos, em Ipanema, para mais esta homenagem ao Centenário do Colégio Militar de Porto Alegre. 
-  Velho Guaíba 
Acompanhado do Professor Hélio Bandeira, pilotando agora um excelente Cabo Horn, da Opium Fiberglass, fomos até o Parque Fazenda Itaponã, próximo a Guaíba, visitar nosso caro amigo Juarez Boneberg. Eu tinha levado um quarto de ovelha para que ele o preparasse para o almoço. Infelizmente, o Juarez estava envolvido com o seu patrão Marcelo demarcando cercas e adiamos para o dia seguinte nosso planejado almoço. Retornamos à Raia depois de algum tempo e me comprometi de retornar no dia seguinte para almoçar com o amigo e sua família. Foi um treino bastante curto, vinte e dois quilômetros, apenas para marcar o início dos treinamentos.
No dia seguinte atraquei defronte ao restaurante do Parque, e depois de cumprimentar seu administrador, o Bilu (Hélio), fui a pé até a casa do Juarez. Quando lá cheguei o amigo já estava assando a carne e sua esposa preparando o almoço. Após a refeição permanecemos um longo tempo conversando à sombra das árvores. O amigo conhece as coisas do campo como ninguém e sobre ela discorre com a clareza e o discernimento de um sábio, sua simplicidade de homem do campo me encanta. Madrugando no passado, lembro meu saudoso pai, quando o acompanhava nas caçadas e pescarias, a conversar com os peões de estância. O velho Cassiano escutava, atento suas histórias de vida e lhes relatava as suas sem afetação, de igual para igual.
No terceiro dia resolvi estender um pouco meus limites, 40 km, indo até a Ilha do Chico Manoel, de propriedade do Clube Veleiros do Sul. Lá conheci, graças ao Toco, caseiro da Ilha, o Comandante Luiz Alberto Pereira Morandi a quem solicitei autorização para pernoitar na Ilha no dia 21 de abril. Mais tarde, depois de consultar os demais Conselheiros do Clube, ele gentilmente me comunicou que os membros do Conselho foram favoráveis ao meu pleito.
É impressionante verificar como a irmandade de remos e velas se entendem, temos, sem dúvida, a mesma afinidade e respeito pelas águas e a natureza em geral, conduta muito diferente daqueles que fazem uso das embarcações a motor. Lembro que, no ano passado, visitando a paradisíaca Ilha do Chico Manoel, eu observava encantado os velejadores e familiares desfrutando do aprazível local e degustando placidamente seu almoço até que chegou um grupo de seis pilotos de Jet Ski. Os mal-educados aceleravam ao máximo seus motores a poucos metros da praia provocando além da poluição sonora a poluição química.
-  Infrações Ambientais do Jet-ski
    Fonte: Minuta Sobre o Jet-Ski no Capingüi

Os jet-skis possuem motores de “dois tempos”, altamente poluentes, que lançam junto com o jato do turbo em torno de 10 (dez) litros de gasolina com óleo na água em aproximadamente 2 (duas) horas de tráfego. Conforme estudo da Califórnia Air Resources Board, órgão que controla a poluição nos Estados Unidos, os jet-skis potentes e desregulados jogam até 30% do combustível misturado ao óleo diretamente na água, sem queimar, aumentando consideravelmente os indicadores poluentes. Se apenas 10 jet-skis andarem duas horas no final de semana, serão 100 (cem) litros de gasolina com óleo lançados.
Os jatos dos jet-skis, além de poluírem e atingirem as encostas e margens revolvem os sedimentos do fundo, impregnando-os com o óleo, sem que se possa removê-lo posteriormente; se transformam em resíduos permanentes. Consequentemente, o fundo passa a ser composto pelo sedimento e pelo poluente lançado pelo turbo. Esse crime ambiental se agrava com as manobras de “empinamento”, “cavalos de pau”, dos pilotos de jet-ski, os quais fazem com que os jatos incidam diretamente no fundo, com o revolvimento completo de seus sedimentos, em especial nas demonstrações em águas rasas. Por essa razão, onde os jet-skis andam, as águas ficam “barrentas”. Em concentrações de jets, em áreas com profundidade média de 12 metros, já se comprovou a formação de “áreas barrentas”.
Fato gravíssimo é que o jet-ski funciona como um “misturador” nas áreas em que trafega. Todos os poluentes lançados pelas demais embarcações - e que permanecem flutuantes - são revolvidos e, quando os turbos remexem os fundos ou as margens, são também misturados com os sedimentos.
A violência dos turbos rebenta os ovos dos peixes e mata os alevinos. 
Os jet-skis são máquinas de múltiplos impactos, pois, conforme os últimos modelos podem alcançar mais de 100 km/h. Até a sua invenção não se conhecia outra máquina em termos de poluição sonora, poluição da água, problemas à natureza e segurança nas vias navegáveis.
Além da gravidade da poluição do meio ambiente, os jet-skis produzem ruídos na faixa de 85 a 105 dB (decibéis). Os indicadores de saúde recomendam protetores auriculares em ambientes com nível acima de 85 dB. Além disso, quando o jato sai para fora d’água, o ruído muda de intensidade e tom, reproduzindo o ruído de moto-serra. O ruído perturba muito mais do que sons constantes. Além de prejudicial aos humanos, conforme Joanna Burger, da Universidade Rutgers de Nova Jersey, o ruído dos jet-skis assusta e espanta os animais 6 (seis) vezes mais do que barcos com motor de popa.
-  Ilha do Chico Manoel
    Fonte: Folder do Veleiros do Sul, 28.01.2011

Aspectos Geográficos

A Ilha Chico Manoel situa-se no rio Guaíba, a meio caminho entre as praias de Belém Novo e do Lami, a cerca de 30 km da sede do Veleiros do Sul. O seu formato assemelha-se a uma pera, com a extremidade mais fina apontando para o Canal do Guaíba e a mais arredondada e bojuda para a Ponta dos Coatis, da qual fica a 250 metros. A sua área tem 214.916 m² de superfície, e a sua circunferência, pela picada da base do morro é de 1.930 metros. A altura culminante na estaca 15 é de 43 metros. A extensão maior da ilha é de leste a oeste, com 754 metros.  E a largura menor, de norte a sul, 436 metros. 
Muito bonita e pitoresca, a ilha tem, em seu contorno, pedras ou matacões de granito de tamanhos variados. Possui cerca de 60 metros de praia de areia grossa, típica do Guaíba, além de Capões de mato baixo. A sua mata é composta de catiguá, camboriú, amarílis, cocão, batinga, laranjeira do mato, canela preta e amarela, figueira de folha miúda, ipê, guajuvira e outras madeiras brancas nativas. Também foram plantadas árvores frutíferas, tais como limoeiros, laranjeiras, ameixeiras e abacateiros, além de várias timbaúvas e acácias. Na cota de 6 metros, alternâncias de capões e campo. Nela também há um cemitério Guarani, pesquisado por arqueólogos. O seu ponto mais alto é denominado “Alto Alegre”, onde se situa o marco geodésico de triangulação do morro da Ilha.
A Ilha possui um trapiche de madeira entre dois molhes, uma sede em alvenaria, constituída por um amplo salão de 10m x 4m, uma varanda de 10m x 2m com vista sobre o ancoradouro e banheiros com chuveiros, casa do zelador, e uma picada de acesso à praia localizada no lado sul, dotada de sinalização e corrimão para auxiliar a passagem nos trechos íngremes.
História
A ilha Francisco Manoel, ou “Chico Manoel”, como os frequentadores a chamam, sempre foi um ponto de atração dos velejadores em seus passeios e excursões pelo Guaíba. Oferece abrigo natural a todos os ventos e o seu uso indiscriminado estavam causando a sua gradativa depredação, quer por navegadores inescrupulosos, com relação à ecologia, como por pescadores que ali acampavam. 
Ao assumir a Comodoria, Mário Bento Hoffmeister, ouviu do ex-Comodoro Jorge G. Bertschinger que a ilha Francisco Manoel estava abandonada e seria oportuno tentar conquistá-la para o Veleiros. Em entrevista com o governador Ildo Meneguetti, ele mostrou franca receptividade. Em segunda audiência, o governador comunicou que não “doaria” a ilha ao Veleiros, mas concederia o seu uso por 99 anos.
Foi assim que, em 30.06.1966, o governador do Estado, Ildo Meneguetti, o secretário da fazenda Ary Burger e o secretário dos transportes Tertuliano Borfill assinaram o Decreto n° 17946 com cessão por 99 anos à Sociedade Náutica Veleiros do Sul, da Ilha Francisco Manoel. Na ocasião da doação, a Chico possuía apenas, além de dois molhes de pedra, uma casa velha de madeira do ex-Deprec, a cabana do velho pescador que lá residia, além do marco de triangulação geodésica, colocado em seu ponto culminante.
-  Jornadas Mágicas pelas Lagunas Litorâneas

O sonho é o combustível que nos empurra, nos arrasta para diante. A vida segue e você deixa atrás de si as marcas de suas passadas na superfície da Terra.
 (Aleixo Belov)

No fim de semana aproveitei o tempo bom e parti com a Rosângela para Cidreira onde pretendia realizar algumas travessias da Laguna da Fortaleza até o Rio Tramandaí. O trajeto era um velho conhecido, mas as experiências e as variáveis naturais de toda ordem não permitem jamais que as expedições se transformem em mera rotina. Quando chegamos ao local da largada ficamos impressionados com as marcas da estiagem na Laguna da Fortaleza e principalmente na represa da CORSAN. Nenhum fio d’água corria pela represa, as águas do canal tinham submergido profunda e drasticamente no seu leito, um vivo contraste com o período de inverno onde as águas do canal estavam quase niveladas com as da Laguna. Arrastei meu caiaque pela grama até um local que me pareceu mais adequado na margem direita, à jusante da represa e iniciei meu périplo.
Em alguns lugares foi preciso abandonar o remo e usar as mãos para desencalhar o caiaque e em outros tive de rebocá-lo. O canal transformara-se em um pequeno e estreito lago onde apenas os predadores mais capazes tinham sobrevivido. Lancei minha tarrafa diversas vezes em uma pequena, mas profunda, baía do estreito canal e consegui pescar mais de sessenta dentuças, de bom tamanho, todas acima de 25 cm, a maior medindo 36,5 cm, limpei-as, preparei os “filés” retirando a espinha, “tiqueias” para degustar mais tarde.

Acestrorhynchus pantaneiro Menezes: é conhecida popularmente como peixe cachorro ou dourado-cachorro e apresenta dentição peculiar e hábito carnívoro. A presença de Acestrorhynchus pantaneiro nas lagunas litorâneas a caracteriza como uma espécie alóctone, isto é, espécie nativa de bacia hidrográfica brasileira e registrada em bacia onde não ocorreria naturalmente.

O acesso ao canal Manuel Nunes estava quase que totalmente tomado pelos juncos e consegui encontrá-lo, sem o GPS, graças a um pequeno saco plástico que algum precavido pescador prendera nos juncos para se orientar. Na Margem esquerda do canal sempre avistei uma tropa formidável de cavalos crioulos que se afastavam assustados tão logo me viam. Peguei a câmera e me preparei para fotografa-los, qual não foi minha surpresa ao notar que se aproximavam da margem para me observar em vez de partir em polvorosa. Comi metade de uma banana e joguei a outra metade para um deles que estava mais próximo. O animal virou a cabeça curioso, cheirou a banana, e veio beber água a um metro de minhas mãos.
Noutro dia realizando este mesmo percurso espantei uma enorme capivara que a pouco saira d’água para aquecer-se ao sol. Parei de remar e fiquei admirando o enorme roedor que, igualmente, me mirava e partiu muito lentamente sua caminhada até a água onde submergiu quase sem fazer marolas.
No domingo, a forte canícula forçou-me a diminuir o ritmo das remadas. Cheguei ao Rio Tramandaí à tarde, por volta das dezesseis horas, e mais uma vez tive a oportunidade de presenciar a conduta reprovável dos pilotos de Jet skis. Os pescadores entregues à sua labuta eram perturbados pelos imprudentes que faziam voltas ao redor dos barcos com o único intuito de molestá-los. É impressionante se verificar a omissão das autoridades portuárias locais que permitem que esses verdadeiros bandidos ajam impunemente sem qualquer tipo de controle. Recentemente tivemos oportunidade de acompanhar pela mídia acidentes provocados pelos inconsequentes pilotos que podendo pagar bons advogado continuarão a dirigir alcoolizados e a entregar suas máquinas a menores como pudemos observar no canal de Tramadaí em que pais com os filhos no colo dirigiam em alta velocidade sob o protesto dos ribeirinhos.
-  Livro
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na AACV – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Vice- Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

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