quarta-feira, 28 de abril de 2010

LENDA REVISITADA

Itacueretaba é o antigo nome de Vila Velha (cidade extinta de pedra). Localizada à margem direita do Tibagi (Rio do Pouso) na ondulada Ibeteba (planície) dos Campos Gerais, o local foi escolhido pelos nativos para ser o Abaretama (terra dos homens), onde era localizado o Itaimareru (precioso tesouro), a Assembleia Legislativa dos primeiros viventes do Paraná .

Tendo a proteção de Tupã, o Itaimareru era cuidadosamente vigiado por uma legião de
[Tupã.jpg]Apiabas (varões), eleitos entre os representantes de todas as tribos para desempenhar a honrosa missão. Os Apiabas (o que seriam os atuais deputados) tinham remuneração em ouro e pedras preciosas, recebiam todas as distinções e regalias, desfrutavam de uma vida régia, cercados de escravos fornecidos e alimentados pelo Itaimareru.

Aos Apiabas, porém, era vedado o contato com as mulheres, mesmo que fossem de suas próprias tribos. Tupã, porco chauvinista, ensinava que as mulheres, estando de posse do segredo de Abaretama, o revelariam aos quatro ventos e, chegada a notícia aos ouvidos dos inimigos, estes tomariam o tesouro para si. Assim, se o tesouro fosse perdido, o onipotente Tupã deixaria de resguardar o seu povo e lançaria sobre eles as maiores das desgraças.

Alguns ativos e bravos, outros nem tanto, os Apiabas em sua maioria eram filhos de poderosos caciques. Aos privilegiados do Itaimareru cabia colher as flores nos jardins, vigiar os servos e zelar para que não houvesse pecado naquele recanto sagrado.

Numa certa época, Dhui (Cabelo Bonito) fora escolhido para Presidente de Defesa dos Apiabas. Como todos os outros, tinha sido preparado desde a mais tenra idade para essa sagrada missão. Dhui, entretanto, não desejava seguir o celibato. Seu sangue achava-se perturbado pelo feminil fascínio: era um Cunharapixara (mulherengo).

As tribos antropófagas dos territórios distantes, ao terem conhecimento da vulnerabilidade do Cabelo Bonito, de pronto resolveram aproveitar-se da situação e escolheram, entre suas donzelas, a que deveria tomar o coração da autoridade Apiaba para lhe arrebatar o segredo.

A escolhida foi Aracê Poranga (Aurora Bonita). Não foi difícil à virgem dos lábios de mel conseguir a atenção do fogoso Dhui. Pouco a pouco, Aracê o entrelaçou na sua habilidosa teia de tal modo que ele ficou aos seus pés. A insidiosa já havia entrado no Abaretama com o consentimento de Dhui, que não teve como resistir-lhe ao desejo, pois a bela era uma digna descendente de Eva, e o vaidoso Dhui possuía o fogo de
Adão.

Numa tarde primaveril, quando os Ipês (árvores de casca) já florescidos deixavam cair uma chuva de ouro pelos campos, Aracê veio ao encontro de Dhui trazendo uma taça de Uirucuri (licor de butiás) para embebedá-lo; mas o amor já dominava sua razão e ela também bebeu da taça e assim dormiram à sombra do Ipê, pecaminosamente entrelaçados.

Tupã vingou-se desencadeando um terremoto que abalou os Campos Gerais. A fúria do porco chauvinista convulsionou-se dentro do solo, com a terra em transe, as coxilhas trouxeram a morte e a dor. A Abaretama completamente destruída tornou-se de pedra, o tesouro aurífero fundiu-se e liquidificou-se, e os dois amantes castigados ficaram estendidos um ao lado do outro, petrificados. Ao lado do casal restou o símbolo de tanta desgraça: a Taça de Pedra!

E, quando ali passamos, o vento murmura a última frase de Aracê:

- Xê pocê ô quê! (Dormirei contigo!).


E foi assim que Abaretama tornou-se Itacueretaba.

A terra se fendeu: são as grutas que encontramos próximas à Vila Velha e o tesouro fundido é a Lagoa Dourada, a qual, quando o sol lhe bate em cheio, ainda reflete o brilho aurífero. Dhui e Aracê ainda hoje restam estendidos lado a lado, circundados dos ipês amarelos de São Luiz do Purunã. E os sobreviventes guardiões do Itaimareru, para que a fúria de Tupã não os alcançasse, ofereceram em troca o sangue de alguns bodes expiatórios.

Dante Mendonça (27/4/2010) O Estado do Paraná.

Cartunista Solda

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