segunda-feira, 18 de junho de 2012

CONTRA MAGICAE METHODI


Meu último texto tratou de como a linguagem irracional, tão carregada de lacunas e contradições, típica dos “intelectuais” é forjada não para convencer, mas para enfeitiçar. Pegue um livro de algum bruxo-intelectual famoso, venerado, alçado aos mais áureos pedestais da nossa zelosa elite pensante – Paulo Freire, por exemplo – e você poderá se deparar com joias deste quilate:
A intencionalidade transcendental da consciência permite-lhe recuar indefinidamente seus horizontes e, dentro deles, ultrapassar os momentos e as situações, que tentam retê-la e enclausurá-la. Liberta pela força de seu impulso transcendentalizante pode volver reflexivamente sobre tais situações e momentos, para julgá-los e julgar-se. Por isto é capaz de crítica. A reflexividade é a raiz da objetivação. Se a consciência se distancia do mundo e o objetiva, é porque sua intencionalidade transcendental a faz reflexiva. Desde o primeiro momento de sua constituição, ao objetivar seu mundo originário, já é virtualmente reflexiva. É presença e distância do mundo: a distância é a condição da presença. Ao distanciar-se do mundo, constituindo-se na objetividade, surpreende-se, ela, em sua subjetividade. Nessa linha de entendimento, reflexão e mundo, subjetividade e objetividade não se separam: opõem-se, implicando-se dialeticamente. (Paulo Freire, “Pedagogia do Oprimido”).
Hoje, descobri que um dos melhores professores da Universidade de Brasília – e, talvez por isso mesmo, um dos menos (re)conhecidos da instituição –, Luís Augusto Sarmento Cavalcanti de Gusmão, doutor em Sociologia do Conhecimento pela Universidade de São Paulo (USP) e membro do Departamento de Sociologia da UnB, acabou de lançar um livro que trata de assunto análogo ao que abordei em meu texto anterior. Seu livro chama-se “O fetichismo do conceito: limites do conhecimento teórico na investigação social” e foi lançado pela editora Topbooks. De acordo com o site da editora,
este livro, fruto de mais de uma década de observações sobre o mundo dos chamados cientistas sociais, reafirma que a moderna investigação sociológica não precisa romper com o universo conceitual e linguístico do leigo experiente e bem informado. E mais: suas conclusões podem ser formuladas na linguagem corrente, dispensando jargões pedantes e esotéricos.
O professor Luís de Gusmão critica em seu livro a exaustiva utilização de “uma terminologia técnica esotérica” que visa a “fornecer definições e esclarecimentos conceituais completamente inúteis para qualquer pessoa fluente na linguagem natural empregada nas rotinas da vida cotidiana, matriz de todo jargão sociológico aproveitável, dotado de algum conteúdo empírico, numa tola e despropositada afetação de rigor e exatidão científicos. Essa verdadeira compulsão por definições supérfluas não raro acaba funcionando como um autêntico álibi para substituir as interpretações empíricas inteligentes da vida social, algo difícil de realizar, mas sempre valioso, por exegeses de textos de teóricos, algo bem mais fácil e, quase sempre, de utilidade duvidosa”.
Um trabalho desse calibre, produzido por um sociólogo (cujas grandes referências são pensadores da estatura de Isaiah Berlin, Alexis de Tocqueville e Joaquim Nabuco) que leciona em uma universidade que é bastião e menina-dos-olhos da esquerda no Brasil, é praticamente um milagre, um desses eventos que nos renova a esperança de que a academia volte a ser local de produção legítima de conhecimento, não de incessante ruminação e masturbação intelectualóide. Aliás, é de bom alvitre notar que a Secretaria de Comunicação da Universidade de Brasília não escreveu uma única linha a respeito do lançamento do livro do professor Luís de Gusmão. Bom, talvez não seja à toa, no fim das contas.

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