(Engenheiro Militar e Cartógrafo genovês Francesco Tosi Colombina)
terça-feira, 9 de outubro de 2012
TRATADO DE LIMITES
Por Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 07 de
outubro de 2012.
São conhecidas as aspirações da nossa estimável irmã da América do
Norte, a respeito da borracha; é notório seu apreço pelo torrão maravilhoso
possuído pelo Brasil nas margens amazônicas; são bem conhecidas as transações
ultimamente efetuadas no estrangeiro a respeito de grandes trechos daqueles
vastos e ferocíssimos territórios; e, mais cedo ou mais tarde, dentro de pouco
tempo, talvez fiquemos privados daquelas zonas, as vejamos em mão estrangeiras.
(Ruy Barbosa)
Arbitragem Cristã
Naqueles tempos nada se tinha por acabado e perfeito se a religião não o
consagrava; e como, além disso, a ideia de que todos os reinos da terra eram
sujeitos ao Papa, que tinha sobre eles direito de soberania, os reis e
conquistadores procuravam sempre assegurar nas concessões a proteção da Santa
Sé à legitimidade dos seus descobrimentos e domínios. (João Francisco Lisboa)
As arbitragens sobre as terras internacionais eram,
na época, decididas pelos príncipes do Vaticano. Esta tradição remonta a 1092
quando o Papa Urbano II concedeu a Ilha da Córsega ao Bispo de Pisa. A Espanha
fora beneficiada, por Sisto IV, com a posse das Ilhas Canárias e Portugal, por
sua vez, teve asseguradas suas posses as terras conquistadas aos “infiéis”
conforme bula assinada por Eugênio IV. Nicolau V reconheceu como portuguesas
todas as conquistas na África e ilhas vizinhas e, depois dele, Calisto III, em
1456, proclama que só Portugal tinha o direito de descobrir o “Caminho das
Índias”.
Mundus Novus e a Bula “Inter Coetera”
Os reis católicos da Espanha, Fernando e Isabel,
aproveitam a descoberta da América, por Colombo, e que o trono da Santa Sé era
ocupado por um Pontífice espanhol, Alexandre VI, para pleitear o reconhecimento
de sua soberania sobre as terras recém-descobertas. O Papa espanhol expediu
imediatamente uma bula doando à Espanha, em caráter perpétuo, o Novo Mundo, com
o compromisso dos reis de Castela de propagarem a Fé Católica nas novas plagas.
A controvertida bula “Inter Coetera”, de 4
de maio de 1493, definia uma linha imaginária que passava a cem léguas a oeste
das Ilhas dos Açores e Cabo Verde com origem no pólo Ártico e término no Pólo
Antártico. As terras ao Ocidente desta Linha pertenceriam à Espanha. O rei D.
João II, de Portugal, não concorda com a decisão e, sem conseguir demover
Alexandre VI de sua decisão, prepara uma frota de guerra com o propósito de
assegurar os direitos lusitanos sobre as regiões descobertas por Colombo no
Ocidente que, de acordo com a bula promulgada por Calisto III, em 1456, e o
Tratado de Alcaçovas, de 1481, pertenciam à coroa portuguesa. A beligerância
teve seu fim com a assinatura do Tratado de Tordesilhas, a 7 de junho de 1494,
deslocando a linha para 370 léguas a partir da Ilha de Cabo Verde. Portugal
assegurava, com isso, a posse de grande parte do Brasil além de desfrutar das
vantagens do “Caminho da Índias”.
O Tratado de Tordesilhas nasceu caduco. Não havia,
naquela época, como demarcar com exatidão essa linha, pois o processo de
cálculo que permitiria sua definição só viria a ser dominado no final do século
XVII.
(...) não concordando os Históricos, faltos de fundamentos, nem
acertando os Geógrafos as suas medidas, não é possível assentar ponto fixo para
esta demarcação, porque de premissas ou prováveis e duvidosas, não se pode
deduzir ilação infalível.
(Engenheiro Militar e Cartógrafo genovês Francesco Tosi Colombina)
(Engenheiro Militar e Cartógrafo genovês Francesco Tosi Colombina)
O Tratado de Tordesilhas foi o embrião da questão
Acreana. A disputa pelas nações ibéricas do continente americano manteve-se
acesa em cada país Sul-americano que herdou daquelas importantes civilizações
europeias não só sua cultura, tradições e costumes, mas também suas mal
resolvidas questões de fronteira.
Coroa Ibérica
D. Sebastião, o desejado, rei de Portugal e o
último da dinastia dos Avis, cresceu com a plena convicção de que era um
predestinado. Ao enfrentar os mouros, em número significativamente superior, na
batalha de Alcácer Quibir, evidenciou nas suas ações achar que o “Milagre de
Ourique” repetir-se-ia, afinal a Batalha de Ourique foi um episódio
simbólico para a monarquia portuguesa, graças a ela D. Afonso Henriques foi
aclamado rei de Portugal, em 25 de julho de 1139.
Para desespero de D. Sebastião e de seus
combatentes, o milagre não se repetiu e a sua morte precipitou uma série de
acontecimentos que culminaram com a unificação das coroas de Espanha e Portugal
sob a autoridade da Espanha ficando, o período, conhecido como União Ibérica. O
período, que durou 60 anos (1580-1640), permitiu que os espanhóis estendessem
seus domínios no Pacífico em regiões reconhecidamente portuguesas e nas regiões
platinas da América. O desinteresse pelas possessões amazônicas era embasado,
seguramente, em dois fatores fundamentais: o econômico e o fisiográfico. O
primeiro em virtude da desilusão da missão de Gonzalo Pizarro na busca do País
da Canela e do El Dorado que redundara em um retumbante fracasso. O segundo,
talvez a “vera causa”, a Cordilheira dos Andes que impedia ou pelo menos
dificultava a colonização espanhola da terra das Amazonas. A Cordilheira,
segundo Euclides da Cunha foi “um cordão sanitário ou ao menos um desmedido
aparelho seletivo”.
Os portugueses, por sua vez, ampliaram sua área de
influência na América e a Amazônia foi sendo conquistada pelos lusos nos seus
mais longínquos rincões, graças à instalação de fortificações e criação de
pequenos povoados. O rei D. João V, com o ouro da “terra brasilis”,
pagou cientistas que elaboraram os fundamentos cartográficos do Tratado de
Madri, construiu fortes diminuindo a vulnerabilidade da colônia brasileira e
negociou com o Papa Benedito XIV a bula “Candor Lucis” em 1745 que
estabelecia as prelazias de Goiás e Cuiabá. O Vaticano, através da “Candor
Lucis”, reconhecia publicamente o avanço português sobre a linha de
Tordesilhas antes mesmo do Tratado de Madri.
Quando da assinatura do Tratado de Madri, em 1750,
os espanhóis, acatando os argumentos de Alexandre de Gusmão, que defendia o
princípio do “Uti Possidetis”, reconheceram a soberania portuguesa sobre
a região.
A Histórica Má-fé Boliviana
A partir de 1833, as discordâncias entre o Império
do Brasil e a Bolívia, no que se refere ao estabelecimento dos limites se
tornam cada vez mais patentes. Uma série de crises se sucedeu sem que se
chegasse a um acordo. O Governo de La Paz havia concedido sesmarias, a cidadãos
bolivianos, em território brasileiro; pretendia exercer domínio total sobre o
Rio Madeira e ainda tinha a intenção de permitir aos Estados Unidos da América
a livre navegação nos Rios da Bacia Amazônica, que entendiam serem caminhos
livres, “abertos pela natureza ao comércio de todas as nações”.
Em 1834, procurando equacionar as contestadas
questões de fronteira com o Brasil, a Bolívia encarrega da missão o General
Mariano Armaza. O General apresentou uma proposta amparada no Tratado de Santo
Ildefonso, de 1777, entre Espanha e Portugal que tinha como premissa: “que a
linha divisória começasse aos 22°, na margem direita do Paraguai, até a
embocadura do Jauru, daí seguisse pelas águas desse Rio e pelas do Aguapeí até
encontrar na serra do mesmo nome as cabeceiras do Rio Alegre e daí baixasse até
o Guaporé”. A sugestão foi rechaçada pelo Governo brasileiro.
Diversas tentativas se sucederam, mas nenhuma
chegou a bom termo. Antônio Pereira Pinto afirma nos seus “Estudos sobre
algumas questões internacionais” que os estadistas de La Paz não eram
capazes de negociar de boa fé já que “as tradições adversas ao Brasil
passavam em seu Governo de geração em geração”.
Os bolivianos teimavam em evocar, equivocada e
tendenciosamente, os Tratados de Madrid, (1750), e o de Santo Ildefonso,
(1777), sem considerar que os mesmos haviam sido anulados e tornados sem
efeito. O de Madrid pelo tratado de El Pardo, de 12 de fevereiro de 1761 e que
culminou com a assinatura do Tratado de Paris, 10 de fevereiro de 1763; o de
Santo Idelfonso quando pactuado, em Badajoz, o tratado de 6 de junho de 1801.
Os bolivianos não queriam considerar como único princípio correto, que deveria
ser seguido nas relações de domínio territorial no Continente, o do “Uti-possidetis”:
“Ita-possideatis”, do Direito Romano incorporado ao Direito
Internacional.
Tratado de Ayacucho
Em 1867, em plena campanha contra Solano Lopez, a
Bolívia insiste na definição da questão e nomeia, como seu representante, o
Chanceler Dr. Mariano Donato Muñoz e o Brasil o Dr. Felipe Lopes Neto, com a
finalidade de elaborar uma proposta que resolva definitivamente a questão.
As negociações são concluídas com a assinatura, na
cidade de La Paz de Ayacucho, do Tratado de Ayacucho, em 27 de março de 1867. A
reconhecida habilidade de Lopes Neto se torna patente ao fazer com que os
estadistas bolivianos aceitem o princípio do Uti-possidetis, até então recusado
peremptoriamente. O diplomata brasileiro, infelizmente, não conseguiu que o
artigo 2° do Tratado, no parágrafo que se refere à linha divisória no
território cortado pelo Rio Aquiri ou Acre, mantivesse a formatação original
dos artigos respectivos dos Tratados de 1750 e de 1777.
— O artigo VIII do “Tratado de
Madrid”, de 1750, estipulava que:
Baixará pelo álveo destes dois Rios, já unidos, até a paragem situada em
igual distância do dito Rio das Amazonas, ou Marañon, e da Boca do dito
Mamoré; e desde aquela paragem continuará por uma linha Leste-Oeste até
encontrar com a margem Oriental do Javari que entra no Rio das Amazonas
pela sua Margem Austral; e baixando pelo álveo do Javari até onde desemboca no
Rio das Amazonas ou Marañon, prosseguirá por este Rio abaixo até boco mais
ocidental do Japurá, que deságua nele pela margem setentrional.
— O artigo XI do “Tratado de
Santo Ildefonso”, de 1777, em consonância com a letra do Tratado de 1750,
por sua vez:
Baixará a Linha pelas águas destes dois Rios Guaporé, e Mamoré, já
unidos com o nome da Madeira, até á paragem situada em igual distância do Rio
Maranhão, ou Amazonas, e da Boca do dito Mamoré, e desde aquela
paragem continuará por uma Linha Leste-Oeste até encontrar com a Margem
Oriental do Rio Javari, que entra no Maranhão (Amazonas) pela sua margem
Austral; e baixando pelo álveo do mesmo Javari até onde desemboca no Maranhão,
ou Amazonas, prosseguirá águas abaixo deste Rio, a que os espanhóis costumam chamar
Orellana, e os Índios Guiena, até a Boca mais Ocidental do Japurá, que deságua
nele pela margem Setentrional.
— O artigo II do “Tratado de
Ayacucho”, a fronteira é especificada com maior detalhamento, em virtude do
conhecimento, que se tinha, do Madeira para o Sul:
Sua Majestade o Imperador do Brasil e a Republica de Bolívia concordam
em reconhecer, como base para a determinação da fronteira entre os seus
respectivos territórios, o “Uti Possidetis”, e, de conformidade com este
princípio, declaram e definem a mesma fronteira do modo seguinte:
(...) baixará por este Rio até a sua confluência com o Guaporé e pelo
meio deste e do Mamoré até ao Beni, onde principia o Rio Madeira. Deste Rio
para o Oeste, seguirá a fronteira por uma paralela, tirada da sua margem
esquerda na Latitude Sul de 10°20’, até encontrar o Rio Javari. Se o Javari
tiver as suas nascentes ao Norte daquela linha Leste-Oeste, seguirá a
fronteira, desde a mesma Latitude (10°20’), por uma reta,
a buscar a origem principal do dito Javari.
Na época, se ignorava o traçado e as nascentes do
Rio Javari. No Brasil, supunha-se que o Rio tivesse suas nascentes paralelas ao
Madeira, provavelmente, a 10°20’ de Latitude Sul. A condicionante colocada no
Tratado foi um artifício sutil empregado por Mariano Muñoz com o qual concordou
Lopes Neto. Naquela época, os bolivianos já suspeitavam que o Javari não nascia
na altura do Paralelo 10°20’, mas mais ao Norte.
Livro
do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o
Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS
– PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na
Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de Porto
Alegre. Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de Engenharia
Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB
- RS); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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