Celso Ming O Estado de S. Paulo
Difícil discordar do ex-governador José Serra. O Mercosul é uma farsa e, tal como está, é um peso morto para o Brasil.
Há anos que Serra tem manifestado esse ponto de vista. Mas só agora, na condição de candidato da oposição à Presidência com boas possibilidades de vitória nas próximas eleições, sua opinião começa a ser levada em conta.
O Mercosul nasceu como área de livre comércio, o primeiro estágio de uma integração econômica. Uma área de livre comércio é aquela em que não há barreiras alfandegárias para o fluxo de mercadorias. Elas transitam de um sócio do bloco para o outro, como um carregamento de geladeiras cruza as fronteiras entre São Paulo e Minas.
Mas, em 1995, quatro anos depois de ter nascido, foi alçado à condição de união aduaneira. Esse é o estágio seguinte, em que não só há livre circulação de mercadorias, mas há união comercial, o que exige adoção da mesma política comercial entre os membros. Isso significa que as tarifas alfandegárias cobradas na entrada de produtos dos países de fora do bloco têm de ser as mesmas. Consequência inevitável desse princípio é o de que os tratados comerciais são negociados em conjunto.
O problema é que o Mercosul não consegue nem mesmo ser uma área de livre comércio. Não só há tarifas alfandegárias entre os membros, como a todo momento o comércio entre Brasil e Argentina, por imposição da Argentina e, às vezes, do Brasil, está sujeito a travas, proibições e limitações. O principal argumento argentino é de que "não há simetria" de condições econômicas entre os dois países e que, por isso, o produto argentino precisa ser protegido da competição aniquiladora da mercadoria brasileira.
Não compensa sequer questionar a qualidade da argumentação argentina. Se não há condições nem para se ter uma área de livre comércio, menos ainda haverá para que o Mercosul seja uma união aduaneira.
E, no entanto, o Brasil não pode ampliar seu mercado para exportações porque, na condição de integrante de uma união aduaneira formal, não pode negociar isoladamente com outros países. Tem de arrastar consigo Argentina, Uruguai e Paraguai. Tratados comerciais exigem aberturas recíprocas de mercado. Se a Argentina não aceita nem sequer a abertura do seu mercado para o produto brasileiro, muito menos a aceitará para países ainda mais competitivos. Enquanto o resto do mundo negocia bilateralmente, o Brasil fica estrangulado em sua política comercial porque a Argentina veta toda iniciativa de negociação comercial.
Admitida a farsa ou, se não isso, admitida a impotência do Mercosul, é preciso saber o que fazer com ele. Serra não entra em pormenores. Afirma apenas que é preciso flexibilizar os tratados, de maneira a permitir que o Brasil e os demais países que assim o desejarem possam fazer o que tem de ser feito.
Flexibilizar o Mercosul é um eufemismo para não ter de empregar a expressão mais crua. O Mercosul não precisa ser flexibilizado, precisa ser rebaixado. E não basta rebaixá-lo à condição de área de livre comércio. É preciso garantir que a área de livre comércio funcione.
Afora isso, não há futuro numa integração econômica entre países se não houver, ao mesmo tempo, convergência entre as políticas fiscal, monetária e cambial. Sem essa convergência, as tais assimetrias continuarão aumentando e, com elas, também a farsa.
Confira
Aumentou a deterioração das expectativas de inflação em 2010. Pela 14ª semana seguida, o mercado ajustou para cima suas projeções. Na média, passou a 5,41%. A meta é 4,5%.
Aí tem...
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ontem advertiu de que não se deve ler nas entrelinhas da ata do Copom o tamanho da dose dos juros que virá. Foi o suficiente para puxar as apostas para uma alta de até 1 ponto porcentual.
Aí não tem...
Enquanto isso, o ministro Guido Mantega avisa que essa inflação aí não é nem um pouco importante.
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