segunda-feira, 26 de março de 2012

CHICO E SUAS MÚLTIPLAS FACES

Por Luiz Antonio Domingues
Enaltecer a obra genial de um artista ultra talentoso e multimídia como foi Chico Anysio, é chover no molhado.
Em meio a inúmeras manifestações de pesar e retrospectivas que inundaram a mídia por ocasião de seu falecimento, muito já foi dito nesse sentido.
Impressionou-me, sobretudo uma declaração em meio às diversas que assisti. A atriz Marília Pera foi feliz ao dizer que ele poderia ser comparado ao grande Charles Chaplin, pois como o britânico, também escrevia, dirigia, produzia, atuava e muitas vezes foi responsável também pela trilha sonora de seus programas humorísticos.
Essa é uma verdade da qual ninguém pode discordar claro. Talvez o humor de Chico não fosse uma unanimidade, embora quase possa se dizer que chegou perto dessa marca.
Alcançando as camadas mais simples da população com um humor coloquial, mas não exatamente popularesco como Renato Aragão, por exemplo, Chico criou personagens profundamente críticos dos maneirismos da sociedade brasileira.
Entre os seus mais de duzentos personagens criados, muitos se destacaram nesse olhar crítico que tinha.
E de fato, ele tinha o dom da observação arguta, reproduzindo vozes, trejeitos, sotaques e, sobretudo criando dúzias de bordões que influenciaram gerações de telespectadores.
Como se diz geralmente, seus bordões "pegavam" e as pessoas os repetiam aos borbotões pelas ruas do Oiapoque ao Chuí.
Seu primeiro personagem criado ainda para o formato radiofônico, foi o do "Professor Raimundo". Levado posteriormente à TV virou um dos seus maiores êxitos, não só por ele em si, mas também por proporcionar a criação de outros tantos personagens curiosos, trazendo a reboque outros grandes comediantes. Sem dúvida que o "Professor Raimundo" era uma crítica dura à falta de empenho crônico do governo com a educação de qualidade.
Lidando com uma classe de alunos, perfeitos idiotas mal formados, o Professor sofria para lhes dar uma melhor condição educacional, desmascarando a falta de apoio governamental e ainda por cima, denunciando os salários de fome que costumeiramente são oferecidos aos professores.
Outro personagem muito interessante é o político corrupto, "Justo Veríssimo". Não é preciso se alongar muito para explicar a sua razão de ser, a não ser revelando o seu clássico bordão: "Eu quero que Pobre se Exploda". Alguma semelhança com a vida real em Brasília?
E o "Coalhada”? Não é o típico deslumbrado e super mal preparado jogador de futebol que entra em evidência e só diz asneiras aos repórteres?
Lembra-se do "Nazareno”? O mal ajambrado funcionário público, desmotivado e mal remunerado que empurra a vida com a barriga, acomodando-se na mediocridade.
Outro exemplo de emergente despreparado é o galã de novelas, "Alberto Roberto". Um pedante forjado pela fama, mas que não passa de um canastrão iletrado.
Nesse mundo de vaidades da TV, Chico foi muito crítico, pois além de "Alberto Roberto”, criou "Bozó", o arrogante funcionário da Globo que para toda a situação dava a sua "carteirada", exibindo o crachá daquela instituição, como se trabalhar lá fosse um salvo conduto. Chico sabia que muitos que trabalham lá, pensam de fato dessa forma...
Lembra-se de "Al Cafone”? Um mafioso brazuca, extremamente boçal e inspirado no Al Capone de Chicago.
"Canavieira" é outro político populista e corrupto. Vivia inaugurando obras inacabadas e inúteis, embolsando o dinheiro superfaturado das licitações fraudulentas. "Paulo Jeton" era outro político que amava a mordomia brasiliense...
"Capitão Trovão" era um ex-torturador da ditadura militar e que vivia encontrando suas vítimas.
Entre os "coronéis" nordestinos, verdadeiros senhores feudais, ele criou vários: "Coronel Limoeiro"; "Coronel Bezerra"; "Coronel Candinho"; "Coronel Lidu", "Coronel Lindomar”...
Nos motes místicos ou religiosos, buscou inspiração para cutucar gurus, falsos profetas, líderes religiosos e videntes. Como não se lembrar de "Tim Tones"; “Profeta"; "Divino", "Painho", "Velho Zuza"; Padre Miguel...?
"Lingote"; "Baiano e Os Novos Caetanos", "Jovem", "Zelberto Zel" e tantos outros que satirizaram a juventude e suas gírias, manias e maneirismos.
Malandros cariocas como "Tavares", "Lord Black" e "Azambuja", devem ter sido criados com o Chico andando pelas ruas do Rio e observando o movimento no Largo da Carioca, Cinelândia e Praça Tiradentes.
Um de seus personagens mais adorados chegou a virar livro. O mitônamo "Pantaleão", que mentia compulsivamente e cujo bordão clássico, "É mentira, Terta”? Foi objeto de um livro lançado nos anos setenta.
"Santelmo" foi um personagem que brincava com a utopia. Seu mote era ser tão honesto, que jamais mentia. Uma ironia fina que o cinema americano abordou no filme "Liar", protagonizado por Jim Carrey, cujo personagem era um advogado que foi enfeitiçado e nesse feitiço, ficou impossibilitado de mentir, gerando diversos embaraços aos seus clientes nos tribunais.
Enfim, arrolei alguns, mas não todos e em cada um, a ironia fina e crítica estava muito bem delineada e o humor de Chico fazia com que o povo brasileiro risse muitas vezes, dele mesmo.
Tenho certeza de que ele chegou ao céu com seu bloquinho de notas, uma canetinha esferográfica e já está observando aquelas pessoas de camisolões brancos, pisando em nuvens. Logo mais, lança mais personagens geniais...

Um comentário:

Janete disse...

Para mim, que gosta do Chico Anysio, foi um belo comentário dele, e de alguns de seus personagens.
Não havia pensado na comparação do Chico com Chaplin, mas é bom saber que temos gênios em nossa cultura artística.