terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

NOSSA INFINDA AUTOCRACIA SINDICAL



Por Fernando Alves de Oliveira

Em junho de 1948, após a derrubada do Estado Novo do ditador Getúlio Vargas e a redemocratização do País, e já na presidência do general Eurico Gaspar Dutra, o Brasil foi um dos signatários da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Assinada, mas não ratificada até os dias atuais. Por quê?
Como importantes referências históricas, vale recordar que Dutra liderou o movimento de novembro de 1945 que destituiu o caudilho Vargas do poder. Em setembro de 1946 viria ser promulgada a quinta Constituição Federativa. Restabelecido o regime democrático, Dutra foi eleito em dezembro do mesmo ano como novo presidente da República. Após cassar o Partido Comunista e romper relações diplomáticas com a União Soviética, Dutra foi o responsável pela criação do Serviço Social da Indústria (SESC) e Serviço Social do Comércio (SENAC) e de valer-se do Decreto-lei 9070/46 para a regulação do direito de greve em atividades essenciais, além de outros importantes feitos para a época, no âmbito interno e externo.
Estava claro que o sindicalismo intervencionista do Estado autoritário, baseado na “Carta Del Lavoro” de Benito Mussolini, não era o modelo ideal para o Brasil da época, que começava a sair da fase eminentemente colonial e engatinhava para os avanços do parque industrial. Ademais, o País sofria as agruras econômicas advindas de um mundo saído de uma segunda guerra mundial. Os mais perspicazes já enxergavam ali o embrião da globalização.
Então, por qual razão a Convenção 87 da OIT não foi ratificada e sempre postergada?
Ocorre que desde a promulgação da legislação sindical no glorioso primeiro de maio de 1943, concebida com sua irmã gêmea, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452, de Vargas) os responsáveis pelo sistema sindical brasileiro insistiram em trilhar pela bitola estreita da unicidade, que veda a existência de mais de uma categoria (laboral ou econômica) em dada base territorial, além, é claro, na plácida sustentação financeira da contribuição sindical obrigatória. Como tal, garantidas a exclusividade da representação e da arrecadação compulsória, trabalhar ou não em prol da categoria laboral ou patronal representada jamais passou de mera opção de escolha.
Ora, partindo da premissa de que a Convenção 87 proclama, dentre outros tantos fundamentos de igual ou ainda maior importância “da necessidade de melhorar as condições de trabalho e a afirmação do princípio da liberdade da associação sindical”, aliadas “à liberdade de expressão e de associação, como valores basilares para o progresso constante”, tornou-se profundamente estranhável (para não dizer vergonhoso) que o Brasil nunca tivesse optado por sua formal validação. Em verdade, nosso Parlamento –onde tal documento jaz há 65 anos- nos dias atuais nem teria mais condições formais de ratificá-lo, ante o preceito constitucional capitulado no artigo 8º da Constituição Federal promulgada em outubro de 1988, que consagrou a representação sindical fincado na unicidade e manutenção da contribuição compulsória. Ter-se-ia de mudar essa prescrição constitucional. O que é impensável.
Claro está que os Constituintes liderados pelo finado Ulysses Guimarães foram anfibológicos e incongruentes. Utilizaram-se do enganoso expediente formal de desatrelar o Estado do movimento sindical, mas mantiveram não só a unidade como a contribuição obrigatória (que possibilitaria que o mesmo Estado persistisse participando do rateio do bolo sindical e embolsando 20% do seu total). Conclusão: o Estado segue dando as cartas e jogando de mão na constituição dos sindicatos. Primeiro através de sucessivas Instruções Normativas, como a inicial que criou o “Cadastro Nacional das Entidades de Sindicatos”, afora outras que se sucederam, desaguando na Portaria 186/08 que regula o registro sindical. Em verdade, uma concessão oficial maquiada da antiga “carta sindical”...
Assim sendo, Executivo e Legislativo são tutores do corporativismo representado pelos interesses dos pelegos que infestam o sindicalismo nacional, e que em troca de apoio político-eleitoral, são credores do Estado da dádiva do dinheiro fácil, oriundo da contribuição sindical compulsória sustentadora de sinecuras, balcões de negócios e meio de vida. E para ficar muito bem explicitado: não só de dirigentes de entidades de empregados, como também de patrões.
Aliás, a não ratificação da citada Convenção 87 ou edição de ampla e saneadora reforma sindical derivam, ambas, da velha e surrada ausência de vontade política do Legislativo e do Executivo. Neste tema, o  honroso e tão decantado jargão de um Brasil globalizado e líder absoluto dos emergentes, que tanto orgulha o povo brasileiro, possui pouco ou nenhum valor. Para os donos do Poder, mais vale o atraso sindical de sete décadas. Afinal, se sindicalismo propositivo, de vanguarda, é prioridade nacional, ela é a menos importante do elenco das mais importantes. Então, para que correr o risco de mudar o que rende votos nas urnas, que, afinal de contas é o que vale a governos ávidos de perenidade de poder?
Já provei, em meus livros e em artigos anteriores, que o único governante que rivalizou com o Congresso pela extinção da contribuição sindical foi Fernando Collor de Mello. Baldados seus esforços. Foi derrotado por ele em duas oportunidades. E de goleada!
Dos contemporâneos, Fernando Henrique Cardoso, entrou e saiu mudo na questão sindical. Já seu sucessor, vindo do meio, discursou, escreveu e assinou aquilo que seria a redenção institucional, moral e ética do sindicalismo. Ledo engano. Logrou todas as expectativas, manchando sua biografia. Sua preocupação foi com o oposto, beneficiando exclusivamente os sindicalistas, seus ex-colegas. Foi solícito em ampliar a reserva de mercado onde os sindicalistas ganham a vida e sobem degraus da escada política. Prova disso? Quase 50% dos cargos públicos e das estatais estão ocupados pela casta.
Ora, a verdadeira liberdade sindical é a representada no direito de trabalhadores e empregadores se organizarem e se constituírem sem o arbítrio do Estado, tendo como manutenção econômica uma contribuição de cunho espontâneo. Como o estatuído na Convenção 87 da OIT.
E como se prova ao longo de décadas passadas e no presente quanto à total aversão pela pluralidade sindical, também é evidente o desinteresse em abdicar da contribuição impositiva em favor das de caráter voluntário. Destarte, prevalece zero de interesse em ratificar a tal Convenção, bem como levar a cabo uma reforma sindical que tire o Brasil do malsinado atraso, que envergonha os componentes da vanguarda sindical, que lutam com denodo por transformações profiláticas e que devolvam dignidade, ética e transparência ao sistema prevalecente, regido pelo defasado e caduco modelo varguista.
Até um tempo não muito distante, a CUT, braço direito do PT, recomendava de boca cheia aos sindicatos a ela filiados para que devolvessem o dinheiro recolhido da contribuição obrigatória aos contribuintes das entidades. Como no PT o discurso costuma ser o antônimo da prática, deveria ser ela, a CUT, a primeira a dar o bom exemplo, restituindo ao ministério do Trabalho e Emprego os milhões de reais que tanto ela como as demais centrais colegas recebem desde 2008, por nímia generosidade de Lula, proveniente do rateio do bolo sindical. E o que é mais grave: sem qualquer fiscalização do Tribunal de Contas da União...
Aliás, os dirigentes de todas essas centrais também deveriam explicar não só aos trabalhadores a elas filiados, mas à sociedade brasileira, quais são os reais valores institucionais e de representação sindical de suas confederações e federações (que identicamente recebem 5% e 15%, respectivamente, do idêntico bolo sindical). Afinal, quais são, na realidade, as funções institucionais dessas federações e confederações depois do advento das centrais? Como tal, quais as justificativas merecedoras da continuidade da percepção desses obesos aportes?
E em termos de política sindical, o próprio ministério do Trabalho e Emprego virou um mero carimbo. Depois da saída de Carlos Lupi (outro defenestrado com rótulo de quem saiu, como todos os demais, “a pedido”) está sendo dirigido por um burocrata de carreira. Pelo mesmo secretário-executivo, subalterno de Lupi, que, por sua vez, ainda arvora a si o direito de participar do processo de escolha de seu sucessor, cujos critérios, naturalmente, estão longe de ser os qualificativos de mérito e competência e sim os dos conhecidos critérios de divisão do latifúndio político, tão a gosto do partido que, no passado, era histriônica e visceralmente contrário a isso tudo que hoje, no Poder, pratica com tanta desenvoltura...
Por fim, a indagação é extremamente recorrente: De qual setor de atividade são originários muitos dos partícipes do governo, instalado há 10 anos e umbilicalmente metidos no mais escabroso período da vida republicana deste País em matéria de corrupção e de seguidos escândalos?
É este o quadro do nosso autocrático e senil regime sindical. Quando e quem se habilitará a reformá-lo?

Fernando Alves de Oliveira-Consultor sindical patronal, autônomo e independente, autor dos livros O sindicalismo brasileiro clama por socorro, e S.O.S.SINDICALpt, editados pela LTr e de palestra direcionada, além de dezenas de  artigos sob o tema sindical. 
 (“Por um sindicalismo patronal melhor”). 

Nenhum comentário: