terça-feira, 11 de outubro de 2011

MUITO ARTIFÍCIO PARA CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CAMPO MOURÃO

Por Pedro da Veiga


Pedro Viriato de Souza Filho, 1º Prefeito (eleito) de Campo Mourão, sendo homenageado pelo Prefeito Augustinho Vecchi, em 2 de setembro de 1978, oportunidade em que o Autor, Pedro da Veiga, conduzindo o cerimonial, gravou o pronunciamento de Souza Filho, transcrito abaixo:

Para a comemoração da Semana da Pátria de 1978, o Prefeito Augustinho Vecchi programou uma reunião com todos os ex-prefeitos, homenageando‑os pelos relevantes serviços prestados ao desenvolvimento de Campo Mourão.

Na ocasião se fez presente o primeiro Prefeito eleito de Campo Mourão, Pedro Viriato de Souza Filho, que na oportunidade em relato emocionante, discursando aos presentes, rememorou o feito épico, com muito artifício para a criação do Município de Campo Mourão, que transcrevemos da fita magnética, na qual gravamos suas palavras, importante e valioso artefato histórico que doaremos ao Município para compor um futuro Museu do Som, perpetuando a memória das bravas e importantes personalidades que ajudaram a propulsionar o estágio desenvolvimentista de Campo Mourão.

Pá‑pá‑santa‑justa, eis o pronunciamento do Prefeito Pedro Viriato de Souza Filho:

Vocês sabem que sempre fui um homem emotivo e, a solenidade que hoje se realiza, toca profundamente o meu coração. Não sei se poderei dizer a todos, aquilo que eu tanto desejo.

Voltando a 30 anos passados, para dizer melhor, ao dia em que Francisco Albuquerque, seguido por Antonio Teodoro de Oliveira chegou ao meu rancho, na costa do rio da Vargem, levando a notícia de que o Estado passava por uma reforma administrativa e, com isso, criando diversos novos Municípios. A finalidade, no entanto, não era só darem a notícia, mas apelarem para que eu fosse tentar a criação do Município de Campo Mourão, alegando que eu era curitibano e que tinha boas relações de amizade na Capital e, portanto, era o mais indicado da turma, para tal reivindicação. Éramos um punhadinho de companheiros, dentre os que viviam ao redor da atual sede, tendo como ponto de reunião a casa e armazém de Francisco Albuquerque, na margem do rio (do Campo).

A empreitada era bastante dura, pois em volta da atual praça existiam quatro casas velhas, mais a escola e a igreja, em fase de construção. O esforço e a força de vontade da turma, mais o apelo de Francisco Albuquerque e Antonio Teodoro, que me receberam e me ajudaram a arranjar uma boa colocação, quando aqui cheguei, me fizeram seguir para Curitiba, onde tomei conhecimento de que o projeto já tinha passado em primeira discussão na Assembléia Legislativa. Não havia tempo a perder e, assim, na manhã seguinte fui diretamente ao Palácio e tive a sorte de conseguir uma audiência imediata com o Governador Moysés Lupion que eu conhecia, mas com quem não tinha intimidade. Conversamos sobre o assunto e ele achando que ainda não tínhamos possibilidades e eu garantindo o contrário, expondo que diariamente entravam mudanças que iam se internando no sertão, com famílias a pé, puxando cargueiros com as coisas mais necessárias, levando cabritos para garantir o leite para seus filhos, outros, já melhorados, montados à cavalo, puxando diversos cargueiros e até algumas reses e outros já em carroças com toldos, que traziam até sementes para a primeira plantação. Que a distância de Campo Mourão‑Pitanga era muito grande para se tratar de qualquer ato administrativo ou judiciário, e que o Município (Pitanga), não dava nenhuma atenção ao Distrito (Campo Mourão), ao ponto dos próprios moradores terem que atender a cerca do cemitério para que os animais não mexessem nos defuntos. De repente um cidadão que havia entrado, sem que eu notasse, disse ao Governador: “o que esse homem pede é impossível, só daqui uns dez ou quinze anos pode‑se pensar nisso”. Levantei como picado por uma cobra e respondi com violência, perguntando‑lhe se conhecia Campo Mourão, ou achava que eu estava mentindo, e fui mais grosseiro um pouco, o que valeu‑me uma repreensão do Governador, dizendo‑me que se tratava de um Secretário de Estado, afinal este se retirou e continuamos a conversa sobre o assunto, até que o Governador fez‑me umas perguntas:

­ - Você veio com o apoio total dos seus companheiros?

­ - Sim Senhor, respondi‑lhe.

­ - Eles confiam em você e você neles?

­ - Sim Senhor.

­ - Se você for candidato a Prefeito, tem possibilidade de se eleger?

­ Absoluta, mas desejo que seja Francisco Albuquerque, é paranaense como eu, mais antigo em Campo Mourão, comerciante e tem inúmeros amigos e compadres.

­ - Quem está pedindo e garantindo as possibilidades é você, disse o Governador, portanto se você for o candidato vamos pensar nisso.

­ - Governador, o Senhor pode fazer o favor de mandar parar o projeto por uns dois dias e me dá esse prazo para resposta?

Ele concedeu. Nessa tarde me virei atrás de um teco‑teco que consegui com a BOA, para o dia seguinte cedo e passei um rádio por intermédio do Palácio, para Peabiru, avisando minha ida. Chegando a Campo Mourão, os companheiros aflitos já esperavam em volta de Francisco Albuquerque, dei‑lhes detalhadamente o acontecido e todos acharam que eu já devia ter resolvido.

Voltei em seguida, trazendo comigo Francisco Albuquerque que apresentei ao Governador como nosso líder, dizendo‑lhe que a turma havia ficado na maior satisfação e que os representantes da UDN e do PR, declararam que não apresentariam candidatos, estabelecendo assim, candidatura única.

Assim ficou resolvida a criação do Município. Criado o Município, para os efeitos legais, foi nomeado Prefeito, por nossa indicação, José Antonio dos Santos, que se limitou a aguardar a eleição e posse do Prefeito eleito, para cuja posse veio para nossa cidade o então juiz de direito de Londrina, falecido Desembargador Antonio Franco Ferreira da Costa.

Tivemos em seguida, grandes dificuldades, o Município recém criado ia do rio Ivaí ao Piquiri e do Muquilão ao Paraná, sem nenhuma estrada mais do que a péssima que nos ligava a Pitanga. Não tínhamos escola nem atendimento sanitário, recém criado não tínhamos nem verba, só boa vontade e dedicação dos companheiros ajudavam resolver a situação. Diversas vezes tivemos que recorrer ao Governador Lupion, que sempre com a maior boa vontade nos ajudou no caminho para o progresso.

Da união e do esforço daqueles bravos companheiros quero citar dois fatos:

Primeiro, quando informado da existência de um motor a diesel, encostado em São Mateus, fui pedir ao Governador esse motor, para instalarmos luz na sede, fiquei surpreso com a resposta:

­ - Não Prefeito, aquele motor não serve para vocês ‑ pensou um pouco e continuou ‑ estou informado que perto da sede tem um salto capaz de produzir força suficiente para instalação de uma Usina Hidroelétrica, eu vou mandar verificar.

­ - Mas isto é uma obra muito demorada Governador, ‑ respondi - nós pretendíamos ter energia elétrica logo.

­ - Com esse motor, disse o Governador, vocês terão grandes despesas e precisariam de um mecânico especializado permanente, e não tem estrada para garantir o transporte de óleo e se o salto for o que pensamos, dentro de um ano eu garanto a energia, nem que seja provisória.

Diante dessa afirmação voltei sem o motor, os companheiros, a princípio, acharam que eu tinha dormido no ponto.

Passado algum tempo chegava à Prefeitura o Dr. Javorski com uma carta do Governador pedindo que déssemos assistência necessária a ele, para fazer o serviço. No mesmo dia instalei‑o na margem do salto com tudo o que havia pedido.

Trinta dias depois, ele (Dr. Javorski) mandou levantar o acampamento e seguiu para Curitiba, ao despedirmo‑nos perguntei‑lhe o resultado e ele respondeu: “Ótimo, melhor do que nós esperávamos”.

Decorrido algum tempo, chegava na Prefeitura outro Engenheiro, com carta do Governador pedindo para darmos assistência, pois ele vinha fazer uma revisão dos estudos e, dias depois foi embora, ou seja, quando foi embora, perguntado sobre o resultado, disse que o Dr. Javorski tinha sido bastante moderado na sua avaliação. Passado alguns dias recebemos um rádio que marcava a data do lançamento da pedra fundamental da Usina. Os companheiros reunidos, perguntávamos, como vamos levar o Governador até o salto, a cavalo? Então foi mandado avisar aos que não tinham estado presentes, que no dia seguinte, todo cidadão útil, deveria estar na encruzilhada da estrada de Pitanga, com a fazenda Santa Maria, quem tinha carroça que a levasse e outros que não tivessem carroças, que levassem as ferramentas que pudessem e tivessem, no ponto indicado e assim, em três dias estava a estrada pronta até o salto.

Para esse trabalho não faltou ninguém, Prefeito, dentista, farmacêutico, comerciantes, sitiantes, todos deram sua valiosa colaboração, assim Moysés Lupion e a comitiva pode ir de automóvel, por ótima estrada, fazer o lançamento da pedra fundamental da Usina. Depois das solenidades, durante almoço que foi lá mesmo, o Governador conversando comigo, disse: “com gente como essa é um prazer ajudar”.

Foi uma obra para a qual todos contribuíram, vindo de rincões distantes há quase um dia a cavalo, para dar um dia de serviço.

Segundo: Vindo a Campo Mourão, o Brigadeiro Geraldo de Aquino e [...], que também pretendia ter aqui um pedaço de terra. Nas conversas mantidas com ele [Brig. Aquino], nasceu a idéia de um campo de aviação, que eles ajudariam para que fosse incluído na rota do Correio Aéreo. Ficando assim tudo combinado e, logo que estivesse pronto, deveríamos avisar que ele, Brigadeiro Aquino, viria inaugurar.

Como sempre, o punhado de companheiros, tomando a iniciativa mandou avisar a todos, inclusive pelo Inspetor de Quarteirão municipal, marcando o dia para o início. Outros trataram de arrumar alimentação, ferramentas e acomodações. Assim , em três dias e meio de serviço, que responderam quatrocentos homens num dia, ficou o campo de aviação pronto e foi inaugurado pelo Brigadeiro Aquino.

Meses depois correu a notícia de uma reforma judiciária no Estado, segui para Curitiba para pleitear também a nossa Comarca. Apenas comecei a conversar com o Governador Moysés Lupion, dispondo nosso ponto de vista, quando ele fez um sinal com a mão e eu parei de falar, e ele disse: “na reforma judiciária pretendida, já está incluído Campo Mourão, pode voltar e dizer aos nossos companheiros que é um ato de justiça e que Campo Mourão será Comarca quando for aprovada a reforma judiciária”.

Assim, dentro em breve, um fato inédito até então na história da criação dos Municípios. Município de um ano e, dentro de um ano, Comarca Judiciária.

Da boa vontade do Governador Lupion para com o nosso Município, ninguém tem dúvida, era um homem que olhava pelos Municípios do interior com todo o carinho, principalmente os Municípios do Norte, a quem devemos tudo o que fomos no princípio.

Dos bravos companheiros que tanto nos ajudaram, eu sinto a falta dos que já partiram para o além: Francisco Albuquerque, Antonio Teodoro de Oliveira, Devete de Paula Xavier, José Antonio dos Santos, Zaleski, Guadaniuk, Scharan, Narciso Simão e Daniel Portela, que hoje não podem estar ao nosso lado, para receberem o culto de homenagem prestada pelos seus trabalhos.

Campo Mourão foi feliz, criado com tão boa vontade, teve a sorte de ter em todas as suas administrações homens cheios de dedicação que tudo fizeram para que alcançasse essa grandeza em que hoje se encontra.

Da união de nossos companheiros e o apoio ao seu Prefeito, o que fazia sentir o governo a força de seus pedidos, resultou conseguirmos os principais fatores do nosso progresso.

Não terminei o meu mandato. Numa sexta‑feira de agosto de 1950, recebi um rádio do Chefe da Casa Militar do Governador, dizendo que ele me esperava no dia seguinte, sem falta. Respondi que ia providenciar um avião e estaria presente. Pedi um teco‑teco da BOA e, no dia seguinte, ao meio‑dia, chegava em minha casa em Curitiba e minha filha, ao me receber disse, que já tinham telefonado, por três vezes do Palácio perguntando se eu já havia chegado, então disse a ela que me visse uma roupa e um cafezinho, que eu iria em seguida, mas enquanto isso acontecia, o telefone bateu e eu atendi, era o Cel. Crespo, ele disse que estavam ansiosos pela minha presença, pois estava na hora do Governador ir para sua residência tomar remédios a que estava habituado, e perguntou‑me se eu tinha condução, como eu disse que não, ele me respondeu que ia mandar um carro me buscar.

Ao chegar no Palácio me surpreendi ao ver o Cel. Crespo me esperando no topo da escada e mais ainda, quando atravessamos a ante‑sala do Gabinete, a presença de todos os Secretários de Estado e diversos Deputados, aos quais o Cel. Crespo deu um sinal para que seguissem ao Gabinete. Recebido pelo Governador Lupion que me abraçou e dirigiu‑se a todos os presentes dizendo: “apresento a todos os meus amigos e auxiliares, o meu novo Diretor do Departamento das Municipalidades”. Eu quase caí! Governador, disse, não é possível, eu não aceito, esse cargo é um cargo técnico, é um cargo para um Engenheiro e, além do mais eu ainda tenho um ano e cinco meses de Prefeitura em Campo Mourão. Ele me respondeu, por parte:

Campo Mourão já é uma criança que anda com passos firmes, para um caminho de progresso e independência. Fiz tudo que vocês pediram, mas agora são trinta e dois Municípios do Estado que pedem a sua colaboração, precisam de um homem capaz de fazer cumprir os 32 compromissos que eu tenho com os Municípios do interior e só o amigo, um homem de capacidade como você, poderá realizar, quanto aos técnicos, aquele que você precisar requisita e eu colocarei à sua disposição.

Não teve outro jeito, ele virou‑se para o Secretário de Governo e disse “... leia o termo de posse de nosso Diretor”. Lido o termo, foi levado o livro para o Governador assinar, que passou‑me para eu também assinar. Assinei com o coração gelado. Depois disso voltei a Campo Mourão para transferir ao Presidente da Câmara o cargo de Prefeito, aí terminou, definitivamente, o meu mandato. Voltando para Curitiba assumi o cargo de Diretor do Departamento dos Municípios e, graças a Deus, conseguimos cumprir aquilo que o Governador tanto desejava. Campo Mourão contribuiu assim, perdendo o seu Prefeito, para que o Governador pudesse fazer cumprir, em 32 Municípios, as obras importantes que ele havia prometido e, dentre essas, eu consegui que fosse incluída a ponte do rio Ivaí, ficou contrato assinado com a Deloma Ltda. para construção mas, com a passagem do governo para Bento Munhoz da Rocha, esse mandou rescindir aquele contrato, e mandou também parar as obras da Usina Hidroelétrica de Campo Mourão. Tivemos que esperar cinco anos, sofrendo com as dificuldades daquela balsa, até que o novo governo, Moysés Lupion, mandou construir a ponte que havia prometido, é essa que aí está até hoje.

Estou me alongando demais, mas já vou terminar. Desde que vim para Campo Mourão, vivi em toda região sozinho, quero dizer, sem familiares, porque a minha esposa, muito doente, vivia debaixo de assistência médica diária e não podia sair de Curitiba, então minha família ficou lá. Acontece que recebido com afeição e carinho por todos, dentro em pouco eu tinha duas continuações do meu lar, em Campo Mourão com a família de Francisco Albuquerque e, em Peabiru, com a família de Narciso Simão, o compadre Narciso de todos. Mais tarde, também a casa de Renato de Mello, todos esses amigos tinham filhas meninas, já algumas se faziam mocinhas e todas me tratavam como se fosse um tio e, em compensação eu as tratava e as queria como se fossem minhas próprias filhas, pela atenção e carinho que me dispensavam e, por obra do destino, ou simples coincidência, hoje a primeira dama de nosso Município é uma das meninas daquele tempo, Samira, a filha de Narciso Simão e esposa do nosso Prefeito Augustinho Vecchi.

A todos os que me ouvem o meu muito obrigado pela atenção. [palmas]

Fonte Livro:


Nenhum comentário: