Hiram Reis e Silva, Cidreira, RS, 24 de março de 2012.
É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com os pobres de espírito, que nem gozam muito, nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota.
(Theodore Roosevelt)
Rio Madeira (2011/2012)
Minha última jornada de caiaque na Amazônia longe de ser cansativa foi plena de beleza e inúmeros ensinamentos. Aprendi com os Comandantes Militares, Oficiais e Praças do nosso Exército, Políticos, Historiadores, Pesquisadores, Empresários, Repórteres e o Povo simples e amável da Terra das Águas. Percorremos mais de 2.000 quilômetros, durante quase dois meses, visitamos 14 cidades, mais de vinte Comunidades de três Estados brasileiros, a formidável obra da Hidrelétrica de Santo Antônio, igrejas, museus, instalações históricas, acidentes naturais, entrevistamos personalidades locais, adquirimos ou fomos presenteados com 23 livros, 5 DVDs e doze peças de artesanato indígena. Apesar de termos conseguido apenas 55% dos recursos planejados conseguimos, priorizando os objetivos essenciais, concluir esta etapa com relativo sucesso. Obrigado amigos investidores o apoio de vocês foi fundamental para levarmos adiante nosso desiderato de mostrar aos brasileiros a verdadeira cara da Amazônia sem o derrotismo dos terroristas ambientais nem o descaso dos capitalistas inconscientes.
De volta às atividades de professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), estamos aprimorando os dados colhidos, durante nosso périplo pelos amazônicos caudais do Madeira e Amazonas, compondo um livro que mostra a realidade passada e presente deste formidável manancial que é o maior e mais impetuoso afluente do Rio Amazonas. Concomitantemente com essas atividades continuamos treinando tanto para a próxima Travessia da Laguna dos Patos, daqui a aproximadamente três semanas, como para a próxima missão amazônica no final do ano.
Desafio de um Amazônico Amigo
Enfim lanço um desafio ao Coronel Hiram para que realize como realizei (nunca de caiaque é claro), a viagem da Serra do Divisor (nascente dos Rio Amônea e Moa) pelo Juruá até Manaus; tenho certeza quase que absoluta que (...), em função da curiosidade sobre esse período desconhecido que vai reescrever as histórias do Estado do Acre e Militar na Amazônia, apoiaria integralmente esse Projeto de Pesquisa.
Respondi imediatamente afirmando ao caro amigo que estava pronto para mais esta missão embora recomendasse que se planejasse a descida dos Rios Juruá e Purus e que a jornada no Juruá, da Foz do Breu até sua foz no Amazonas (3.283 km) deveria iniciar no período das cheias em janeiro de 2013. Chegaríamos à região no início de dezembro para iniciar as pesquisas, havendo necessidade do caiaque já ter sido transportado, via fluvial de Santarém, PA, a Porto Velho, RO, por terra de Porto Velho, até Cruzeiro do Sul, AC, e via fluvial daí até a primeira comunidade brasileira às margens do Juruá que é Foz do Breu. Calculo em seis meses a descida até a foz do Juruá no Amazonas e mais 24 dias até Manaus, sete meses mais ou menos. De agosto até novembro fecharíamos as pesquisas e o livro relativo a esta jornada estaria pronto e editado.
Acho difícil que este sonho se transforme em realidade. As dificuldades encontradas até agora para viabilizar empreendimentos bem menores justificam meu pessimismo. Os tempos das descobertas e das expedições científicas parecem ter findado, o interesse das pessoas e das instituições migraram para outros temas. Mesmo assim tenham certeza de que seria a realização de um ideal percorrer as mesmas águas em que se aventuraram, em 1905, o chefe da Comissão Mista Brasileira-Peruana de Reconhecimento do Rio Juruá General Belarmino Mendonça e do Rio Purus Euclides da Cunha.
Fronteira Brasil x Peru
“Quando poucos desviavam suas atenções para o extremo norte, ele soube conduzir a opinião nacional para a primeira meditação acerca dos destinos dele, obrigações e responsabilidades de que o país precisava tomar consciência”. (Arthur Cézar Ferreira Reis)
Façamos uma pequena digressão histórica para justificar minha expectativa.
Os conflitos entre brasileiros e peruanos, no alto Juruá e alto Purus, anunciavam um desenrolar sangrento. O Brasil precisava assumir, no continente, uma posição mais firme nas relações internacionais.
Em 15 de janeiro 1904, Rio Branco nomeia-o chefe da “Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus”, cuja missão era mapear o rio Purus desde a desembocadura no Solimões até suas cabeceiras no atual Estado do Acre, definindo as fronteiras do país com a Bolívia e o Peru. A viagem foi patrocinada pelo Ministério das Relações Exteriores e realizada conjuntamente com uma comissão do governo peruano.
Com essa missão, Euclides realizava o velho sonho: o de ver a Amazônia, satisfazendo a curiosidade de muitos anos. Preparara-se para a grande aventura lendo clássicos como: La Condamine, Bates, Wallace, Spruce, Alexandre R. Ferreira, Tavares Bastos, Frei João de São José, Silva Coutinho, dentre outros. Em Belém, fica maravilhado com o Museu do Pará onde teve a oportunidade de conhecer “dois homens admiráveis”: o Dr. Emílio Goeldi e Jacques Huber. Chegou a Manaus, em 30 de dezembro, onde encontrou o seu antigo companheiro de Escola, Alberto Rangel, e em cuja casa ficou hospedado. Rangel escreveu um livro capital para a cultura amazônica: “Inferno Verde”, publicado no Rio de Janeiro em 1908.
Belém e Manaus viviam o auge do ciclo da borracha, as grandes casas de negócio eram estrangeiras, tudo era importado. Euclides se assustou com a tremenda desordem social que se agravava com a incorporação de estranhos valores alienígenas.
O trabalho de campo das duas comissões demonstrou a tenacidade invulgar de Euclides vencendo obstáculos de toda ordem: enfermidades, escassez de víveres, revolta, naufrágio e, inclusive, a desconfiança dos peruanos, que identificavam, nas atitudes dos brasileiros, manifestações que poderiam colocar em risco a sua soberania.
A visão holística de Euclides é caracterizada pelos seus comentários de cunho antropológico, aspectos do relevo, solo, fauna, flora, clima da região e sobre o caráter divagante do rio Purus, baseados na concepção do “ciclo vital”. Durante a viagem teve, ainda, o cuidado de recolher amostras de fósseis e rochas, posteriormente encaminhadas ao Museu do Pará (atualmente Emílio Goeldi).
Concluído o levantamento, Euclides, regressa ao Rio de janeiro onde inicia a redação do Relatório sobre a evolução fisiográfica da bacia do Purus. Terminado o Relatório, no final de 1905, o Barão do Rio Branco o mantém como auxiliar técnico. Neste período, escreve para diversos jornais suas impressões sobre a Amazônia e faz o mapeamento de diversas questões de limites defendidas pelo grande estadista. Escreve, então, em um mês, a obra “Peru Versus Bolívia”. Considerado por alguns, menos informados, como mero relatório técnico são na realidade páginas repletas de uma lógica insofismável e de um conhecimento fantástico da história e política do continente. Mais uma vez foi reconhecido e consagrado não só no Brasil, mas em todo continente Americano.
Peru Versus Bolívia
Como chefe da “Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus” vivencia o angustiante problema do seringueiro no Acre e passa a se preocupar com a questão da demarcação das fronteiras entre a Bolívia e o Peru. Assumindo apaixonadamente partido da Bolívia, tornou-se o “Cavaleiro andante da Bolívia contra o Peru”, conforme ele mesmo se definia.
“Muitos talvez não compreendam que, numa época de cerrado utilitarismo, alguém se demasie em tanto esforço numa advocacia romântica e cavalheiresca, sem visar um lucro, ou interesse indiretos. Tanto pior para os que não o compreendam. Falham à primeira condição prática, positiva e utilitária da vida, que é aformoseá-la...”
(Euclides da Cunha)
Euclides da Cunha é um imortal e como tal consegue transformar um árido relatório técnico numa obra magistral onde os argumentos de irrefutável lógica cartesiana ombreiam com a história e acompanham harmonicamente seus devaneios de pura poesia. Vamos citar apenas algumas de suas memoráveis considerações:
“A barreira colonial renasce num majestoso traço imperialista, espichada, e deslocando-se para o norte, golpeantemente, em pleno seio da Amazônia. Depois de tantas resoluções debatidas, afirmadas e ratificadas em numerosos atos oficiais, a República sonhadora do Pacífico abandona, de improviso, os compromissos oriundos da sua existência autônoma e, abdicando a própria altitude política, volve, às recuadas, aos tempos em que ainda não existia, acolhendo-se à placenta morta da metrópole extinta, e revivendo, entre as singularidades desse processo retrospectivo, as fantasmagorias do Vice-reinado, cujo acabamento foi a primeira condição da sua própria vida.
Contemplemos nos seus vários aspectos, desde o nascedouro abortício à caduquice lastimável - periclitante e vária, à mercê dos lápis arbitrários dos copistas de mapas - aquela risca fantástica e curiosa de uma espécie de geografia espectral.
A tanto se alarga a amplitude de oscilação da fronteira jogada, à toa, no deserto. A agitante caduquice político-geográfica, estereotipa-se. Vê-se. Aí está, sempre dúbia, sempre incompreendida, sempre errante, sempre atarantada, hoje como há um século, a saltar de um para outro lado, numa inambulação desesperadora, ora ao norte, ora ao sul, sem pouso, sem posição, sem fixidez, sem descanso, ocupando todos os pontos, abandonando todos os pontos, fugindo de todos os pontos; e a espelhar nesta volubilidade pasmosa, em nossos dias - depois de Humboldt, depois de Castelnau, depois de Gibbon, depois de Chandless - os mesmos erros, que a obscureceram nos primeiros tempos.
Não combatemos as pretensões peruanas. Denunciamos um erro.
Não defendemos os direitos da Bolívia. “Defendemos o Direito”.
Livro
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
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