terça-feira, 12 de junho de 2012

REVISTA MILITAR BRASILEIRA E O CIGS


Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 20 de maio de 2012.
Em terra de perenes desafios, uma grande cruzada para o crescimento, onde o épico confronta com a realidade. Não basta querer fazer e querer desenvolver: é preciso um esforço de Hércules para que todo dia superemos as dificuldades. (Jorge Teixeira de Oliveira)
Recebi, recentemente, um e-mail do Coronel de Artilharia Reformado Flávio Figueiredo Jorge de Souza que traz em anexo um artigo publicado pela “Revista Militar Brasileira”. A Revista, uma excelente publicação oficial, era editada pela Secretaria Geral do Exército nos idos de 1932 a 1980. Faço questão de reproduzi-lo em homenagem a todos “Guerreiros da Selva” que ostentam, com orgulho, o “Brevê da Onça”.
-  E-mail do Coronel Flavio Figueiredo Jorge de Souza
 Amigos,
Guardo esta matéria desde quando a encontrei na Revista Militar. No mínimo há 40 anos. Tenho sempre dito que no CIGS (Centro de Instrução de Guerra na Selva) a pessoa entra de um jeito e sai de outro jeito. Quero dizer: você entra apenas homem e sai super-homem.
Fiz o CIGS quando Capitão, e fui o Sheriffe, isto é, fui o Chefe da Turma como mais antigo.
A bordo da aventura: um argentino, pára-quedistas, fuzileiros navais, bombeiros de São Paulo e também do Pará, PARASAR, Exército e outros heróis. E todos tiveram de ser aprovados num exame de seleção antes de partirem para o CIGS.
Fui o classificado em 4º lugar. Isto é troquei meus 10 quilos perdidos na Selva por esta honrosa classificação e não saí arrependido, mas agradecido.
E o Comandante do CIGS? Nada menos que o célebre Coronel Jorge Teixeira de Oliveira (foto ao lado). E um dos instrutores dos mais competentes? O hoje General Andrade Nery, na época simples Capitão (ou era Major ?). Outro: Ten-Cel Taumathurgo Sotero Vaz, mais tarde General !!!
Envio para os amigos e peço que retransmitam para seus amigos !
O texto vale também por quem o assina: um Oficial do Exército francês !
Flavio Figueiredo Jorge de Souza
-  Guerreiro da Selva
Termo estrito atribuído ao guerreiro de selva brasileiro. Tem conotação poética, ao referir–se especificamente ao guerreiro “da” Amazônia Brasileira. Assim, quando o sentido do texto, poema, comentário etc. referirem-se ao nacional, deve-se optar pelo termo “Guerreiro da Selva”, da selva Amazônica Brasileira. (Coronel Gustavo de Souza Abreu)
REVISTA MILITAR BRASILEIRA
Nota Da Redação: A presente reportagem foi publicada no número 8, de marco de 1916, da Revista francesa “Armées d'aujourd'hui”.
Eu Venci!
Durante o ano de 1974, o capitão Bernard Legrand, do 3° Regimento Estrangeiro de Pára-quedistas, realizou um estágio de Guerra na Selva, na Amazônia, no seio das Forças Armadas Brasileiras. Ele nos conta, aqui, o que foi esta experiência apaixonante e cujo saldo é extremamente positivo, quer no plano profissional, quer quanto aos contatos com o Exército Brasileiro.
P: No decorrer do ano de 1974 você efetuou um estágio no COSAC, em Manaus, no Brasil. Você pode definir os objetivos desse estágio?
R: É preciso vê-los do ponto-de-vista, brasileiro, e no contexto daquele país. Trata-se de preparar oficiais e praças nas técnicas de Guerra na Selva, na Amazônia, tornando-os aptos a assegurar a inviolabilidade das fronteiras. Esta preparação, que tem a duração de sete semanas, é calcada naquela dispensada pelos americanos às suas tropas à época da Guerra do Vietnam e compreende, essencialmente, combate de selva, as emboscadas, os golpes-de-mão, as patrulhas, e é claro, a vida na selva, quer dizer, a maneira de sobreviver mesmo isolado e desarmado, utilizando-se de todos os recursos oferecidos pela natureza e pela imaginação humana.
P: Sua formação o havia preparado para tal estágio?
R: De modo algum. Servia, na época, na 3ª, Cia do 3° Regimento Estrangeiro de Infantaria, sediado em Kourou, onde tinha sob minha responsabilidade a Seção de Máquinas do Regimento e a missão de abrir e conservar estradas de rodagem.
Kourou: é uma importante base na Guiana Francesa. Nela estão as instalações do Centro Espacial, de onde vêm sendo lançados os mísseis “Ariane” e o aquartelamento do 3° Regimento de Infantaria Pára-quedista da Legião Estrangeira.
Uma tarde, o Cel Cmt do 3 REI informou-me que eu escava designado para aquele estágio e que dispunha de três meses para aprender o português. Tratei, imediatamente, de adquirir um “curso de português”, com a firme intenção de aprender pelo menos as bases da língua. Devo dizer que não o consegui e que cheguei a Manaus sabendo, quando muito, contar até dez. Mas, como podia me “safar” no inglês, contava dele me aproveitar.
P: Você teve problemas quanto ao idioma?
R: A primeira semana foi extremamente difícil e minhas esperanças não se confirmaram. Os oficiais brasileiros que sabem falar o inglês relutam em fazê-lo. Foi preciso, pois, que eu falasse o português. No fim de quinze dias, tinha assimilado o idioma falado e era capaz de acompanhar o essencial dos assuntos que nos ministravam. Com relação aos exames escritos, e houve dois, fui autorizado a responder em inglês, melhor dizendo em “anglo-português”, se você prefere. Fora disso, era preciso falar o português. E eu consegui. Próximo ao final do estágio, cheguei mesmo a realizar um “golpe-de-mão”, comandando uma patrulha brasileira, sem problema algum.
P: Você sabia o que o esperava ao partir para o estágio?
R: Tinha lido o relatório feito por um oficial que realizara este estágio um ano antes. Mas ele era muito sucinto e não me esclareceu muito. Escrevi-lhe, mas não recebi resposta senão após chegar a Manaus, portanto demasiadamente tarde.
P: Como você foi recebido?
R: Estava sendo esperado, por ocasião de minha chegada a Manaus. Ambientei-me de imediato e fui tratado sem “cerimônia” alguma, exatamente como se fosse um oficial brasileiro, do início ao fim do estágio. Em compensação, durante a última semana da minha estada no Brasil, e no decorrer da viagem de estudos que me proporcionaram, recebi, por toda a parte, uma acolhida extremamente simpática e fui tratado como raramente tenho visto. Ultrapassava, de longe, a simples – cortesia. Pude assim, verificar que a França parece ocupar um lugar muito particular no coração dos brasileiros.
P: Você teve o sentimento de ter aprendido alguma coisa?
R: Aprendi, sem dúvida, as técnicas de progressão na selva, mas praticamente nada no tocante ao combate convencional, pois os brasileiros têm os mesmos processos que nós. Em compensação, quanto à sobrevivência na selva, ai sim, tudo aprendi lá e posso afirmar que a instrução é realmente muito realística. Assim, em matéria de “primeiros socorros”, por exemplo, logo no início da segunda semana fomos levados ao necrotério da Faculdade de Medicina de Manaus. Lá aprendemos, cada um manuseando um cadáver, a fazer suturas, ligar artéria femural e a praticar uma traqueotomia. Ao término destas sessões, de volta ao Centro, recebemos uma aula de aplicação de injeção: cada aluno aplicou e recebeu uma intramuscular e uma Intravenosa.
Em matéria de serpentes, em seguida, tivemos que apanhar, com as próprias mãos, diversas Cobras do zoológico do Centro e, por fim, em termos de alimentação, tivemos que comer gordos Vermes brancos chamados “Tapurus”.
Depois, em grupos de cinco, fomos levados para o interior da selva por um guia, que nos abandonou após quatro horas de marcha. Haviam nos despojado de todos os nossos equipamentos, deixando-nos apenas, para o grupo de cinco homens: um fuzil de caça e um cartucho, uma bússola, uma caixa de fósforos, cem gramas de sal e para cada um, um facão de mato. Nossa missão Consistia em permanecer quatro dias na selva, em construir um abrigo elevado do solo e protegido dos animais e de acender um fogo que não deveria extinguir-se.
É certo que tínhamos aprendido a construir este tipo de abrigo, com a utilização do material disponível na selva. Possuíamos a técnica e devíamos aplicá-la.
Devíamos também construir armadilhas para capturar animais, cujas cabeças teríamos que levar ao Centro no regresso. Devo dizer que tudo o que conseguimos foi uma espécie de ave e assim mesmo graças ao único cartucho que nos foi deixado. Por outro lado, nenhum animal se deixou prender em nossas armadilhas. Não creio que elas estivessem mal feitas e sim que nos haviam deixado propositadamente, em uma região muito pobre de caça. Durante quatro dias tivemos, pois, que nos alimentar com a ave abatida (o que era muito pouco para cinco homens), desses já mencionados “Tapurus” e de palmitos.
P: E quanto ao aspecto físico, como você se sentiu?
R: Estávamos esgotados, pois fadiga vem cedo quando se está mal alimentado e construir um abrigo nessas condições não é fácil. Gastamos um dia e meio para construí-lo.
Com o passar do tempo, e a fadiga ajudando, já nem nos mexíamos mais tentando dormir. Quando fomos resgatados, ao fim de quatro dias (havíamos perdido pelo menos três quilos) não tínhamos chegado ao fim de nossos padecimentos. Tão logo deixamos o local do bivaque, ainda na estrada, fomos submetidos a testes escritos: adições, multiplicações, divisões, testes gráficos, etc., para ver como nos encontrávamos no plano intelectual.
P: Que lhe pareceu mais difícil durante o estágio?
R: Foi sem dúvida o pouco tempo dedicado ao sono. Trabalhávamos de vinte a vinte e duas horas por dia Estávamos continuamente sob pressão. Por exemplo, ao regressar de um “golpe-de-mão” às duas horas da madrugada, tivemos que assistir a uma aula de comunicações. Não tínhamos, evidentemente, o direito de dormir. Os instrutores, que se revezavam, admitem muito bem que, a qualquer hora, durante a aula, você faça uso do conteúdo de um balde de água, para manter-se desperto.
P: Mas não existe alguém que “entregue os pontos?
R: Sim, durante meu estágio, seis oficiais foram desligados no decorrer do Curso. Os instrutores são muito exigentes, particularmente com os Infantes, aos quais nenhuma fraqueza é perdoada, seja no aspecto físico, seja na ação de comando.
P: Que ensinamentos você pode tirar desse estágio?
P: No plano pessoal, aprendi o Português falado. Além disso, ele permitiu que eu me testasse e fosse um pouco além daquilo que julgava ser meus limites, coisa que jamais tinha feito.
Mas é preciso ressaltar que, apesar de tudo qualquer oficial de Infantaria bem treinado é capaz de acompanhar esse estágio. Entretanto, na França, a oportunidade de ultrapassar certos limites raramente nos é proporcionada.
P: Você julga que os Oficiais de Infantaria deveriam passar por esta experiência?
R: Sob o aspecto pessoal, sim. Mas não creio que ela seja de muita utilidade para o Exército Francês, pois aplica-se apenas às Forças sediadas na Guiana. Francesa e, por conseguinte, a poucos oficiais. Além disso, nós temos Mont-Louis que instrui quanto às técnicas de “Comandos no Teatro Europeu”.
P: É possível compará-los?
R: No tocante às técnicas de comandos, Mont-Louis é muito mais puxado do que Manaus, porém o ensino é menos realista e isto é lastimável.
P: Você se sente como tendo vivido uma aventura?
R: Sim, e uma bela aventura se amanhã me fosse dada a oportunidade de fazer outro estágio desse tipo, não hesitaria em retornar. Além do mais, penso que é sempre bom conviver com exércitos estrangeiros, pois há sempre alguma coisa para se aprender, sobretudo no plano dos contatas humanos.
-  Livro
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (httP://www.livrariacultura.com.br) e na AACV – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

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