Por José Eugênio Maciel
A morte não existe para os mortos. [...]
Os mortos conquistam a vida, não
a lendária, mas a propriamente dita
a que perdemos ao nascer.
A sem nome sem limite sem rumo [...]
A morte sabe disto e cala.
Só a morte é que sabe
VIDA DEPOIS DA VIDA – Drummond
Naquela sexta, dia dois, a tela do computador estava inteiramente branca, ágrafa. Ao mesmo tempo é como se ela estivesse negra, luto. Agora, uma semana depois, tenho que encontrar uma maneira para escrever sobre Arthur Pereira...
O telefone toca. O meu irmão mais novo, Enio, me noticia com a voz embargada e tolhida pela tristeza indizível, Eloy Maciel Filho não resistiu, enfarto fulminante. Eu, trôpego e no descompasso das batidas do coração, desligo o computador após avisar pelo correio eletrônico a perda do irmão querido. É por tal circunstância que a Coluna não foi publicada na semana passada, não chegou a ser escrita. Tínhamos todos que nos reunir novamente para outro momento fúnebre.
Arthur Pereira fez aniversário no último dia 30 de junho, 56 anos. Lamentavelmente passou a ser o dia da morte dele, vitimado em acidente de trânsito quando pilotava uma moto. Não quero e não posso aqui refletir como quem faz caminhos do tempo e do destino, ambos voltados para trás, tempo e destino que por completo não sabemos nós se os fazemos ou somos feitos por eles. O fato, caro Arthur é que você se foi. Mais de duas décadas fazendo parte da nossa família e nós da sua, da sua mãe Lourdes, pela nossa irmã e tua esposa Edna, dos filhos Guilherme e Gustavo.
Existem tantos momentos marcantes que bem poderiam ser lembrados agora com imorredoura saudade. A tua gargalhada era singular, espírito aberto, brincalhão. Simples no modo de vestir, tão humilde que, ao visitar as obras que edificava você era facilmente confundido com um dos seus pedreiros ou mestre de obra, e não adiantava falar, lá você ia com sapatos velhos, camisas puídas, golas desmangoladas, feliz da vida, nada em você naqueles trajes lembraria o arquiteto promissor, compenetrado nos cálculos, nas planilhas, nos seus projetos.
A família era a sua razão de ser, se preocupava com o futuro dos filhos, dava-lhes atenção, amor, estava sempre presente. Gustavo e Guilherme sempre tiveram em você incontáveis exemplos.
O sol dourado brilhando intensamente ia se pondo ao longe naquele final de tarde, os raios, num capricho da natureza, entabulavam luminosamente o jazigo, o astro ia descendo na mesma medida em que o caixão desaparecia na sepultura, o nosso último adeus. Arthur, a tua falta é enorme, para dizer o mínimo. A tua luminosidade há de prosseguir, clareando, mesmo que tudo agora pareça escuridão.
No último dia dois de julho éramos para estar reunidos em comemoração aos 60 anos do irmão mais velho Egidio José Brizola. Estivemos reunidos, infelizmente para velar o outro irmão. Eloyzinho tinha 58 anos. Egidio observava, “não poderíamos imaginar, menos de 24 horas, o jazigo da família teve que ser novamente aberto”.
Eloyzinho falava e ouvia com o coração. Genial, fraternal e companheiro dos pais e dos irmãos. Era surdo e mudo. Não se valia necessariamente dos gestos ou da leitura labial para compreender as pessoas, principalmente em família, a tudo e a todos estava sempre atento, solidário, prestativo. Um exemplo digno de ser lembrado, especialmente por jamais se aproveitar do que lhe seria uma limitação, “deficiência” que não o impediu de trabalhar e estudar com esmero, interesse, dedicação e competência.
Certa vez teve que ir pha uma placa ao lado da normal, verde musgo com uma faixa vermelha transversal indicando que o veículo era dirigido por um surdo e mudo. E enorme foi a alegria quando um guarda parou e lhe pediu os documentos, você, Eloyzinho, respeitador da lei, orgulhosamente a mostrou para o policial.
Em casa, ou na casa de qualquer dos seus irmãos, tios, parentes ou amigos, a sua chegada e presença eram motivos de alegria, o bom humor notável, cativante, imitador de personagens que nos faziam rir, como eram também gostosas as tuas gargalhadas quando assistia O Carlitos de Chaplin ou a dupla Gordo e Magro. Só o cinema era mudo.
Temos que fazer o silêncio ensurdecedor da despedida que nos enluta, mesclada pelo choro, lembrando dos seus gestos e exemplos de vida, de filho, irmão, tio, esposo e pai. Sem palavras emudecemos, te acenaremos, sempre.
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