sábado, 4 de fevereiro de 2012

ITACOATIARA/PARINTINS

Hiram Reis e Silva, Parintins, AM, 03 de fevereiro de 2012.

Vermelho
(Chico da Silva - 1996)

A cor do meu batuque
Tem o toque e tem
O som da minha voz
Vermelho, vermelhaço
Vermelhusco, vermelhante
Vermelhão

-  Partida de Itacoatiara (30.01.2012)
Parintins - cavalgando
Partimos, João Paulo e eu, por volta das cinco horas, antes do amanhecer. Esta jornada seria a mais curta e mais fácil de todas as quatro até Parintins, um trajeto de apenas 55 km relativamente abrigado dos fortes banzeiros, mas o destino final era o mais adequado para aportar o Piquiatuba, nosso Barco de Apoio. As luzes da cidade e das embarcações ao logo da margem esquerda do Amazonas balizavam nosso trajeto, progredíamos, sem pressa, aproveitando a escuridão para aquecer, lentamente, a musculatura preparando-a para um esforço maior quando o dia clareasse. O alvorecer trouxe consigo o prenúncio de tempestade vindo de Uricurituba que se confirmou tão logo penetramos no Paraná do Serpa, ao Norte da Ilha do Risco. Mais que o banzeiro, que formava ondas de até 60 cm, foram os ventos de través que prejudicavam a progressão. Aproamos em direção à Ilha do Risco buscando refúgio das fortes rajadas, protegidos pelo barranco e pelas árvores, que deveriam beirar os 45 km/h. Como não tínhamos colocado a saias nos caiaques precisei pedir à tripulação Piquiatuba que improvisassem uma vasilha feita de garrafa de refrigerante para que o João Paulo retirasse a água que entrara no seu caiaque. Mais uma vez a superioridade do meu caiaque “Cabo Horn”, da Opium, ficou patente, as águas que atingiam a proa eram desviadas do “cockpit” graças ao “alto volume” do convés. Ultrapassando a Ilha do Risco aproamos para a margem direita, ano passado em virtude da vazante eu rumara para jusante da Ilha Panumã e dali rumara, rio acima, para a foz do Ramos, agora, em virtude da cheia, podíamos, juntamente com a embarcação de apoio, acessar o Paraná do Ramos diretamente de montante.

Chegamos cedo, apenas cinco horas de navegação. O Marçal foi passear, em terra, com a equipe canina formada pelo “cochinha” reforçada agora pela cadelinha “chocolate” adotada em Manaus. Fui ao encontro do Marçal e trouxemos uma enorme cabaça que o Mário preparou, retirando toda a polpa, para que a Rosângela a transformasse em peça de artesanato. Colocamos nossa pequena malhadeira para pescar o “peixe nosso de cada dia” e, mais tarde, incrementamos nossa refeição com pescado fresco. À tarde iniciei a leitura da obra de Theodor Koch-Grünberg, “Dois anos entre os Indígenas”, que adquirira em Itacoatiara. Milhares de minúsculas moscas importunavam a todos e resolvi passar o óleo de andiroba no corpo e nas proximidades dos pontos de luz para onde eram atraídas. Depois de algum tempo centenas delas estavam coladas no óleo e não importunavam mais ninguém.

-  Partida da Foz do Paraná do Ramos (31.01.2012)

Partimos cedo e, novamente, o trajeto abrigado do Paraná do Ramos e a tênue brisa da madrugada permitiram que gradualmente fôssemos aumentando nosso ritmo. Ao longe enormes armazéns flutuantes carregados de peças automotivas eram impulsionados preguiçosamente pelos poderosos empurradores em direção a Manaus. Fizemos uma pequena parada na margem esquerda onde, por coincidência, parara, em janeiro do ano passado, nosso amigo Ângelo Corso na sua trajetória de Santarém a Manaus. Desta parada decidi buscar a margem esquerda enfrentando os banzeiros, de ondas de até 70 cm, característicos dessa região. Fizemos uma segunda e última parada em um enorme banco de areia nas proximidades de Uricurituba. Tivemos de margear o areal, durante um bom tempo, até achar um lugar seguro para aportar. O grande número de troncos, em diversas linhas paralelas, formava um verdadeiro bastião que impedia o acesso à praia. Devidamente hidratados e alimentados (bananas e cápsulas de guaraná), atravessamos para a margem direita na altura de Uricurituba enfrentando os fortes banzeiros incentivados por um verdadeiro séquito de botos tucuxis e vermelhos que evoluíam graciosamente num nado extremamente sincronizado. Eu já observara, por diversas vezes, sincronismos deste tipo com dois botos, mas raramente, como agora, de três. Chegamos, por volta do meio-dia, depois de remar 75 km, na Ponta Grossa (Ponta dos Mundurucus), e estacionamos em frente à residência do Sr. Sebastião, onde dei prosseguimento à leitura da obra de Koch-Grünberg. O Sr. Sebastião divide seu dia a dia entre o entreposto de combustível e as plantações, onde cultiva milho, macaxeira, coco, banana, graviola e vende o cacau e cupuaçu “in natura”. Ao anoitecer fomos assaltados por enormes hordas de Carapanãs que só deram certa trégua depois do anoitecer e do Mário ter improvisado um defumador com ervas verdes.

-  Partida da Comunidade da Ponta Grossa (01.02.2012)

Partimos antes da alvorada, e na altura da Costa do Giba, em frente à Ilha das Garças, juntamente com os primeiros raios de sol teve início uma apresentação de um formidável e soturno coral de guaribas acompanhado, ao fundo, por um desafinado bando de aves preguiçosas que pareciam ter sido acordadas pelos rugidos dos grandes monos. Fizemos uma primeira parada para o João Paulo colocar a saia no caiaque e, logo em seguida, antes de adentrar no Furo do Albano, avistamos as enormes e belas Barreiras do Carauaçu (erosões), moldadas pacientemente pelas águas do Grande Rio que contra elas inflete diretamente ao fazer uma pronunciada curva à direita. As Barreiras multicoloridas situadas na margem esquerda do Rio Amazonas variam dos 70 a 120 metros de altura e emprestam um novo e extraordinário visual ao itinerário. No furo do Albano fizemos mais uma parada num grande areal e mostrei ao João Paulo qual seria nossa futura rota. Fizemos a terceira e derradeira parada no mesmo local do ano passado. Nele existe uma frondosa árvore coberta de bromélias, a diferença é que a pequena praia onde havia aportado já não existe mais levada que foi pela força das águas. Chegamos ao nosso destino na Ilha do Bispo pouco antes das treze horas depois de percorrer 77 km.

À tarde eu e a Rosângela acompanhados do Mário, Marçal e a tripulação canina fomos fazer um passeio de voadeira e conhecemos o Sr. Álvaro, um pequeno agricultor que sobrevive do beneficiamento da Malva e da Juta assim como outras trinta famílias que tiram seu sustento da Ilha do Bispo de propriedade da Diocese de Parintins. Alegre, educado e muito conformado com seu destino, o Sr. Álvaro vive sozinho no seu casebre na Ilha, sustentando, a duras penas, os familiares que residem em Parintins. A produção, curiosamente, é vendida para uma empresa de Belém gerando divisas para o Estado vizinho.

Juta (Corchorus capsularis) - planta herbácea cultivada para a obtenção de fibras têxteis com as quais se fabrica o tecido do mesmo nome. Ela deve ser cortada logo que a flor murcha. As partes cortadas são amolecidas em água estagnada e, ao fim de um período de 12 a 25 dias, facilitando a retirada da casca das hastes sem que se rompam as fibras. São, então, novamente submetidas à imersão para lavagem e, em seguida, postas a secar. Em 1929, os colonos japoneses tentaram introduzir a juta na Amazônia, mas, apenas cinco anos mais tarde, o senhor Ryoto Oyama conseguiu produzir uma variedade de juta adaptada às condições amazônicas.

Malva (Urena lobata) - pertence à família das Malváceas, nativa da Amazônia, adaptando-se muito bem às terras firmes e várzeas altas dos estados do Pará e Amazonas. Seu cultivo desenvolveu-se naturalmente em solo paraense a partir dos anos 30, sendo introduzida nas várzeas altas do baixo Amazonas a partir de 1971. Hoje representa quase 90% da produção de fibras vegetais da região.

Algumas medidas governamentais esporádicas apontam para uma tentativa de tornar este comércio novamente lucrativo, mas seu sucesso esbarra em um competidor desleal, as fibras sintéticas e a juta mais barata ofertada pela Índia. O Polo Industrial de Manaus inaugurou, no dia 9 de novembro de 2011, a Bras Juta, fábrica de beneficiamento de juta e malva. A iniciativa tem como objetivo retomar a indústria de fibras no Estado do Amazonas, reduzindo as importações da juta indiana. A nova fábrica vai gerar cerca de 600 empregos diretos e fomentar a cadeia produtiva do segmento incentivando o setor primário e beneficiando, principalmente, os agricultores dos municípios de Manacapuru, Codajás , Anori, Anamã. O Governo Federal deveria fazer a sua parte propondo e sancionando uma lei determinando o emprego obrigatório de sacos de fibra vegetal na embalagem de determinadas produtos e sementes, como era feito no passado com o café exportado. Esta atitude estaria plenamente de acordo com o desenvolvimento sustentável, diferentemente dos produtos que se encontram no mercado atual.


Chegaram alguns amigos de Álvaro trazendo carne comprada em Parintins. Deixamos em paz mais este herói anônimo esquecido pela sorte e pelos governos na imensidão da nossa Amazônia. Da Ilha do Bispo partimos para uma visita ao Paraná do Mocambo (Arari), Distrito de Parintins. O Paraná está inserido em uma enorme área de várzea e é cortado por pequenos canais. Fizemos uma parada para contemplar algumas Vitórias Amazônicas em flor enquanto uma pequena Jaçanã (macho) esbravejava nas proximidades. Descobrimos a razão de sua fúria, quatro pequenos ovos chocavam no meio de um mal feito ninho de capim-memeca. O “Cochinha” olhava extasiado a estranha vegetação aquática enquanto a impulsiva “Chocolate” tentava pular sobre as superfícies arredondadas das Vitórias Amazônicas.

A Jaçanã macho, cuidando dos quatro pequenos ovinhos deitados sobre a superfície da Vitória Amazônica, fizeram-me recordar a lenda da Jaçanã e da Ipuna-Caá reportada pelo meu querido Mestre e amigo Coronel Berthier no seu livro “Amazônia legendária”.

-  Lenda da Ipuna-Caá e da Jaçanã
    Fonte: Altino Berthier Brasil.

Vitória Amazônica, Vitória Régia ou Ipuna-Caá: é uma planta aquática da família das Nymphaeaceae, típica da região amazônica. Ela possui uma grande folha em forma de círculo, que fica sobre a superfície da água, e pode chegar a ter até 2,5 metros de diâmetro e suportar até 40 quilos se forem bem distribuídos em sua superfície. Sua flor (a floração ocorre desde o início de março até julho) é branca e abre-se apenas à noite, a partir das seis horas da tarde, e expelem uma divina fragrância noturna adocicado do abricó, chamada pelos europeus de "rosa lacustre", mantêm-se aberta até aproximadamente as nove horas da manhã do dia seguinte. No segundo dia, o da polinização, a flor é cor de rosa. Assim que as flores se abrem, seu forte odor atrai os besouros polinizadores (cyclocefalo casteneaea), que a adentram e nelas ficam prisioneiros. Outros nomes: irupé (guarani), uapé, aguapé (tupi), aguapé-assú, jaçanã, nampé, forno-de-jaçanã, rainha-dos-lagos, milho-d'água e cará-d'água. Os ingleses que deram o nome Vitória em homenagem à rainha, quando o explorador alemão a serviço da Coroa Britânica Robert Hermann Schomburgk levou suas sementes para os jardins do palácio inglês. O suco extraído de suas raízes é utilizado pelos índios como tintura negra para os cabelos. Também utilizada como folha sagrada nos rituais da cultura afro brasileira e denominado como Oxibata. (Fonte: José Flávio Pessoa de Barros)

Jaçanã: pássaro da família: jacanidae e da espécie: jacana jacana. Comprimento: 25 cm; peso: macho 70 g; fêmea 160 g. Presente em todo o Brasil, e também do Panamá à Argentina e Uruguai. Comum em pântanos, lagos com vegetação aquática e em poças d'água com bordas vegetadas. Raramente nada. Alimenta-se de insetos, caramujos, peixinhos e sementes. Faz ninho em capinzais ou em vegetação aquática flutuante ou emergente. Põe em média 4 ovos marrom-oliváceos estriados de preto. Uma mesma fêmea costuma pôr ovos para dois ou mais machos, os quais a expulsam e se encarregam de chocá-los durante 21 a 28 dias. Quando ameaçado, o pai foge correndo, às vezes agarrando os filhotes e levando-os sob as asas. Fora do período reprodutivo é migratório, associando-se em bandos. Conhecido também como cafezinho, menininho-do-banhado (Rio Grande do Sul), enxofre, casaca-de-couro (Minas Gerais), marrequinha (Bahia) e jaçanã-preta. O nome piaçoca é utilizado na Amazônia.

Os aimarás constituíam uma tribo de índios que se espalhava pela região do lago Titicaca, compreendendo territórios hoje pertencentes à Bolívia e ao Peru.

Aimarás: indivíduo dos aimaras, povo indígena dos Andes peruanos e bolivianos, de língua do filo andino-equatorial, atualmente restrita à Bolívia e ao Peru, mas que outrora foi falada em toda a área dos Andes centrais.

Havia terminado a festa das águas. Sisa (flor), uma formosa virgem daquela raça, tomou-se de paixão por Kittzi (veloz), um dos vencedores das provas esportivas, e com ele combinou casamento para o próximo plenilúnio. As famílias dos futuros cônjuges de há muito acompanhavam satisfeitas o evoluir daquele afeto que vinha se pronunciando na ayllu (aldeia), pela ternura demonstrada e pelos frequentes mimos de flores e frutos trocados pelos jovens. Entre os ameríndios as flores representavam a maior demonstração de amor, e era corrente a versão de que “depois das flores vinham os frutos”.

Plenilúnio: lua cheia.

Sisa, na exuberância juvenil de seus quinze anos, jurou amor eterno ao seu pretendente, em ato que o curaca oficializou para todo o modesto “pueblito”.

Curaca: chefe temporal das tribos indígenas.

A esse tempo, Francisco Pizarro já havia se apoderado de Cuzco. Seus embaixadores, amparados na respeitosa imunidade que a superstição indígena lhes oferecia, espalharam-se em pequenos contingentes pelas províncias que constituíam o legendário império do Tahuantinsuyo, na cata de toda riqueza que encontrassem. Don Garcia de Peralta, um desses emissários, surgiu inopinadamente no “pueblo” aonde vivia o jovem casal de noivos. Com ares de conquistador, o guerreiro espanhol desfilou garboso, montado em seu corcel branco, pelas ruas da ayllu, num exibicionismo de quem se julga dono de tudo e de todos. Ao cruzar por Sisa, manhoso como um leopardo, lançou seu olhar de fera sobre a bela jovem, marcando bem aquela que designou para sua presa. Cabeça baixa, a índia notou o olhar penetrante e o sorriso petulante daquele cínico cavaleiro barbudo. À noite, contou tudo ao pai e ao noivo, os quais, tristemente alarmados, ficaram pensando como se defender do atrevido impostor. Na mesma noite D. Peralta envia a Sisa um ramo de flores de ishpingo (cinamomo) e uma bandeja com mishki (favos de mel). Ao tempo em que entrega os presentes, o mensageiro intima Kittzi e Sisa a irem ter, incontinente, com o Chefe, sob pena de serem condenados por crime de desobediência. Sisa, pelo mesmo portador devolve os presentes, e Kittzi segue sozinho, escoltado por dois irmãos, até a casa onde estava hospedado D. Peralta. Por mais que fosse esperado de volta, o jovem não retornou. Ao amanhecer do dia seguinte, soube-se que ele estava preso incomunicável porque se negara a renunciar ao amor de Sisa. A seguir correu a notícia de que à tarde, o temível cão Bezerril, tratado exclusivamente com carne humana, iria devorar na “plaza de armas” o “herege subversivo”. Kittzi, indignado com a injustiça e com a cruel discriminação feita em nome da Igreja cristã, permaneceu firme, como guerreiro que era. Foi untado com banha de vicunha para melhor despertar o apetite do Cérbero esfaimado, em jejum há 24 horas.

Vicunha: mamífero ruminante (Lama vicugna) distribuído nos Andes, do Equador à Bolívia, de pelame marrom-claro, esbranquiçada no ventre. São sociais, vivendo em pequenos bandos, e produzem lã finíssima; taruca, taruga.

Cérbero: cão monstruoso de três cabeças e cauda em forma de serpente que guardava a entrada do inferno e permitia a entrada de todos, mas não permitia que ninguém saísse.

Sisa concerta então com seu pai um plano desesperado. Veste-se com suas melhores roupas, cobre-se de ouro, perfuma-se, e depois unta os lábios com uma tintura gelatinosa, que também passa na ponta das unhas. Pressurosa e exuberante, parte ao encontro de D. Peralta. Vitorioso e radiante o espanhol corre receber sua musa indígena. Sisa pede-lhe por Inti (o Sol) e pela “mamaHuira-Cocha (a mãe Natureza) a liberdade de Kittzi, que metido a ferros, espera resignado e altivo, a um canto da sala, a hora do suplício. D. Peralta tem pendurada ao cinto a chave dos grilhões. Abre os braços vigorosos e recebe palpitante a jovem aimará, a qual, alucinada de ódio coloca os lábios virginais na boca impudica do fidalgo, simulando estar vencida pelo amor. Com fúria selvagem enlaça o aventureiro pelo pescoço, beijando freneticamente e mordendo-o nos lábios e no rosto. D. Peralta emocionado com aquela súbita e inesperada demonstração de carinho sente ter dominado o orgulho da jovem. De repente, porém, desfalece e cai agonizando para o lado. Sem perda de tempo, Sisa pega as chaves e põe Kittzi em liberdade, dizendo-lhe:
-  Foge, meu querido; és livre... D. Peralta está morto, mas também eu não vou escapar. Ele me retribuiu as pequenas dentadas que lhe dei para injetar em seu sangue o curare que portei nos lábio e nas unhas...

Kittzi, que conhecia bem o efeito daquele terrível jambi (veneno), toma sua amada nos braços e diz:

-  Sisa, morreremos juntos, já que não poderei viver sem ti... E colocando a boca sobre os lábios da moça, beija-a apaixonadamente. Sisa, apesar de já quase expirando, enlaça-se ao noivo, beija-o ardentemente e morde os lábios daquele que será seu companheiro no Reino de Pachacámac, o Criador do mundo.

Essa desgraça produziu um grande alarme na ayllu e entre os soldados ibéricos. D. Bobadilia, subcomandante do grupamento, chorando, recolhe o corpo inerte de seu chefe para as cerimônias fúnebres. O padre não teve tempo sequer de ministrar-lhe o sacramento da extrema-unção. Indignados, os soldados arrastam bruscamente os corpos de Kittzi e Sisa até a borda de um abismo daquela gélida Cordilheira dos Andes. Balançam os corpos daqueles pagãos, e, com asco, os atiram, um a um, ao leito de um rio que corre no fundo do vale. É o Apurímac (o sussurrante), que se lança no Ene e no Tambo para tomar o nome de Ucayali, o mais legítimo formador do Amazonas. Os castelhanos observam, ao longe, os corpos sumirem nas águas barrentas, para boiarem logo depois, vivos, fortes e belos. Por toda a imensidão do vale ecoou, então, uma frase que foi logo traduzida pelos índios:

“Nosso amor é maior que a morte!”

Em seguida os noivos mergulharam e desapareceram. Desde então se tem notícia do aparecimento de uma bela planta de folha arredondada, com a forma de tabuleiro. À noite, ao lado da folha aparece uma flor bela e perfumada, inexistente em qualquer outro lugar do mundo. Essa planta espalhou-se pelo rio Solimões abaixo, adotando o nome de “IPUNA-CAÁ”, dado pelos índios do Pindorama (Brasil). Séculos mais tarde os ingleses a denominaram Vitória-Régia. Dizem os velhos que é a alma de Sisa transformada em planta. A mais bela de todas. Aquela que se tornou a rainha dos lagos encantados. O curioso é que sempre, junto à planta, é vista uma ave chamada jaçanã. Os curacas mais antigos afirmam ser Kittzi, transformado em pássaro, que jamais deixou de acompanhar sua amada. Sem dúvida, era grande a paixão dos jovens aimarás. Era “um amor maior que a morte”.

-  Partida da Ilha do Bispo (02.02.2012)
"turbulentas águas das cercanias de Parintins"
O sono foi interrompido, à noite, pelo calor e pelo movimento incessante de embarcações que passavam ao largo e miravam seus possantes holofotes para nossa embarcação. Partimos cedo, como de costume, o tempo estava razoavelmente calmo até a uns trinta quilômetros de Parintins. Os ventos fortes provocavam banzeiros com ondas superiores a 60 cm nas proximidades da margem. Eu tinha duas opções: continuar margeando a uma velocidade de 9 km/h enfrentando pequenas ondas em um percurso maior ou procurar o talvegue e enfrentar ondas maiores e encurtar o percurso. Como o João Paulo já me reclamara que as ondas amazônicas eram muito fracas decidi adotar a segunda linha de ação, com muito mais emoção, e partimos em linha reta para o Porto de Parintins. As ondas ultrapassavam 1,5 metro, volta e meia eu observava como estava se saindo meu parceiro e achei que ele daria conta do recado. O Mário, Comandante do Piquiatuba, por medida de segurança, diminuiu sua distância para uns 50 metros. A Rosângela conseguiu tirar diversas fotos deste percurso em que os caiaques mais pareciam potros xucros corcoveando sobre as ondas. Quando chegamos ao Porto, depois de percorrer 68 km, por volta das 12h30, lá estava nosso caro amigo Major PM Túlio nos aguardando. Como no ano passado ele conseguiu um maravilhoso Hotel para pernoitarmos o Hotel do Boi Ariaú Tower, cujas instalações primorosas, as melhores que encontramos nestas quatro descidas, muito nos aguardaram. Durante o almoço, contando com o testemunho da Rosângela, Comandante Túlio e a tripulação do Piquiatuba, apresentei a moção de nomear, a partir de agora, o João Paulo como canoísta tendo em vista o seu desempenho frente às turbulentas águas das cercanias de Parintins.

-  Livro

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Hiram Reis e Silva Coronel de Engenharia
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Vice- Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

Nenhum comentário: