quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O ESCÂNDALO DAS VAGINAS

Não entendi a comoção em torno da plástica íntima. Não entendo em que elas são eticamente diferentes de uma plástica de nariz. Ou de barriga. Ou de seios. Se a gente já se acostumou com peitos que balançam como bolas de borracha, por que fazer caso de minúsculas lacerações do tecido vaginal?

Espécime de Orchidaceae Phalaenopsis
Texto de Ivan Martins - Fonte: Revista Época e “the passira news

Fomos informados pela imprensa, alguns dias atrás, que cresce exponencialmente no Brasil o número de cirurgias estéticas de vagina. As mulheres que têm lábios vaginais muito grandes estão pagando cerca de três mil reais para reduzi-los às proporções da moda, que são modestas e delicadas. Se eu entendi direito, em vez de um botão de rosa aberto ou semiaberto, elas querem um botão cerrado. Acham mais bonitinho.
A notícia provocou o barulho de sempre. As moças engajadas foram às redes sociais dizer que esse tipo de operação representa uma violência social inaceitável. Os homens que amam as mulheres declararam seu amor incondicional a qualquer forma sagrada de vagina. Em dois minutos, apareceram dezenas de médicos explicando como a operação – embora simples e rápida – exige uma recuperação cuidadosa (um mês sem sexo!) e acarreta dois riscos sérios: infecção e perda de sensibilidade vaginal, por dano ao tecido nervoso.
Confesso que, neste tipo de assunto, estou me tornando um pessimista.
As pessoas farão coisas cada vez mais malucas com seus corpos, não importa o que a gente ache ou diga. Acredito que isso exterioriza o enorme mal estar interior com elas mesmas, que precisa ganhar forma de algum jeito. Se puderem redesenhar seus corpos – da forma como não conseguem alterar seus sentimentos – farão isso cada vez mais agressivamente, sob qualquer desculpa, inclusive a de se tornar mais atraentes. Temo que no futuro vivamos num livro de ficção científica de Willian Gibson, em que os personagens têm olhos cor de rubis, vaginas artificiais nas coxas e carregam clitóris embaixo dos braços. Eu chamaria isso de inferno, mas muitos acharão que é o paraíso. Dito isso, e talvez por ser um pessimista, eu não fiquei escandalizado com as cirurgias estéticas de vagina. Não entendo em que elas são eticamente diferentes de uma plástica de nariz. Ou de barriga. Ou de seios. Se a gente já se acostumou com peitos que balançam como bolas de borracha, por que fazer caso de minúsculas lacerações do tecido vaginal? Pergunto aos meus botões ignorantes se uma lipoaspiração é menos nojenta, agressiva, perigosa ou de qualquer maneira menos fútil que uma plástica corretiva na vagina – e não recebo deles resposta satisfatória.
Sendo homem, tampouco faço ideia de como seja estar insatisfeito com a própria vagina, achá-la desengonçada, pelancuda, feia. Já ouvi mulheres com esse sentimento e elas me pareceram tristes. Minha primeira impressão é que o amor e o desejo dos parceiros deveriam ajudar a colocar isso de lado, mas talvez em alguns casos essas atenções faltem, ou sejam insuficientes. Deve haver situações em que a modificação do corpo seja mais que mera estupidez ou frivolidade, e talvez um psicólogo seja a pessoa adequada para ajudar a determiná-las.
Embora eu não saiba nada sobre os sentimentos da vagina, sei como os homens se sentem em relação ao pênis.
Milhões vivem profundamente insatisfeitos com a forma e, sobretudo, com as dimensões que receberam da natureza. Se houvesse a certeza de mudar essa situação com uma cirurgia de três mil reais, de curta duração e baixo risco, tenho certeza de que muito se atirariam a ela como loucos - desesperados e famintos. Quem, sendo homem, sabendo como cada um de nós se sente em relação ao próprio pênis, diria a outro homem que não fizesse por si mesmo essa graça? Mas não existe uma cirurgia segura que ofereça a prodigalidade peniana. Portanto, estamos livres para rir, julgar e invejar as mulheres.
Não quero com isso endossar de forma nenhuma as plásticas vaginais. Já disse que acho esse modismo uma expressão da nossa coletiva (e inexorável) maluquice. Mas tampouco fico confortável vendo as pessoas que fazem esse tipo de procedimentos sendo estigmatizadas. Acho patético que uma sociedade que foi tão longe em incentivar o flagelo corporal das mulheres em nome da beleza se volte coletivamente contra a mais recente manifestação da sua própria loucura – apenas outro sintoma, sutil e delicado, de que coisas muito mais importantes estão erradas.


Ivan Martins é editor-executivo de ÉPOCA).

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