sábado, 18 de fevereiro de 2012

ORIXIMINÁ/ÓBIDOS/SANTARÉM


Hiram Reis e Silva, Santarém, PA, 16 de fevereiro de 2012.

Quando me encontrava em serviço ativo do Exército e dirigia os trabalhos da Inspeção de Fronteiras, executei pessoalmente a exploração e o levantamento do Rio Cuminá (1928/29), (...). Nestes trabalhos, serviram-me de guia os “Diários de Viagens”, manuscritos, do Reverendo Padre Nicolino José Rodrigues de Sousa, judiciosamente organizados, sob escrupulosa exatidão, e onde se encontram, como o leitor verá, considerações de ordem filosófica e interessantes pensamentos, que definem a arraigada fé católica do autor e denunciam os seus sentimentos elevados e filantrópicos. (Cândido Mariano da Silva Rondon)

Oriximiná-Rio Cuminá/Taquari
Eu havia confessado, durante minhas conversas ao jantar, à tripulação do Piquiatuba que a única a carne que considero mais saborosa que a dos peixes amazônicos, como bom gaúcho da fronteira, é a de ovelha. Nunca imaginei que o Comandante Mário, sabendo disso, buscasse, por todos os meios, achar nas cercanias de Oriximiná um carneiro para me oferecer uma churrascada na sua terra natal. O animal foi carneado e assado às margens do belo Cuminá adornadas pelas vistosas taquaris em plena floração e degustado por toda a equipe além da companhia muito agradável de seus pais. Na véspera da partida para Santarém o Mário nos levou até a bela Cachoeira do Jatuarana, com uma queda de 15 metros, que fica aproximadamente a 60 km da cidade.

- Partida de Oriximiná, PA (12.02.2011)

Deixávamos Oriximiná felizes por termos, mais uma vez, contado com o apoio irrestrito dos nossos Irmãos Maçons da Loja Vitória Régia n° 33, encabeçados pelo Irmão maçom Hamilton Souza (o Ariuca), o Capitão PM Marcelo Ribeiro Costa, Comandante de Oriximiná e seu Sub-comandante Capitão PM Flávio Antônio Pires Maciel da gloriosa Polícia Militar do Estado do Pará. Acordamos cedo, antes de o sol nascer, e às 06h15 (Horário de Brasília) chegamos ao trapiche onde estava a tripulação e o João Paulo. Parti às 06h30, ainda às escuras, num ritmo forte para vencer rapidamente os 50 km que me separavam de Óbidos. As águas fortes do Paraná do Cachoeiri emprestaram uma energia adicional ao Rio Trombetas e a pouco mais de 12 km do meu destino, ao alcançar a foz do Trombetas, foi a vez das águas do Rio Amazonas reivindicarem sua autoridade e mostrarem toda sua pujança. A partir da foz o Rebelo resolveu me acompanhar e picamos a voga até as proximidades do Porto Hidroviário de Óbidos, na frente do Frigorífico Pasquarelli, onde aportamos às 11 horas depois de eu ter remado 04h30.

- Óbidos, PA (13.02.2012)
ÓBIDOS:
(1)-Casario antigo; (2)-Museu; (3)-Grupo de Artilharia de Costa (4)-Catedral de Óbidos.
O belo complexo arquitetônico, do século XVII, onde se destaca o Forte dos Pauxís e centenas de edificações de arquitetura colonial portuguesa justificam o fato da cidade ser considerada “a mais portuguesa das cidades do Estado do Pará”. Chegamos à cidade justamente durante a realização do seu maior evento turístico, o carnaval (Carnapauxis), que dura mais de uma semana.

- Carnapauxis
    Fonte: Secretaria de Cultura de Óbidos

Visitamos a secretaria de Cultura, sediada nas antigas instalações do 4° Grupo Artilharia de Costa, construído em 1909, onde havia uma exposição do material utilizado pelos sete blocos carnavalescos.

Bloco Pai da Pinga

O Bloco caracteriza-se pela sua irreverência e pela sua contagiante alegria que leva ao Carnaval obidense toda segunda feira. A concentração acontece sempre no Bar do Cachorão, Bairro de Santa Terezinha, em frente à Praça do Bairro, onde seus personagens, como: “A Princesinha do Boi”, “José Ivan”, o matemático, “Márcio Fruta”, que só canta em “Inglês”, “Nilda Furacção”, a rainha do brega, “O Boi”, “Fon fon” e seus novos personagens, “Dica Distribuidora de Corações”, “O Esculhambado do Curumu”, “Dilma Russeff” entre outros, fazem as suas apresentações.

Bloco Unidos do Morro

O Bloco participou pela primeira vez do Carnaval de 1994, fazendo o arrastão de seus foliões, na segunda-feira, fantasiados de dominós, máscaras, bexigas e capacetes, onde o objetivo é não ser reconhecido pelos outros foliões, pois caso isso aconteça, o brincante será “manjado” (desmascarado), e obrigado a retirar a máscara. O “manjado” continuará brincando o carnaval, tomando banho de maizena, trigo, talco, entre outros. O nome “Unidos do Morro” tem origem do antigo nome do Bairro, hoje atual Bairro de Fátima.

Bloco das Virgens

O Bloco originou-se de uma brincadeira de rapazes reunidos no Bar do Mochila no bairro de Santa Terezinha, numa terça-feira Gorda, dia 23 de fevereiro de 1993, onde as mulheres não podiam participar do Bloco, para que as “Virgens” (Homens vestidos de Mulheres), não tivessem concorrência. Nos anos que se seguiram, o “Bloco das Virgens”, foi ganhando mais adeptos incorporando membros de toda cidade, transformando-se no maior de todos os blocos. A melhor virgem caracterizada é premiada.

Bloco Mirim Unidos do Umarizal

Fundado em 20 de fevereiro de 1998, o Bloco Mirim como é conhecido, é composto exclusivamente por crianças de todos os bairros, principalmente os bairros de Lourdes e Cidade Nova por ficarem próximos a Concentração. Nesse dia as crianças saem pelas ruas fantasiadas e mascaradas, esbanjando muita alegria e beleza. O Bloco geralmente se apresenta nas quintas-feiras de Carnaval, com muita animação e arrasta em seu cortejo, um número grande de foliões, chegando a aproximadamente de 5.000 pessoas, tendo um destaque maior o número de crianças vestidas de “Mascarado”.

Bloco Unidos da Serra da Escama

No ano de 1998, um grupo de amigos teve a idéia de criar o seu bloco carnavalesco que foi denominado “Bloco Serra da Escama”, tendo em vista que a maioria de seus integrantes residia nas proximidades da “Serra da Escama”, que outrora serviu de base para a instalação da Defesa Gurjão. O bloco carnavalesco “Unidos da Serra da Escama” tem também como seu objetivo, fazer um apelo à sociedade obidense na tentativa de preservação de seu passado. O Bloco geralmente se apresenta nas sextas-feiras de Carnaval.

Bloco Águia Negra

Bloco organizado em homenagem ao Clube Vila Nova, Clube dos Corações dos moradores do Bairro da Cidade Nova. O bloco tem na sua comissão de frente, moças vestidas a caráter, trazendo em sua escolta uma imensa Águia Negra, símbolo do clube, que deu origem ao nome do bloco. Fundado em 31 de janeiro de 1998, e desfila no sábado de carnaval arrastando em seu cortejo um número muito grande de foliões e simpatizantes que ostentam as cores vermelho e preto símbolo do bairro Cidade Nova.

Bloco Xupa Osso

 É uma continuação do antigo “Bloco Barreirão” que saía todos aos domingos do mês de janeiro e fevereiro Praça Barão do Rio Branco conhecida com Praça de Sant’Ana especificamente da residência do Sr. Emanuel Kelly Santos de Aquino (Pauca). O nome chupa Osso tem origem no apelido dado aos filhos de Óbidos. O apelido surgiu no final da década de 60 quando o empresário Sr. Isaac Hamoy exportava osso para os Estado Unidos e a maioria dos obidenses vendiam osso ao referido empresário. Esse apelido foi dado pelo município vizinho à cidade de Oriximiná que eram nossos rivais e conhecidos como “Espoca-Bode”.

- Arraias

A bordo do Piquiatuba eu observava o movimento dos pescadores que chegavam com suas embarcações para descarregar o pescado no Frigorífico Pasquarelli. Fiquei impressionado com o número e o tamanho das arraias tigradas de um barco de pescadores que aportou a bombordo do nosso barco, alguns destes animais tinham mais de um metro de diâmetro.

As arraias marinhas do Caribe, há milhões de anos, adentraram aos poucos nos rios da Amazônia se adaptando perfeitamente às águas doces. Pouco a pouco estes animais foram estendendo seus limites aos Estados do Centro Oeste atingindo, por fim, a Bacia Paraná-Paraguai.

Acesso pelas Eclusas

As barragens das grandes hidrelétricas poderiam servir de obstáculo para a invasão destes colossais animais, mas, em algumas delas, como a de Porto Primavera (Rosana, SP) e Jupiá (Três Lagoas, MS), as arraias conseguem o livre trânsito graças às eclusas. Quando os navios transpõem os desníveis dos rios, as arraias e outros peixes aproveitam para pegar uma carona junto com as embarcações. As eclusas neutralizam, portanto, os sistemas de “transposição seletiva de peixes” à montante das barragens.

À tarde o Vieira Lopes, tutor do “Coxinha”, nosso tripulante canino de 1ª Classe, veio pedir autorização para que o cãozinho permanecesse em Óbidos. Mesmo considerando os óbices da ausência de tão valoroso tripulante, autorizei.

Confortavelmente instalado no Piquiatuba eu acompanhava o movimento incessante de embarcações que entravam e saiam do Lago dos Pauxis.

Lago dos Pauxis: conhecido também como “Laguinho”, na época das cheias suas águas margeiam a Este a Serra da Escama e à Oeste a cidade de Óbidos.

O senhor Valdir, um pescador solitário, ostentando orgulhosamente uma camiseta do Flamengo, na sua pequena montaria pescava de linha a pouco mais de uma centena de metros da nossa embarcação. De repente o imobilismo do fleumático pescador foi substituído pela agitação e, em movimentos rápidos, trouxe para bordo uma bela “Dourada”. Mais tarde, na companhia da Rosângela, passeando na voadeira, pilotada pelo Comandante Mário, nas cercanias da Serra da Escama, cruzamos com o seu Valdir que regressava para casa com diversos peixes lisos (de couro) pescados ali mesmo junto à cidade. Infelizmente nesse passeio minha câmera fotográfica deu pane, as fotos saiam claras demais independentemente de se usar o modo “automático”, “manual” ou “personalizado”. Mais uma onerosa baixa no meu material de expedicionário.

- Partida de Óbidos, PA (14.02.2011)

Óbidos - Serra da Escama e Lago Pauxi
Na noite anterior dormi muito pouco. Por volta da meia-noite uma balsa do Posto Marreiro aportou junto à nossa embarcação com os motores ligados e iniciou o lento abastecimento de uma frota de caminhões de combustível, da mesma empresa, em terra. Além do incomodo causado pelos gritos, assovios, buzinaços provocados pela tripulação da balsa e dos motoristas e o ronco do motor da balsa acho que a segurança de todos aqueles que estavam estacionados nas proximidades ficou perigosamente comprometida. O Porto Hidroviário, a poucos metros tem um movimento de passageiros considerável e um incidente com a transferência do combustível poderia ter causado uma tragédia de graves proporções. Parece-me que operações deste tipo devam ser levadas a efeito em locais apropriados onde não coloquem em risco as vidas alheias e onde hajam equipamentos de segurança adequados em caso de sinistro. Telefonei dezenas de vezes para o “190” para saber se o procedimento era regular, mas não obtive nenhuma resposta.

Enganei-me com o fuso horário e saímos quase uma hora atrasados. Desde Parintins que a operadora da “Claro” não dava sinais de vida e portanto o relógio continuava com o horário do Amazonas, uma hora a menos, embora estivéssemos praticamente na mesma longitude. Foi o dia mais cansativo de todos, remamos das 06h17 da manhã até as três horas da tarde para percorrer aproximadamente 80 km, enfrentando ventos de proa superiores aos 35 km/h durante todo o tempo. Senti fortes dores nas costas, o colchão do hotel de Oriximiná era muito macio, e, só agora, minha velha coluna, que já sofrera três cirurgias, sentia suas consequências. A pequena distância de Oriximiná a Óbidos não dera tempo nem mesmo da dor se instalar. Tentamos fazer uma parada na margem direita, mas a quantidade de troncos alinhados à margem ultrapassava uma dezena de metros tornando isso impossível. Conseguimos parar precariamente, depois de remar quase 70 km, em uma ilha sobre a vegetação aquática. Chegamos cansados e satisfeitos, depois de remar mais de 85 km, pois a jornada do dia seguinte seria menos extensa.

- Chegada em Santarém, PA (15.02.2011)
Chegada em Santarém
Dormimos bem, nenhum ruído a não ser o da chuva e dos ventos fortes do Quadrante Este durante toda a noite. Saímos, eu e meu filho João Paulo, antes do amanhecer, por volta das seis horas, com a determinação de atingir uma Ponta, à margem direita, que longe se vislumbrava ao clarear do dia. Os ventos de proa forçaram-nos, novamente, a buscar a segurança da proximidade da margem diminuindo, com isso, a velocidade de deslocamento. Durante mais de duas horas sofremos com as fortes ondas até que por volta das 08h30 o tempo melhorou e buscamos ganhar velocidade nos afastando da margem. Por volta das 10h40, chegamos à foz do Tapajós, embarcamos no Piquiatuba para colocar roupas adequadas para a chegada e determinei que o Soldado Marçal fosse até o Porto convidar os operadores de câmera de vídeo para subir a bordo da voadeira para realizar tomadas da chegada.

Graças ao apoio do Tenente-Coronel Sérgio Henrique Codelo, Comandante do 8° BEC, a Seção de Comunicação Social do Batalhão conseguiu que estivessem presentes ao Porto de Santarém as principais redes de TV locais e jornais. O ponto alto da entrevista foi sem dúvida a “Chocolate”, nossa tripulante canina de 1ª Classe adotada pelo grande amigo Soldado Marçal Washington Barbosa Santos. A recepção no 8° BEC também foi marcada, mais uma vez, pela inigualável fidalguia “azul turquesa”.

Ano que vem se o Grande Arquiteto do Universo permitir e se os nossos amigos investidores colaborarem iremos subir o Rio Tapajós pela margem esquerda até Itaituba (no mínimo) e descer pela margem direita. Este ano, embora o percurso fosse de 2000 km, as colaborações ficaram abaixo dos 40% comprometendo substancialmente o planejamento inicial.

-  Livro

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Hiram Reis e Silva Coronel de Engenharia
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Vice- Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

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