A década de sessenta foi importante para o planeta
Terra por dúzias de motivos. Cabe um texto para cada um deles e certamente
nesse mosaico se enxergará um alinhamento de uma engenhosidade incrível no
tocante às mudanças sócio-políticas, culturais e comportamentais que
desencadearam. Em especial, foi uma década de ouro no Reino Unido.
Em outubro de 1962, separados por um só dia, dois
acontecimentos tipicamente britânicos desencadearam um processo epidêmico nesse
sentido e esta matéria visa traçar esse paralelo entre ambos.
Em 5 de outubro de 1962, uma banda de Rock obscura
do norte da Inglaterra, mais precisamente Liverpool, estava em Londres
observando seu primeiro lançamento oficial em disco, com um compacto simples
contendo as músicas "Love me Do" em seu lado A e "PS, I Love
You" no lado B. A despeito de estarem na ativa já há alguns anos e terem
um público em sua cidade natal e também em Hamburgo, Alemanha, onde fizeram
temporada pelas boates barra pesada da zona portuária, eram completos
desconhecidos do grande público britânico e estaca zero no âmbito mundial.
No dia seguinte, 6 de outubro de 1962, entrava em
cartaz nas salas de cinema da Grã-Bretanha, um filme que se enquadraria no
rótulo de "espionagem e ação", trazendo um agente do serviço secreto
de Sua Majestade como protagonista. Baseado no personagem criado por Ian
Fleming, em 1954, quando lançou o romance "Casino Royale", o agente
007 ajustava-se como uma luva no cenário tenso da guerra fria em 1962.
E não foi fácil levar o personagem às telas. Os
produtores Albert R. Broccoli e Harry Saltzman esbarravam na relutância do
executivo da United Artists, Harry Slatzman, que alegava ser impossível comprar
os direitos editoriais do personagem e produzir um filme à altura de suas
aventuras mirabolantes, com uma verba modesta disponível. Dessa forma, Broccoli
e Saltzman foram astutos e criaram uma manobra empresarial. Abriram uma pequena
editora e uma produtora de cinema na Suíça, onde os impostos eram muito menores
dos que os ingleses e adquiriram os direitos, barateando a produção.
Com o sinal verde, decidem usar outra estória de
Fleming e não o romance inicial, "Casino Royale" que consideraram
mais dispendioso para o momento (Casino Royale só seria lançado em 2006, muito
tempo depois) e contrataram o diretor Terence Young. Era delicadíssima a
decisão de escolher um ator perfeito para interpretar James Bond. Terence indica
Richard Johnson, mas os produtores o vetam e sugerem Roger Moore.
Moore recusa o convite (anos depois, na década de
1970, assumiria, fazendo vários filmes na sequência) e decidem enfim pelo ator
escocês, Sean Connery.
E nos estúdios Abbey Road, o empresário Brian
Epstein não media esforços para dar as melhores condições para seus meninos de
Liverpool. A primeira sessão de gravação do quarteto de Liverpool, ainda
contava com o baterista Pete Best em sua formação. A escolha da música teve o
peso da influência de Brian Epstein, pois Paul, George, John e Pete queriam
gravar "How do you do it ?" como música principal.
Em várias biografias, afirma-se também que além de
insistir em "Love me Do", Brian sugeriu o uso da gaita como instrumento
que reforçava a frase melódica da introdução. Nos arranjos originais, George
Harrison a fazia na guitarra enquanto John seguia na base harmônica, mas
sabedor que John sabia os rudimentos da gaita com certa desenvoltura, Brian
insistiu nesse detalhe.
Essa primeira sessão ocorreu em junho de 1962 e o
produtor artístico George Martin não gostou do resultado, vetando o lançamento.
Nesse interim, tomam a duríssima resolução de substituir o baterista Pete Best
(que ficaria com a terrível alcunha de "o homem mais azarado do
mundo") e convidam outro amigo de Liverpool, Richard Starkey, apelidado de
"Ringo Starr". Já com Ringo efetivado na banda, fazem uma nova sessão
de gravação, mas George Martin veta novamente, achando a atuação de Ringo,
insegura. Fechados na ideia de que Ringo era membro fixo e não fariam nova
mudança, decidem então fazer uma nova sessão, usando os préstimos do baterista
de estúdio, Andy White e Ringo fazendo percussão, com maracas na gravação, em
setembro de 1962.
Em janeiro de 1962, começaram as filmagens do filme de James
Bond. A estória seria batizada como "Ian Fleming's Dr. No". O
primeiro take filmado foi a cena 39. James Bond (Sean Connery), passa à frente
de uma fotógrafa e entra numa briga com um motorista (Reggie Carter). Muitas
das marcas registradas do personagem que arrebatou multidões de fãs pelo mundo
afora, já se fizeram presentes logo no primeiro filme.
O glamour do personagem que transitava entre um
super agente secreto capaz de façanhas físicas e intelectuais impressionantes e
um bon vivant culto, sarcástico e um sedutor de lindas mulheres, irresistível.
O staff à sua volta, dando-lhe suporte; a clássica trilha sonora exclusiva com
a tradição de uma música tema cantada por um astro britânico; a presença de uma
"Bond-Girl" de extremo glamour e claro, um vilão absolutamente
carismático. Neste debut, Dr. No era um cientista de alto poder intelectual e
frio como uma serpente, chefiava a organização secreta e criminosa,
"Spectre", com objetivos claros de domínio e exploração.
E no caso da primeira Bond-Girl, Ursula Andress foi
um estouro, a partir da cena clássica onde sai do mar trajando um ousado bikini
para os padrões da época, chegando a suscitar comentários de que seria a
sucessora de Marilyn Monroe no posto de maior Diva sexy do cinema.
Em 5 de outubro de 1962, Love me Do chegou à praça
e seu primeiro desempenho foi modesto, alcançando o 17° posto na parada de
sucessos britânica. Não precisou de muito tempo para chegar ao n° 4 e
catapultar esses garotos de Liverpool para um voo astronômico.
Em 6 de outubro de 1962, James Bond entrou nas
nossas vidas para não sair mais. O mundo sobreviveu ao medo do colapso atômico
perpetrado pela crise dos mísseis em Cuba, que deixou dois mandatários com seus
respectivos dedos sob dois botões vermelhos assustadores e vivemos para nos
divertir esses anos todos com a saga do agente 007. E também vivemos para ver o
FabFour virar o mundo de cabeça para baixo, espalhando sua música
revolucionária que propunha o amor como solução definitiva e não as maledetas
bombas. Torço para o mundo não acabar no final de 2012, mas não vejo nenhum
novo Bond no horizonte e muito menos alguém minimamente próximo à envergadura
artística dos Beatles...
Sniff, sniff... É isso, outubro de 1962, já fazem 50 anos, marcou em
dois dias seguidos, um triunfo da terra de sua Majestade para o planeta.
>>>|||-imagens da Internet pesquisa e fotoformatação PVeiga-|||<<<
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