Daí em diante, foi um pulo para se mudar para a capital, onde é contratado para trabalhar no jornal "Última Hora".
segunda-feira, 18 de junho de 2012
OS MÚLTIPLOS TALENTOS DE IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO
Por Luiz Antonio Domingues-in Orra Meu!
Quando o talento é nato, basta que não haja empecilhos na vida, para que se deslanche. Parece uma frase solta, extraída de um livro de autoajuda qualquer e embora tenha um fundo de verdade, não é só isso que conta no cômputo geral.
Esse é o caso do escritor, cronista, jornalista, roteirista de cinema e teatro e editor, Ignácio de Loyola Brandão.
Nascido na bela Araraquara, interior de São Paulo e conhecida como a "Morada do Sol", desde pequeno mostrou que tinha o dom da escrita, ao redigir num caderno escolar o seu primeiro romance, "Dias de Glória" (1946), um conto policial ambientado em Veneza.
Não demorou muito e o cinema o arrebatou. Passando a frequentar com assiduidade o cineclube de sua cidade, tornou-se um crítico informal, publicando resenhas de filmes num pequeno jornal, onde despertou a atenção do maior jornal local, apesar da pouca idade.
Interessado em entender todo o processo de produção de um periódico, aprendeu também técnicas gráficas.
E expandindo seus horizontes jornalísticos, acumulou além da crítica de cinema, a coluna social e reportagens, com direito a entrevistas.
Daí em diante, foi um pulo para se mudar para a capital, onde é contratado para trabalhar no jornal "Última Hora".
Daí em diante, foi um pulo para se mudar para a capital, onde é contratado para trabalhar no jornal "Última Hora".
Aí entra o elemento a mais que citei logo nos primeiros parágrafos, ou seja, não basta ter talento e sorte, mas o ímpeto, a iniciativa e a capacidade de antever a oportunidade, também contam. E foi num dia comum que o editor berrou na redação do jornal "Alguém aí fala inglês com fluência?"
O repórter Ignácio não pestanejou e se apresentou. E lá foi com seu inglês capenga, aprendido parcamente no curso ginasial e expressões decoradas em filmes americanos que tanto assistiu entrevistar o irmão do presidente americano, Einsenhower, que se encontrava em São Paulo. No dia seguinte, a entrevista foi destaque com manchete na capa.
E o mesmo se deu com o idioma francês, onde passou a entrevistar, mesmo tendo só o francês básico da escola e o apoio dos filmes e das leituras do Cahiers du Cinema, a famosa revista francesa de cinema.
Foi figurante no clássico "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte e nunca mais deixaria de ter essa estreita ligação com o universo do cinema, colaborando inclusive com a roteirização de duas estórias suas que foram adaptadas para a "telona": "Bebel, a Garota Propaganda" (de Maurice Capovilla - 1966), baseado em seu conto, "Bebel que a Cidade Comeu" e "Anuska, Manequim e Mulher" (de Francisco Ramalho - 1969), baseado no seu conto: "Ascensão ao Mundo de Annuska".
Seu primeiro livro foi lançado em 1965, denominado "Depois do Sol".
Assume o posto de redator da revista Cláudia, onde rapidamente se torna o editor-chefe. E numa época de fortes transformações socioculturais, era o cara certo no lugar certo, dando um novo impulso à linha editorial de uma revista feminina.
No início dos anos setenta, um novo desafio: A tradicional revista francesa "Planète", anuncia lançamento da versão brasileira e ele é o seu primeiro editor. Nasce a revista "Planeta" em 1972, um sucesso no segmento do esoterismo/ocultismo e que existe até hoje, solidificada.
Trabalha também nas revistas "Realidade" e "Setenta".
Da sua ligação com o dramaturgo Plínio Marcos nasce a ideia de um conto que após modificações por conta do momento político brasileiro, leia-se "censura", finalmente é publicado. Em 1975, nasce então "Zero", sua obra mais impressionante. A história fictícia (fictícia?) de um cidadão comum vivendo numa sociedade violenta e sob uma ditadura ferrenha.
Claro, mesmo com a censura, o recado estava dado e o romance estoura, tornando-se referência para artistas, intelectual e universitária insatisfeitos com a ditadura militar vigente.
Percebendo a repercussão, o Ministério da Justiça do governo Geisel, o proibiu, tratando de retirá-lo das livrarias. Mas o estrago libertário já estava feito e a emenda ficou pior que o soneto para a ditadura, pois o romance já estava na ponta da língua de todos que ansiavam pelo seu fim.
Em 1979, aproveitando os ventos da "anistia ampla, geral e irrestrita", o livro foi liberado novamente.
Nos anos oitenta, Ignácio lançaria outro romance de teor político, "Não Verás País Algum", muito elogiado e premiado, tal como "Zero".
Vive por um bom período em Berlim, onde envia crônicas muito interessantes e publicadas em diversos jornais brasileiros e continua escrevendo seus contos e romances. Lança "O Verde que Violentou o Muro", em 1984, narrando suas impressões sobre o cotidiano berlinense.
Lança outros livros a seguir, mas no início dos anos noventa, retorna ao jornalismo, como editor da revista "Vogue".
Em 1993, passa a escrever suas crônicas no "Jornal da Tarde" e logo a seguir, no Caderno 2, de "O Estado de São Paulo".
Em 1996, um baita susto. Acometido de um mal-estar súbito, descobre no hospital que tem um aneurisma cerebral. Após uma longa (11 horas!!) cirurgia, restabelece a saúde, mas muda muito a sua visão da vida, pensando em aspectos que não levava em consideração antes de passar pela iminência da morte e isso se reflete em suas crônicas, onde passou a falar abertamente sobre tais mudanças.
Enfim, são muitos livros, participações em cinema e teatro, crônicas, trabalho jornalístico de muita qualidade e, sobretudo marcado pelo ecletismo do autor.
Particularmente, tornei-me fã de sua escrita, lendo suas crônicas num prosaico jornal de bairro, onde foi colaborador por muitos anos. Só depois fui tomar conhecimento de sua carreira como escritor.
E também pela sua atuação como editor da revista "Planeta", onde imprimiu a meu ver, a melhor fase dela, com uma linha editorial instigante para os interessados nesses assuntos ligados ao ocultismo em geral. Hoje, a revista parece adotar mais uma linha ambientalista, da qual não gosto.
Entre tantas crônicas suas geniais que li por tantos anos, no jornal gratuito “Shopping/City News" e posteriormente no "Jornal da Tarde" e no "Estadão", recordo-me de uma em especial, onde relatava a sua rotina cotidiana e de onde extraía ideias para as crônicas, contos e romances.
É simples, exatamente como deve ser: Ao invés de tomar o café da manhã em sua casa, Ignácio vai até a padaria da esquina. Enquanto se alimenta, apenas ouve as conversas ao seu redor...
E que manancial maior pode existir para um cronista atento?
*Luiz Antonio Domingues (músico das bandas Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, e Kim Kelh e os Kurandeiros).
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