domingo, 26 de fevereiro de 2012

SANTARÉM E A VOLTA À REALIDADE


Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 25 de fevereiro de 2012.

Alter-do-Chão, o chão que beijou os pés de Deus.
O jardim do Éden onde tudo aconteceu.
Hoje, muito tempo depois, malgrado a algidez
Dos corações, a poesia ressurge nas maresias
Do rio azul e dos verdes lagos.
(Paulinho Paixão - Morte a Leviatã!)

 - Cortesia “Azul Turquesa”

O Tenente-Coronel Sérgio Henrique Codelo, Comandante do 8° Batalhão de Engenharia de Construção (8° BEC), sediado em Santarém, PA, nos alojou nas confortáveis instalações da Casa de Hóspedes de Oficiais do 8° BEC. Fomos convidados a participar de dois eventos no Clube de Oficiais, um deles, de congraçamento, com os novos militares e familiares transferidos para a Unidade e um baile de carnaval para as crianças. Conversando com o novo comandante e amigo, pudemos verificar como ele se preocupa com o bem estar de seus comandados e familiares. Nos poucos dias de comando, já corrigiu alguns vícios de origem, principalmente no setor de saúde. Rememorei com ele meus tempos de Comandante da 1ª Companhia de Engenharia de Construção do 6° Batalhão de Engenharia de Construção (6° BEC) que estava localizada há centenas de quilômetros da sede do Batalhão, Boa Vista, RR. Como Comandante eu apoiei de toda forma os familiares dos profissionais que labutavam na conserva da BR 174. Construímos um Clube de Lazer, instalamos uma retransmissora de TV, abrimos um acesso a um balneário, reformamos as moradias da Vila Militar, construímos novos alojamentos para os militares e civis, saneamos a região com apoio do nosso médico e da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), prestamos atendimento médico e odontológico aos Waimiri-Atroari, refizemos toda a rede elétrica e instalamos um segundo gerador além de apoiarmos e sermos apoiados pela Camargo Correia (Hidrelétrica de Balbina) e da Paranapanema (Monas do Pitinga) que operavam na região. Os benefícios se fizeram sentir, imediatamente, na estrada já que os profissionais sabiam que seus familiares estavam devidamente apoiados.

- Visita ao Centro Cultural João Fona

A Rosângela estava envolvida com as compras no comércio e eu resolvi fazer uma visita ao amigo mestre Laurimar dos Santos Leal no Centro Cultural João Fona. O acervo do Centro é composto de cerâmicas tapajônicas, objetos históricos da Câmara de Santarém do início do século passado e o esqueleto de uma baleia Minke que, perdida, encalhou, no dia 14 de novembro de 2007, num banco de areia do Rio Tapajós. Laurimar lembrou-se de minha última visita e ficamos conversando durante algum tempo até que dois turistas se aproximaram e pediram, a ele, autorização para fotografar as peças do Centro. Afirmei que eles deveriam começar o “tour” fotográfico com aquele que é, sem dúvida, o maior dos Mestres das artes santarenas. Despedi-me do Mestre e fiz uma breve visita ao museu.


Passei pela Praça Frei Ambrósio que permite uma bela e privilegiada visão da Foz do Tapajós. A Praça foi construída no local da antiga Fortaleza do Tapajós que sucumbiu sem jamais ter cumprido sua missão. Hoje não existe qualquer traço remanescente da Fortaleza, apenas as peças de artilharia distribuídas, aos pares, na Praça do Centenário, no Aeroporto e na Sede da Sudam.


- Visita a Belterra

No ano passado tivemos a oportunidade de conhecer o senhor Valdemar Sanches da Silva, Chefe de Gabinete do Prefeito de Belterra Geraldo Irineu Pastana de Oliveira, que discorreu, com entusiasmo, sobre a história e os projetos que estavam em andamento na sua cidade visando à recuperação de seu patrimônio e sua história. O Projeto pretende mudar, parcialmente, a face da cidade fazendo-a retornar ao seu antigo visual. Voltamos este ano para verificar o que tinha sido feito.

Fomos direto ao Centro de Memória de Belterra onde encontramos, novamente, o professor Osenildo Maranhão. O Centro estava totalmente tomado por estudantes onde o entusiasmado Osenildo discorria sobre a história de Belterra e os projetos em curso, mas, infelizmente, ele nos informou que até agora só o tombamento do patrimônio foi realizado e nenhum recurso foi alocado. Colhemos algumas sementes de seringueira para levar para a Vanessa e partimos para Alter do Chão.


- Visita ao “Caribe Amazônico”

Fomos três vezes a Alter do Chão durante nossa breve estada em Santarém e, em uma delas, surpreendidos, negativamente, com a impossibilidade de usar o cartão de crédito para pagar o almoço no restaurante Tribal. A reticente funcionária informou que a orientação da casa era que o garçom deveria ter nos alertado antes, o que, definitivamente, não fora feito. É um triste artifício que já havíamos observado em Parintins, considerada uma das mais importantes cidades turísticas do Estado do Amazonas. Ainda em Parintins sofremos este tipo de constrangimento em farmácias, livrarias, hotéis e até na moderna pizzaria “Mr. Pizza”.

Alter do Chão está situada na margem direita do Rio Tapajós a aproximadamente 32 km de Santarém, pela PA 457. À frente da cidade se encontra a sua mais bela praia, a Ilha do Amor, uma charmosa “península” de imaculadas areias brancas acariciada pelas águas do Tapajós. O acesso à praia é feito por pequenas embarcações conduzidas por remadores. As praias de areias brancas, as águas esverdeadas do Tapajós, o lendário Lago Verde, que muda da coloração verde para azul durante o dia, ou Lago dos Muiraquitãs e a Serra da Piroca são apenas alguns dos magníficos atrativos naturais que atraem turistas e navios de cruzeiros marítimos. No aprazível balneário além das diversas alternativas de lazer existe uma produção artesanal bastante diversificada. O jornal inglês The Guardian, em 2009, classificou a praia Alter do Chão como uma das 10 melhores do Brasil. No inverno amazônico (época das chuvas, janeiro a junho) a praia e a Floresta Encantada (mata de várzea) ficam submersas.

Escalei, com meu filho João Paulo, o Morro de Alter do Chão, conhecido como Serra da Piroca. O acesso até o sopé do Morro é suave e a partir daí a subida se torna bastante íngreme aumentando o grau de dificuldade à medida que se sobe. No alto do morro existe uma cruz de ferro em treliça que aí foi locada em homenagem à chegada dos colonizadores a Santarém. A partir das barracas da Ilha do Amor o percurso foi vencido em pouco mais de 30 minutos.  O esforço é recompensado pela vista magnífica dos arredores de Alter do Chão e do Tapajós.

- Relatos Pretéritos de Alter do Chão

1749

Alter do Chão: vila criada em 1758 e situada seis léguas acima da Vila de Santarém na proximidade de uma empinada colina de agudo cume, que jaz sobre um Lago pouco afastado da margem direita do Rio Tapajós. Em outro tempo havia sido Aldeia de Borari. A população consta de brancos e índios em número de oitocentos e dezoito, e de dez escravos. Nossa Senhora da Saúde é o Orago de uma pequena Matriz, cujo teto é coberto com telha. As casas, a cadeia e a casa da câmara, tudo tem telhado de folhagem.
Os moradores não vivem naquele feliz estado, que a situação local da sua vila e a natureza do seu terreno lhe indicam permitir; eles não tiram vantagem da grande fertilidade das terras; a plantação mais ordinária é a da mandioca. (BAENA, 2004)

1768

56. Na barra do Rio Tapajós, à parte Oriental dele está a Vila de Santarém defendida por uma Fortaleza. Pelo Rio acima há mais quatro povoações, a saber: A Vila de Alter do Chão (antiga Borary ou Iburari), na margem Oriental e superior a Santarém 8 léguas... (NORONHA)

1817

Alter do Chão: vila ainda pequena, mas vantajosamente situada sobre um Lago em pouca distância do Tapajós, com o qual comunica, quase na falda (encosta) dum morro, que se eleva piramidalmente a uma altura assaz considerável, fica obra de três léguas ao Sul de Santarém. O povo, que a habita, composto pela maior parte de índios, cultiva variedade de mantimentos, e excelente cacau, sua principal riqueza; frequenta a caça e a pescaria. A sua igreja paroquial é da invocação de Nossa Senhora da Saúde. A princípio chamava-se Hibiraribe. (CASAL)

1852

Alter do Chão: o pequeno povoado de Alter do Chão deve o seu nome singular à existência, à entrada da baía, de um desses curiosos morros de cume achatado, tão comuns nessa parte da região amazônica, cuja forma lembra a do altar-mor das igrejas católicas. O morro em questão era isolado e muito mais baixo do que outros do mesmo tipo existentes nas proximidades de Almeirim, não devendo elevar-se mais do que cem metros acima do nível do Rio. Era desprovido de árvores, mas coberto em alguns trechos com uma determinada espécie de samabaia. À entrada da baía havia uma enseada interna, que se comunicava, através de um canal, com uma série de Lagoas situadas nos vales entre morros, que se estendiam pelo interior adentro. A Vila era habitada quase que exclusivamente por índios semi-civilizados, num total de sessenta ou setenta família; suas casas se espalhavam irregularmente ao longo de ruas largas, sobre um chão coberto de relva e no sopé de uma elevada Serra coberta de exuberante mata. (BATES)

- Santarém/São Luís do Tapajós/Santarém

O próximo Desafio será conhecer, de caiaque, o Baixo Tapajós (345 Km) no segmento compreendido entre Santarém, PA e São Luís do Tapajós (4°26'27.14"S / 56°15'4.01"O), PA, onde as embarcações navegam em qualquer época do ano. Desta vez pretendemos diminuir, consideravelmente nossa média diária para poder melhor desfrutar, observar e relatar com mais propriedade as belezas naturais da região. Vamos subir o Rio Tapajós pela margem esquerda de Santarém até São Luís do Tapajós e de lá regressar pela margem direita até Santarém, aportando nas praias, contornando baías e penetrando afluentes. O Tenente-Coronel Sérgio Henrique Codelo já hipotecou seu total apoio ao nosso novo empreendimento e esperamos contar também com o apoio das Prefeituras de Santarém, Itaituba e Alter do Chão. Meu parceiro será, desta feita, o Soldado Marçal Washington Barbosa Santos, da equipe fluvial do 8° BEC, que usará o caiaque doado a ele por meu filho João Paulo para me acompanhar.

- De Volta à Realidade

Regressamos à dura realidade de nosso dia-a-dia, a mãe de meus filhos permanece aprisionada ao catre, as contas se acumulam... Quantas e quantas vezes as pessoas se admiram de nossas amazônicas jornadas, mal sabem elas que elas representam para mim a possibilidades de manter a sanidade, os momentos idílicos amazônicos servem-me de bálsamo para o espírito e para o corpo.
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Fontes:
BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Ensaio Chorographico do Pará – 1839 – Brasil – Senado Federal, 2004.
BATES, Henry Walter Bates. Um Naturalista no Rio Amazonas – Brasil – Ed. Itatiaia, 1979.
BERREDO, Bernardo Pereira. Annaes Históricos de Berredo – Itália, Florença – Typographia Barbera, 1905.
CASAL, Manuel Aires de. Corografia Brasílica – Brasil – Edições Cultura, 1943.
NORONHA, José Monteiro de. Roteiro da Viagem da Cidade do Pará até as Últimas Colônias do Sertão da Província (1768) - Brasil - São Paulo, 2006 - Livraria Itatiaia Editora Ltda - Editora da Universidade de São Paulo.

- Livro

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:


Hiram Reis e Silva Coronel de Engenharia
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Vice- Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

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