O fim do celibato não é a solução
Cynara Menezes
Biógrafo dos papas João Paulo I, Pio XII e do próprio Bento XVI, o vaticanista Andrea Tornielli considera que o celibato imposto aos sacerdotes católicos não tem “nenhuma relação” com a pedofilia dentro da Igreja. Colaborador do diário italiano Il Giornale, Tornielli sustenta que, embora não pareça, internamente o Vaticano vem combatendo a pedofilia há pelo menos dez anos.
Carta Capital: A igreja finalmente começou a reagir contra a pedofilia?
Andrea Tornielli: Publicamente, sim. O papa vai divulgar uma carta aos fiéis da Irlanda nos próximos dias, está reagindo, assim como as conferências episcopais da Alemanha e Irlanda. Os bispos e a Cúria Romana estão se interrogando: por que tudo isso aconteceu? Por que não interviemos de maneira mais forte, para que os padres culpados desses atos terríveis não fossem impedidos de cometê-los outra vez?
CC: Não demorou muito essa reação?
AT: Não acho. É preciso distinguir a reação na imprensa, pública, provocada pelo escândalo, da reação de governo. Há dez anos a Igreja começou a reagir, com Joseph Ratzinger ainda como cardeal e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, logo depois dos escândalos nos Estados Unidos. A decisão tomada pelo papa João Paulo II e pelo próprio cardeal Ratzinger foi de que todos os casos que viessem à tona fossem investigados pela Congregação para a Doutrina da Fé, onde trabalha uma equipe de oito pessoas presidida pelo monsenhor Charles Scicluna. O monsenhor Scicluna foi orientado a averiguar esses casos e proceder de uma maneira muito forte, dura e precisa. Então, a reação começou há pelo menos dez anos. Agora falamos de uma reação pública, com palavras.
CC: A impressão que dá às pessoas é que durante todo esse tempo a Igreja pecou por omissão, porque em muitos casos os padres foram apenas transferidos de paróquia.
AT: Claro que sim, mas é preciso considerar que a maioria dos escândalos pertence aos anos 60, 70, 80 e 90. Não são casos dos últimos dez anos. Ou seja, antes os escândalos não eram averiguados, não se avaliou sua gravidade. Pode-se falar de um pecado de omissão, de subestimação do tema, a sensação das pessoas pode ser essa, mas agora não é assim. E não é desde ontem, há dez anos existe uma reação muito clara e precisa.
CC: Outro aspecto discutível foi que o Vaticano sempre tentou dar um caráter local às denúncias, como se não fosse um problema da Igreja como um todo. Os irlandeses reclamaram que o porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, tenha definido o problema de lá como “localizado”.
AT: É normal que se tratem desses temas sob um ponto de vista local, embora eu creia que não seja um problema local. O que o padre Lombardi quis dizer é que o caso da Irlanda é endêmico, mais profundo do que em outros lugares, como a Alemanha. Aqui é local.
CC: Que papel tem o celibato na ocorrência de pedofilia na Igreja?
AT: Nenhum. Sou casado, tenho três filhos e você sabe que a maioria desses atos de abuso contra menores acontece dentro das famílias. Assim como isso não é uma razão para abolir o matrimônio tampouco é para discutir o fim do celibato.
CC: A pessoa não se sentiria reprimida em seus desejos e acabaria deixando aflorar um lado perverso?
AT: Estamos falando de casos em que há um exercício da sexualidade humana que não é normal. Não creio que a solução para isso seja o fim do celibato. Não sou padre, sou laico, então é um problema que não me pertence, é um problema da Igreja. O que necessito como católico é ter padres que possam celebrar os Sacramentos para mim. Se são casados ou não, não importa.
CC: Começaram a surgir denúncias de pedofilia na Igreja no Brasil, a maior nação católica do mundo. Acha que pode ser o começo de uma onda?
AT: Pode acontecer, mas não estou informado sobre a situação do País para opinar.
CC: Quanto ao ensino em colégios confessionais, é possível que várias gerações possam ter sido vítimas de abuso, como aconteceu na Irlanda?
AT: Por favor… Não acredito que se possa falar em gerações inteiras vítimas de abuso. Há gerações de jovens e crianças que também podem ter sido vítimas de abusos em suas famílias, nas escolas laicas, quando vão ao médico, ao pediatra, ou praticar esporte…Vejo isso como uma generalização que não é correta. Na Irlanda aconteceu, mas não se pode generalizar.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br
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