domingo, 7 de outubro de 2012
A HORA DA SAIDEIRA
Por JOÃO
UBALDO RIBEIRO - O Estado de S.Paulo
Na semana passada, li um artigo do professor Marco
Antonio Villa, que não conheço pessoalmente, mostrando, em última análise, como
a era Lula está passando, ou até já passou quase inteiramente, o que talvez
venha a ser sublinhado pelos resultados das eleições. Achei-o muito oportuno e
necessário, porque mostra algo que muita gente, inclusive os políticos não
comprometidos diretamente com o ex-presidente, já está observando há algum
tempo, mas ainda não juntou todos os indícios, nem traçou o panorama completo.
O PT que nós conhecíamos, de princípios bem
definidos e inabaláveis e de uma postura ética quase santimonial, constituindo
uma identidade clara, acabou de desaparecer depois da primeira posse do
ex-presidente. Hoje sua identidade é a mesma de qualquer dos outros partidos
brasileiros, todos peças da mesma máquina pervertida, sem perfil ideológico ou
programático, declamando objetivos vagos e fáceis, tais como "vamos cuidar
da população carente", "investiremos em saneamento básico e
saúde", "levaremos educação a todos os brasileiros" e outras
banalidades genéricas, com as quais todo mundo concorda sem nem pensar. No terreno
prático, a luta não é pelo bem público, nem para efetivamente mudar coisa
alguma, mas para chegar ao poder pelo poder, não importando se com isso se
incorre em traição a ideais antes apregoados com fervor e se celebram acordos
interesseiros e indecentes.
A famosa governabilidade levou o PT, capitaneado
por seu líder, a alianças, acordos e práticas veementemente condenadas e
denunciadas por ele, antes de chegar ao poder. O "todo mundo faz"
passou a ser explicação e justificativa para atos ilegítimos, ilegais ou
indecorosos. O presidente, à testa de uma votação consagradora, não trouxe
consigo a vontade de verdadeiramente realizar as reformas de que todos sabemos
que o Brasil precisa - e o PT ostentava saber mais do que ninguém. No entanto,
cadê reforma tributária, reforma política, reforma administrativa, cadê as
antigas reformas de base, enfim? O ex-presidente não foi levado ao poder por
uma revolução, mas num contexto democrático e teria de vencer sérios obstáculos
para a consecução dessas reformas. Mas tais obstáculos sempre existem para quem
pretende mudanças e, afinal, foi para isso que muitos de seus eleitores votaram
nele.
O resultado logo se fez ver. Extinguiu-se a chama
inovadora do PT, sobrou o lulismo. Mas que é o lulismo? A que corpo de ideias
aderem aqueles que abraçam o lulismo? Que valores prezam, que pretendem para o
País, que programa ou filosofia de governo abraçam, que bandeiras desfraldam
além do bolsa família (de cujo crescimento em número de beneficiados os
governantes petistas se gabam, quando o lógico seria que se envergonhassem,
pois esse número devia diminuir e não aumentar, se bolsa família realmente
resolvesse alguma coisa) e de outras ações pontuais e quase de improviso? É
forçoso concluir que o lulismo não tem conteúdo, não é nada além do permanente
empenho em manter o ex-presidente numa posição de poder e influência. O lulismo
é Lula, o que ele fizer, o que quiser, o que preferir.
Isso não se sustenta, a não ser num regime
totalitário ou de culto à personalidade semirreligiosa. No momento em que o
ex-presidente não for mais percebido como detentor de uma boa chave para
posições de prestígio, seu abandono será crescente, pois nem mesmo implica
renegar princípios ou ideais. Ele agora é político de um partido como qualquer
outro e, se deixou alguma marca na vida política brasileira, esta terá sido,
essencialmente, a tal "visão pragmática", que na verdade consiste em
fazer praticamente qualquer negócio para se sustentar no poder e que ele levou
a extremos, principalmente considerando as longínquas raízes éticas do PT. Para
não falar nas consequências do mensalão, cujo desenrolar ainda pode revelar
muitas surpresas.
O lulismo, não o hoje desfigurado petismo, tem
reagido, é natural. Os muitos que ainda se beneficiam dele obviamente não
querem abdicar do que conquistaram. Mas encontram dificuldades em admitir que
sua motivação é essa, fica meio chato. E não vêm obtendo muito êxito em seus
esforços, porque apoiar o lulismo significa não apoiar nada, a não ser o
próprio Lula e seu projeto pessoal de continuar mandando e, juntamente com seu
círculo de acólitos, fazendo o que estiver de acordo com esse projeto. Chegam
mesmo à esquisita alegação de que há um golpe em andamento, como se alguém
estivesse sugerindo a deposição da presidente Dilma. Que golpe? Um processo
legítimo, conduzido dentro dos limites institucionais? Então foi golpe o
impeachment de Collor e haverá golpe sempre que um governante for legitimamente
cassado? Os alarmes de golpe, parecendo tirados de um jornal de 30 ou 40 anos
atrás, são um pseudoargumento patético e até suspeito, mesmo porque o
ex-presidente não está ocupando nenhum cargo público.
É triste sair do poder, como se infere da
resistência renhida, obstinada e muitas vezes melancólica que seus ocupantes
opõem a deixar de exercê-lo. O poder político não é conferido por resultados de
pesquisas de popularidade; deve-se, em nosso caso presente, aos resultados de
eleições. O lulismo talvez acredite possuir alguma substância, mas os
acontecimentos terminarão por evidenciar o oposto dessa presunção voluntarista.
Trata-se apenas de um homem - e de um homem cujas prioridades parecem
encerrar-se nele mesmo. Mas sua saída de cena não deverá ser levada a cabo com
resignação. Ele insistirá e talvez ainda o vejamos perder outra eleição em São
Paulo. Não a do Haddad, que aparentemente já perdeu. Mas a dele mesmo, depois
que o mundo der mais algumas voltas e ele quiser iniciar uma jornada de volta
ao topo, com esse fito candidatando-se à Prefeitura de São Paulo.
Publicado no no estadao \|-imagens da Internet via Google PVeiga-|/
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