Jovem reclinada com papagaio Valentine Cameron Prinsep (Inglaterra, 1838-1904) óleo sobre tela |
sábado, 6 de outubro de 2012
O PAPAGAIO REAL CONTO TRADICIONAL DO BRASIL
Coletado por Luiz da Câmara Cascudo
Duas moças moravam juntas e
eram irmãs, uma muito boa e a outra maldizente e preguiçosa. Cada uma tinha seu
quarto. A mais velha começou a notar um barulho de asa e depois fala de homem
no quarto da irmã. Ficou desconfiada e foi olhar pelo buraco da fechadura.
Viu uma bacia cheia d’água no meio do quarto. Quando deu meia-noite
chegou na janela um papagaio enorme, muito bonito e voou para dentro,
metendo-se na bacia, sacudindo-se todo, espalhando água para todos os lados.
Cada gota d’água virava ouro e o papagaio, quando saiu do banho, foi um
príncipe mais formoso do mundo. Sentou-se ao lado da irmã e pegaram a conversar
como noivos. A irmã ficou roxa de inveja. No outro dia, de tarde, encheu o
peitoril da janela de cacos de vidro, assim como a bacia. Nas horas da noite o
papagaio chegou e batendo no peitoril cortou-se todo. Voou para a bacia e
cortou-se ainda mais. Arrastando-se, o papagaio não virou príncipe, mas chegou
até a janela e disse para a moça que estava assombrada com o que acontecera:
– Ai ingrata! Dobraste-me os
encantos! Se me quiseres ver só no reino de Acelóis
E, batendo asas, desapareceu. A
moça quase se acaba de chorar e de se lastimar. Brigou muito com a irmã e
deixou a casa, procurando o noivo pelo mundo. Ia andando, empregando-se como criada
nas casas só para perguntar onde ficava o reino de Acelóis. Ninguém sabia
ensinar e a moça ia ficando desanimada.
Uma noite, depois de muito
viajar, já cansada, ficou com medo dos animais ferozes e subiu em uma árvore,
escondendo-se bem nas folhas. Estava amoquecada quando diversos bichos
esquisitos chegaram para baixo do pé de pau e pegaram a conversar.
— De onde chegou você?
— Do reino da Lua!
— E você?
— O reino do Sol!
— E você?
— Do reino dos Ventos!
A moça prestou atenção. No
primeiro cantar dos galos sumiram-se todos, e ela desceu e continuou a marcha.
Andou, andou, até que chegou noutra mata e, para não ser devorada, trepou numa
árvore. Lá em cima, quando a noite ficou bem fechada, chegaram umas vozes no pé
do pau.
— De onde veio?
— Do reino da Estrela!
— De onde veio?
– Do reino de Acelóis!
— Que novidades me traz?
— O príncipe está doente e
ninguém sabe como tratar dele…
A moça botou reparo e na
madrugada seguiu no mesmo rumo pois as vozes já tratavam do reino de Acelóis.
Andou, andou, andou. Finalmente, quando anoiteceu, estava dentro de uma
floresta. Subiu em um pau e ficou quieta, lá em cima. Mais tarde as vozes
começaram na falaria:
— De onde vem você?
— Do reino de Acelóis!
— Como vai o príncipe?
— Vai mal, coitado, não tem
remédio!
— Ora não tem! Tem! O remédio é
ele beber três gotas de sangue do dedo mindinho de uma moça donzela que queria
morrer por ele!
Quando amanheceu o dia, a moça
tocou-se na estrada. Ia o sol se sumindo quando ela avistou o reinado de
Acelóis. Entrou no reinado e pediu agasalho numa casa. Na hora da ceia
perguntou o que havia e disseram que o assunto da terra era a doença do
príncipe. A moça, no outro dia, mudou os trajes, foi ao palácio e pediu para
falar com o rei.
— Rei Senhor! Atrevo-me a dizer
que ponho o príncipe bonzinho se Rei Senhor me der, de tinta e papel, a metade
do reinado e de tudo quanto lhe pertencer.
O rei deu, de tinta e papel, a
metade de tudo que possuía. A moça foi para o quarto, meou um copo d’água,
furou o dedo mindinho, botou três gotas de sangue dentro, misturou e mandou ele
beber. Assim que o príncipe engoliu, foi abrindo os olhos, levantando-se da
cama e abraçando a moça, numa alegria por demais.
O rei ficou muito satisfeito e
quando o príncipe disse que aquela era a sua verdadeira noiva desde o tempo em
que ele estava encantado em um papagaio real, o rei não quis dar consentimento
porque a moça não era princesa. A moça então falou:
— Rei Senhor! Tenho por tinta e
papel a metade de tudo quanto é do rei senhor neste reinado. O príncipe é do
rei senhor e eu tenho por minha a metade dele. Se rei senhor não quiser que eu
case com ele inteiro, levarei para casa uma banda.
Ao ouvir falar em cortar o
príncipe pelo meio, como a um porco, o rei chegou-se às boas e deu o
consentimento. Foram três dias de festas e danças e até eu me meti no meio,
trazendo uma latinha de doce, mas na ladeira do Encontrão, dei uma queda e ela,
páfo! —no
chão!…
-
Em:
Contos
Tradicionais do Brasil (folclore) de Luís da Câmara Cascudo,
Rio de Janeiro, Ediouro:1967
Luís da Câmara Cascudo nasceu em Natal
a 30 de dezembro de 1898 e faleceu em Natal, 30 de julho de 1986, onde viveu 88
anos. Foi um professor, historiador, antropólogo, advogado e jornalista
brasileiro, Câmara Cascudo foi o mais importante pesquisador sobre o folclore e
os costumes populares brasileiros. Foi reitor da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte e também professor do curso de Direito da mesma instituição. Nunca
pensou em deixar o seu estado, Rio Grande do Norte, por isso, não aceitou
o fardo da Academia Brasileira de Letras nem o convite de Juscelino para ser
reitor da Universidade de Brasília. Faleceu em 30 de julho de 1986.
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