quinta-feira, 15 de março de 2012

O POLÍTICO E O PROFESSOR

  Como político, tenho assistido frequentemente a vitória do mal sobre o bem. Tenho presenciado o êxito da falsidade em prejuízo dos direitos inalienáveis da verdade. Vi a mentira, com a apresentação bem posta propaganda comprada a alto preço, envolvendo e asfixiando. Testemunhei a mentira circulando com o cunho indiscutível de legitimidade. Senti, em toda a sua plenitude, as repercussões do poder econômico aliado ao poder político, e assim transformado em poder incontrastável. Presenciei, pelos passes de mágica, dessas repercussões, a inversão de todos os valores. Observei o cinismo mais deslavado apresentado como atitude genuína e o gesto mais puro, mais autêntico, mais fiel, mais legítimo, desfigurado pela inidoneidade dos donos da máquina da propaganda. Tal fato ainda não seria o supremo mal, se não se tivessem eles aliado, por transações inconfessáveis, com os donos do poder político.
Senti a honestidade injuriada pelos desonestos e inidôneos.
Acompanhei a vida de políticos que, inflexíveis no seu espírito público e inamoldáveis na retidão incoercível de suas ações, naufragaram, porque não transigiram nem negociaram.
Por outro lado, acompanhei de longe, o espetáculo de outros políticos, vazios de autenticidade e consciência, trêfegos e levianos, a quem o êxito sorriu, perenemente porque não recuaram nunca diante de nenhuma exigência criminosa, mas ao contrário, aceitaram-na, acataram-na, para conquista e manutenção do poder.
Verifiquei a cumplicidade com a corrupção, erigida, esta, como condição insubstituível de vitória política.
Trago da experiência político-partidária e do trato com os seus assuntos, um misto de desencanto e de dever de persistir nos rumos legítimos. Não abandonei o dever de não desertar, de não fugir, de não buscar a mansidão da renúncia que pode ser tranquila, mas sabe como uma traição e esquecimento das obrigações fundamentais de intervenção na vida pública.
Como professor, compreendo as degradações da política, os desajustamentos da vida social, as separações inevitáveis entre a perfeição das ideias e a limitação das suas realizações.
Como professor, compreendo.
Mas, como professor também, conhecendo quanto a ação deliberada do homem pode alterar o panorama social, tenho falado à mocidade de meu país, não a linguagem do desencanto, mas a linguagem da fé.
A mocidade não pode perder a fé. Não seria mocidade.
Desgraçado o país, cuja juventude, pela ausência de fé, não diz a sua mensagem.
A mocidade precisa acreditar, para que sua geração some alguma contribuição ponderável à herança social, além da acumulação de experiências de ordem estritamente técnica.
A mocidade universitária do meu país só de mim recebeu incentivos para a ação que trouxesse bem marcado o idealismo. Só lhe falei buscando as raízes que explicassem o sentido das grandes lutas, mas para além das aparências e dos imediatismos. Busquei-lhe o entusiasmo e a paixão que operam milagres. Procurei incutir-lhe a convicção de que vale a pena lutar a fundo pelo progresso, definido pela espiritualidade. Acresci suas reservas morais e sua esperança, assim como sua capacidade de altruísmo e seu poder de dar-se às grandes causas.
Como professor, escondi à mocidade, as cicatrizes do político, e os seus cansaços, as suas penas, os seus desencantos, as deslealdades que sofre, as traições que injuriam. O professor não traiu o político nem mentiu à mocidade. Apenas o completou.
Ensinei as impossibilidades de o ideal realizar-se sem deformações nas contingências e limitações da existência cotidiana. Ensinei a não esperar ideias mais do que elas podem dar. Mas ensinei a esperar delas e a bater-se por elas. Ensinei a querê-las e a afagá-las. Ensinei a própria identificação com elas, sem desânimos nem deserções. Mas ensinei-lhe, sobretudo, a grandeza e a inteireza do comportamento espiritual, só o que vale e só o que fica.
Preguei-lhe grandeza e inteireza de comportamento que permitem, em qualquer circunstancia, ainda na mais desfavorável ou dramática, defende-la e apontá-la, como a melhor atitude, a única atitude inspirada na dignidade.  
Ainda que trazendo sensibilidade, as mais fundas cicatrizes marcadas pela monstruosa atividade política, não levei desilusão à mocidade. Não contribuí jamais para que se lhe extinguisse a chama de idealismo. Mas, ao contrário, preguei e fomentei o inconformismo diante da consagradora aceitação do crime e da mediocridade. Preguei a não aceitação. Indiquei a força milagrosa do ideal a iluminar charnecas estagnadas e lodaçais pegajosos. Mostrei a força do ideal permanecendo e superando as vaias do imediatismo interesseiro, e o que é mais importante, permanecendo, superando, e não se contaminando com os aplausos suspeitos do imediatismo ainda e sempre interesseiro.
Bento Munhoz da Rocha Neto, Mensagem da América, p. 5 a 6, 1962.
 Imagem do Google – fotoformatação PVeiga.
Recebi, via e-mail, do amigo Jair Elias dos Santos Júnior.
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Acrescento: Bento Munhoz da Rocha Neto (Paranaguá, 17 de dezembro de 1905 – Curitiba, 12 de novembro de 1973) foi engenheiro, professor, escritor, sociólogo e político brasileiro.
Bento foi deputado federal de 1946 a 1950, quando foi eleito governador do estado do Paraná, governando de 31 de janeiro de 1951 a 3 de abril de 1955.
Em 1955 assumiu o Ministério da Agricultura, e de 1958 a 1962 foi deputado federal.
Projetou-se em âmbito nacional e internacional por sua fértil produção como ensaísta e sociólogo.
Entre suas catorze obras publicadas, destacam-se: Uma Interpretação das Américas (traduzida para o inglês), Radiografia de Novembro (2ª edição), Mensagem da América (traduzida para o inglês), Itinerário (2ª edição), Perfis, Tinguis e Presença do Brasil, entre outras.

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