sexta-feira, 19 de outubro de 2012
GREGÓRIO THAUMATURGO DE AZEVEDO - PARTE II
Hiram
Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 15 de outubro de 2012.
III
Achava-me
no Pará a 19 de fevereiro quando a “Folha do Norte” publicou o seguinte:
Consta
que será exonerado do cargo de Chefe da Comissão Técnica de Limites com a
Bolívia, o Dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo, em virtude de acusações que lhe
são feitas pelos seus companheiros de trabalho na dita Comissão.
Em
vista desta notícia dirigi ao Sr. Ministro, na mesma data, este telegrama: “Ministro
Relações Exteriores - Rio - Folha do Norte publica um telegrama constando minha
exoneração em virtude acusações companheiros. Solicitei, desejo exoneração, mas
devo informar oficialmente acusações desleais. Sigo 26 Manaus”.
A
mesma Folha no dia seguinte publicou esta declaração:
Procurou-nos
o Sr. Dr. Thaumaturgo de Azevedo e a propósito de um telegrama da Folha de
ontem comunicou-nos que desde os primeiros dias de janeiro pedira sua
exoneração da Comissão de Limites com a Bolívia.
Apesar
disso, como consta que tal exoneração lhe era cedida em virtude de
representações de alguns colegas de Comissão, Sr. Dr. Thaumaturgo já pediu ao
Governo para informar sobre tais representações, a fim de demonstrar o que elas
possam ter de inverídicas.
S.
S. que vai a Manaus em busca de alguns documentos oficiais para o Governo,
partirá para o Sul onde rebaterá, conforme nos disse, as acusações em sua
ausência exploradas junto ao Governo.
Não
tendo obtido do Sr. Ministro resposta ao meu telegrama, nem recebido
comunicação oficial de minha exoneração; compreendi que devia quanto antes
passar a direção da Comissão.
Regressando,
pois, a Manaus e tendo liquidado com a alfândega as contas de despesas feitas
sob a minha responsabilidade e passado ao meu substituto legal tudo quanto
existia a meu cargo, segui para esta Capital onde cheguei a 30 de março.
No
mesmo dia apresentei-me ao Sr. Ministro entregando ao venerando Sr. Visconde de
Cabo Frio, Diretor Geral da Secretaria, o meu relatório, ofícios, contas,
mapas, caderno de cálculos, cadernetas e desenhos.
O
Sr. Ministro não me recebeu dando como motivo ter acabado tarde a audiência ao
corpo diplomático e de ir retirar-se, marcando-me o dia seguinte para falar-me;
o que deixou de realizar-se por não ter vindo a sua secretaria.
Dando-lhe
tempo para ler a correspondência que entregara, apresentei-me em outro dia e
fiz anunciar-me.
S.
Exª respondeu que conversasse com o Sr. Visconde de Cabo Frio, e, voltando o
contínuo com a minha declaração de já ter-me entendido com o Sr. Visconde,
desejando apresentar-me pessoalmente, mandou o Sr. Ministro dizer-me por seu
oficial de gabinete - “que me dava por apresentado”.
Deixo
de comentar este procedimento do Sr. Ministro, esquivando-se de receber um
funcionário que acabava de chegar de importante Comissão, qual a que dirigira,
quaisquer que fossem as razões de incompatibilidade pessoal ou administrativa,
para que outros o julguem.
Recorri
então ao Sr. Presidente da República, comunicando-lhe o que se tinha passado, e
solicitei uma audiência para pô-lo ao fato das ocorrências que se deram com a
Comissão de Limites. E, como a minha exoneração fora firmada pelo Sr. Dr.
Manoel Victorino, então na Presidência, procurei-o, e narrando-lhe o ocorrido,
respondeu-me S. Exª que a minha exoneração fora a meu pedido, declarando-lhe o
Sr. Ministro do Exterior ser-lhe agradável apresentá-la, por ser a minha
opinião incompatível com a da sua Secretaria, acerca dos trabalhos da
demarcação. Expondo-lhe rapidamente esta pretendida incompatibilidade, S. Exª
mostrou-se convencido da sinceridade da minha exposição e a necessidade de
fazê-la pública para que o país conhecesse o modo por que eu havia advogado os
interesses nacionais, confiados a minha lealdade e ao meu critério.
Quando
não fossem suficientes estes fatos para demonstrar a má vontade do Sr. Ministro
do Exterior à minha pessoa, e o empenho que tinha de desacreditar-me, basta a
circunstância de permitir com o seu silêncio que o “O País” e o “Jornal
do Brasil”, fizessem comentários em meu desabono, falseando a verdade, como
se vê nas duas locais que transcrevo.
Em
sua edição de 18 de fevereiro disse o “O País”:
Está
resolvida, e cremos mesmo que lavrado o respectivo decreto, a exoneração do
Coronel Thaumaturgo de Azevedo de Chefe da Comissão de Limites entre o Brasil e
a Bolívia, tão pouco correto foi o modo por que procedeu no desempenho
da importante Comissão.
Qual
o meu procedimento, tão pouco correto de que fala o “O País”? Insistir
no descobrimento da verdadeira nascente do Rio Javari, contra a opinião do
Ministro, como mostra o seu despacho ao Governador do Amazonas? Isso, só pode
honrar-me, em vez de merecer censura, e tal é a convicção que levei ao Sr.
Ministro com o meu relatório, que ele acaba de providenciar para que a Comissão
interrompa os trabalhos da demarcação, que deveriam ser no Rio Juruá, para ir
ao Javari descobrir a sua nascente.
Logo,
a minha insistência, longe de ser uma incompatibilidade, como alegou o Ministro
ao Sr. Vice-Presidente da República, era motivo louvável, que produziu o efeito
útil de que acaba de lançar mão mandando descobrir aquela nascente. O “Jornal
do Brasil” da mesma data publicou esta notícia inteiramente destituída de
fundamento:
PELA
DIPLOMACIA
BOLÍVIA
— BRASIL
LIMITES
O
Sr. Ângelo dos Santos, Comissário Chefe do Material da Comissão de Limites com
a Bolívia, apresentou-se ontem, vindo de Manaus, na Secretaria do Exterior, ao
Sr. General Dyonizio Cerqueira.
Parece
que pouco trabalho fizeram as duas Comissões, tendo demarcado provisoriamente
dois afluentes do Amazonas e respectivos limites.
A
Comissão boliviana, ultimamente em divergência com a nossa, regressou para
Sucre.
Quanto
aos nossos delegados, acham-se eles em plena divergência com o Sr. Coronel
Thaumaturgo, Chefe da Comissão de Limites. Destas divergências em tempo se
ocuparão os jornais de Manaus.
Lamentamos
o que sucede com esta momentosa questão, que faz desperdiçar inutilmente
avultadas quantias e comprometer a nossa seriedade, indispensável mormente em
assunto internacional.
Não
é a primeira vez que as Comissões boliviana e brasileira se reúnem, para fazer
pouco ou mesmo nada, nem demarcando definitivamente os Rios Purus e Acre.
Estamos
certos de que o Sr. General Dyonizio Cerqueira, conhecedor daquelas regiões e
das Questões de Limites, tomará a respeito enérgicas providências.
Os
trabalhos foram executados definitivamente, de acordo com a Comissão Boliviana
e as Instruções comuns que tínhamos.
Esta
Comissão não se retirou para Sucre, nem lhe era possível fazê-lo pelo
interior da Bolívia, mas para Londres, onde foi estabelecer o seu
escritório e aguardar a época da continuação da demarcação.
Sobre
a divergência com a mesma Comissão e os meus companheiros de trabalhos, nunca
houve, como provei em cartas publicadas na Federação de Manaus, e, acerca
das avultadas quantias de que fala, agrada-me sobremodo declarar que
não excederam de 420:000$ nos dois anos de serviço, as
despesas totais de organização, ajudas de custo, aquisição de instrumentos,
material flutuante e fornecimento para a força que acompanhava a Comissão.
Propriamente
o que se refere às despesas feitas sob a minha responsabilidade, de que dei
conta e estão aprovadas pela Alfândega de Manaus e pelo Sr. Ministro, em despachos
de 5 e 11 do corrente, foram em 1896 de 54:699$272 importando as de 1895 em
47:379$610, também aprovadas pela mesma Alfândega e o Sr. Dr. Carlos de
Carvalho. Nestas despesas estão incluídas compra de canoas, batelão, material,
combustível, fornecimento para 60 praças e até gratificações a empregados.
Como
se vê, a noticia é evidentemente falsa, e o que admiro é que o Jornal, um
ano antes tendo feito referências tão favoráveis à minha pessoa, baseadas nos
meus precedentes, fosse tão fácil em aceitar informações de um indivíduo
incapaz de dá-las com acerto e sobretudo tendo uma crônica assaz (muito)
conhecida.
IV
Antes
de transcrever o meu relatório e fazer público o esboço da zona cortada pela
linha geodésica, calculada de conformidade com as Instruções e os pontos
extremos da fronteira, devo acentuar que, tanto calaram no esclarecido espírito
do antecessor do Sr. Ministro as minhas considerações expostas em ofício n° 6,
de 22 de julho de 1895, que me foi expedida uma ordem para explorar o Javari,
e, se mais tarde, ficou adiada a sua execução nenhuma
responsabilidade me cabe; certo de que o ilustre Sr. Dr. Carlos de
Carvalho assim procedeu talvez por altas razões de conveniência política, nessa
época em que o nosso país via-se assoberbado de complicações diplomáticas de
maior relevância, cujas dificuldades soube vencer e aplainar com critério e
saber jurídico.
Mas
o seu sucessor, que suponho não ter encontrado os mesmos motivos, tanto assim
que resolveu mandar explorar aquele Rio, depois do meu relatório, porque
expediu o seu despacho de 14 de outubro ao Governador do Amazonas,
censurando-me e fazendo crer que nenhuma procedência tinham as minhas
considerações, acrescentando ao Sr. Vice-Presidente da República ser-lhe
agradável anuir ao meu pedido de exoneração por haver incompatibilidade entre a
minha opinião e a do seu Ministério?
O
meu relatório mostra em síntese todo o ocorrido e o precedo do citado esboço,
que é uma redução a 4ª parte do original remetido com o referido ofício de 22
de julho, e da parte de uma carta do Peru e Bolívia, considerada moderna e
sempre consultada pelo Comissário boliviano. Deste modo o leitor acompanhara
facilmente a exposição. (Figura 01)
Manaus,
6 de marco de 1897
Sr.
Ministro.
Cumpre-me
expor-vos, a traços largos, pela estreiteza do tempo de que disponho e atento
ao meu estado de saúde, a síntese dos trabalhos que empreendi para desempenho
da Comissão que me foi confiada.
Em
janeiro de 1895, tive a honra de ser convidado pelo ilustre Sr. Dr. Carlos
Augusto de Carvalho, vosso antecessor, para presidir a Comissão, e, como não me
sentia com forças nem bastante competência para bem dirigi-la, evitei aceitar a
distinção; mas, como se apelava para o meu patriotismo, três meses depois tive
de aceder ao convite, assumindo a responsabilidade que se me impunha, não só
para demonstrar meu apoio ao Governo do Sr. Presidente da República Dr.
Prudente José de Moraes Barros, como principalmente para prestar mais um
serviço ao meu país.
Em
abril fui nomeado 1° Comissário, tendo aliás, desde janeiro, me encarregado dos
preparativos da Comissão, como foram a escolha e reparação dos instrumentos
existentes no arquivo do vosso Ministério, aquisição do material necessário
para uma longa Expedição e organização de tudo quanto é preciso a Comissões
idênticas.
Segundo
os protocolos de 19 de fevereiro e 10 de maio desse ano, assinados pelos
Ministros representantes dos governos brasileiro e boliviano, foi resolvido:
quanto
ao primeiro, o acordo de completar-se a demarcação do Rio Madeira ao Javari e
adotar-se para todos os efeitos, como nascente principal do Javari, a
determinada pela Comissão Demarcadora dos Limites entre o Brasil e o Peru,
cujas coordenadas são: 7°1’17,5”, Latitude Sul e 74°8’27,07” Longitude Oeste de
Greenwich; quanto ao segundo, a aprovação das Instruções pelas quais devia
guiar-se a Comissão Mista.
Segundo
estas, as duas Comissões deviam reunir-se na cidade da Labrea, no Purus, e dali
seguir este Rio ate sua confluência com o Aquiri ou Acre, pelo qual subiriam
para determinar os pontos em que é cortado pela Linha Geodésica, nos quais se
colocariam Marcos. Se fosse possível, a Comissão Mista devia ir ao Rio Abuná,
cuja posição também determinaria, se acaso cortasse a Linha Geodésica, depois
do que voltaria a Comissão para subir os Rios Iaco ou Iaco e Alto-Purus e
prosseguir a demarcação pelo Rio Juruá e seus afluentes até o Javari para
assinalar seus afluentes.
Ainda
nestas Instruções se me declarava não haver necessidade de verificar a nascente
do Javari, visto ficar adotada pelos dois governos a operação pela qual na
Demarcação dos Limites entre o Brasil e o “Peru” se determinou aquela
posição. Preparada a Comissão, tive de partir para Manaus onde cheguei a 30 de
maio.
Tendo
estudado os trabalhos das Comissões do Peru e prendendo-se minha atenção à
descrição feita pelo chefe da 2ª Comissão, reconheci desde logo que ele próprio
confessara não ter atingido a nascente principal do Javari, cujas coordenadas
calculadas por estimativa não constituem por certo a expressão da verdade.
Por
essa leitura e pelas informações que colhi, em Manaus de diversos moradores do
Javari, tomei a deliberação de apresentar ao Governo em ofício n° 6 de 22 de
julho considerações para mim de alto valor, com o fim único de chamar sua
atenção para assunto de tanta relevância.
Por
essa ocasião disse:
(...)
Mas, podendo garantir desde já por informações inteiradas que hei colhido, que
a nascente principal do Javari se acha muito acima do marco aos 7°1’17,5”
Latitude Sul (o marco foi posto na margem direita do Javari aos 6°59’29,5”
Latitude Sul e aquela Latitude se refere à estimada correspondente à nascente),
ao nosso Governo cabe o direito de discutir o disposto no artigo 4° para a verdadeira
interpretação que é no caso vertente, ser colocado o último marco da fronteira
com a Bolívia, na origem principal do Javari, salvo a hipótese de estar esta ao
Sul do Paralelo de 10°20’.
(...)
A aceitar o Marco do Peru como o último da Bolívia, devo informar-vos que o Amazonas
irá perder a melhor zona de seu território, a mais rica e a mais
produtora; porque, dirigindo-se a Linha Geodésica de 10°20’ a 7°1’17,5” ela
será muito inclinada para o Norte, fazendo-nos perder o Alto Rio Acre, quase
todo o Iaco e o Alto-Purus, os principais afluentes do Juruá e talvez os do
Jutaí e do próprio Javari; Rios que nos dão a maior porção da borracha
exportada e extraída por brasileiros. A área dessa zona compreendida no
triângulo ABC (Figura 01) a ser exato o esboço que junto a este passo as vossas
mãos, é maior de 5.870 léguas quadradas. Toda essa zona perderemos, aliás
explorada e povoada por nacionais e onde já existem centenas de barracas, propriedades
legitimadas e demarcadas e seringais cujos donos se acham de posse há
longos anos, sem reclamação da Bolívia, muitos com títulos
provisórios, só esperando a demarcação para receberem os definitivos.
(...)
Portanto, a serem executadas as Instruções que me destes, vereis pelo referido
esboço, que suponho mais ou menos exato, terá o Amazonas de perder 46% da
produção da borracha ou anualmente 2.610:960$, no caso da linha de limites não
abranger os afluentes do Rio Juruá; ou se os abranger, a perda da produção será
de 68% e a renda desfalcada de 3.859:680$ e maior ainda será o prejuízo e o
desfalque na renda, se a mesma linha não salvar os afluentes do Rio Jutaí e os
do próprio Javari, como o Itecuai já navegado por vapores em muitos dias de
viagem.
(...)
Nestas condições, penso que podeis apresentar ao Ministro boliviano o
alvitre de ser descoberta a verdadeira origem do Javari, e, uma vez reconhecida,
ali se colocar o último marco da fronteira com a Bolívia, sendo então os
outros estabelecidos nos pontos de interseção da linha geodésica do Madeira a
esse Marco com os diversos Rios que a cortarem, tal como se contém nas minhas
Instruções. Neste caso o Peru continuará a confinar com o Brasil, seguindo a
linha de limites o curso do Javari até sua nascente principal.
Se
porém não quiserdes alterar o estabelecido nas Instruções, preferindo como
verdadeira nascente do Javari, que é um erro geográfico, como disse, a Latitude
determinada pela Comissão demarcadora do Peru, vejo um outro recurso que poderá
ser posta em prática para salvaguardar os interesses de que acima tratei (...)
Em
vista deste meu ofício, o vosso antecessor achou acertado por despacho de 19 de
setembro, mandar proceder à exploração necessária para verificar a verdadeira
posição do Javari; mas, infelizmente, por telegrama posterior recebi
comunicação de estar suspensa a execução daquele despacho; razão pela qual não
dei em seguida começo à exploração do referido Rio. A descrição dos trabalhos
iniciados, em 1895, bem como as causas determinantes da Comissão Mista não ter
realizado nesse ano a demarcação do Purus e seus afluentes, foram comunicadas
ao vosso antecessor, bem como por essa ocasião enviei cópia de toda a
correspondência trocada entre mim e o Coronel Pando, então Chefe da Comissão
Boliviana. Retirando-se a Comissão para Manaus, chegou em dezembro e como todo
o pessoal técnico e do contingente se achava enfermo, tive de dar licença a uns
para tratamento de saúde e dispensar do serviço a outros que pediram, sendo
aprovado pelo vosso antecessor.
Em
fevereiro de 1896, tendo recebido chamado urgente do Sr. Ministro do Exterior
para ouvir-me pessoalmente sobre a continuação da demarcação, fui até essa
capital onde, depois de dar as informações exigidas, regressei a Manaus, certo
da Comissão ter de começar seus trabalhos pelo Rio Javari. Por essa ocasião
expus as razões que tinha e tenho para não considerar como descoberta a
cabeceira do Javari e, em confirmação de já não se conhecer materialmente a
posição do Marco colocado pelo Sr. Barão de Tefé e também de muitos moradores
tomarem como prolongamento do Javari o Rio Galvez em lugar do Jaquirana,
apresentei uma carta de Theodoro Monteiro da Cunha, acompanhada de um esboço,
que mais tarde serviu para ser condenada minha opinião.
Mas
o Sr. Ministro das Relações Exteriores tanto aceitou procedentes as informações
dadas por mim, que retirando-me para Manaus, vim certo de começar a demarcação
pelo Javari.
Dias
depois, porém, recebi um despacho em que se me ordenava continuar a demarcação
de acordo com as primitivas Instruções, isto depois de não ter-se conformado o
Ministro boliviano com uma Nota que lhe fora expedida. Não querendo mais
insistir sobre as considerações anteriormente feitas, resolvi cumprir o que se
me determinava e assim em julho parti para o interior do Estado, subindo o Rio
Purus para recomeçar a demarcação cujos trabalhos relativos a esta parte foram
descritos em meu ofício n° 70 de 1 de janeiro do corrente ano.
Ao
regressar a Manaus soube que o Governador havia recebido um despacho vosso em
relação a perda de território que vai sofrer o Amazonas e, como se dizia que as
considerações feitas nesse despacho me eram infensas (adversas) e quase
toda a população de Manaus sabia disto, dirigi ao mesmo Governador um ofício
pedindo por cópia o referido despacho, o qual sendo-me dado tive ocasião de
apreciar as vossas considerações.
Imaginai,
Sr. Ministro, a minha surpresa e desgosto de ver-me gravemente acusado por atos
que não pratiquei e pelo fato de promover oficialmente o descobrimento de uma
verdade em vantagem do meu país, chamando a atenção do Governo para uma questão
que considero importantíssima e que, apesar de todas as considerações em
contrário, julgo necessário ser elucidada.
Eu
não dei a particulares informações sobre trabalhos da Comissão, e se o Sr.
Barão do Ladário em discurso no Senado referiu-se a mim, e porque, conhecedor
da questão, pois que é também de opinião que o Javari vai além de 7°1’17,5” e
sabendo que eu tinha Instruções para começar a demarcação pelo Purus, quando era
de parecer que partisse do Javari, citou o meu nome em seu apoio.
À
imprensa absolutamente não dei informações e sempre me neguei a dá-las, não
tendo culpa que em minha ausência se fizessem referências muitas vezes inexatas
e até contrárias à minha opinião conhecida.
Não
são a carta e esboço que apresentei ao Sr. Diretor Geral da Secretaria do vosso
Ministério que me autorizam a considerar a nascente do Javari ao Sul de
7°1’17,5”, mas sim outras considerações cada qual mais convincente.
Em
primeiro lugar, afirmo que o Sr. Barão de Tefé não foi a cabeceira do
Jaquirana; ele mesmo confessa, e, por conseguinte, as coordenadas dessa
nascente não foram calculadas por observações no lugar, mas somente
estimadas; acrescendo não ter ele cumprido o §10 de suas Instruções que
determinava chegar a exploração pelo menos ate 7°30’.
Em
segundo lugar informações de moradores do Javari dão como certo que o Jaquirana
vai mais além do ponto determinado pelo Sr. Barão de Tefé e também que esse
Jaquirana não é o prolongamento do Javari, mas sim um afluente dele; que o
verdadeiro Javari é o Galvez hoje pertencente ao Peru, em virtude do acordo
estabelecido pela 1° Comissão Demarcadora, e para isto dizem que as águas deste
são da mesma cor que as do Javari, ao passo que as do Jaquirana são escuras.
Ora,
como nenhuma das Comissões foi à cabeceira destes Rios, ignora-se ainda qual e
o que vai mais ao Sul para ser considerado o Ponto Terminal da linha geodésica
que limita o Brasil com a Bolívia de acordo com o Tratado vigente.
Em
terceiro lugar, a opinião de Paz Soldan, do Sr. Barão de Ladário e do próprio
Coronel Pando, ex-chefe da Comissão boliviana, é que o Javari vai além de
7°30’.
Por
último, a experiência que tenho da constituição hidrográfica da Bacia do
Amazonas cujos Rios e afluentes parecendo acabar-se em um certo ponto, em
virtude de uma barreira suposta invencível, atravessam essa barreira e
continuam seu curso muitas léguas adiante.
O
Rio Memachi, primeiro da linha de limites com Venezuela, é um exemplo.
Afluente
do Naquieni já por si estreito, ele não dava passagem senão a ubás, parecendo
acabar-se perto; atravessei-o em banhados extensos e depois fui encontrá-lo
pequeno córrego e o acompanhei pela margem até sua cabeceira, onde o vi
formar-se.
O
Rio Antimari, que é um afluente do Acre ou confluente do Purus, também
estreito, só dando passagem à canoas sem toldas na enchente, parecendo
acabar-se onde existe a última barraca de seringueiro; o fato dos moradores do
lugar desconhecerem a continuação do seu curso, e do capitão Piá, 1° Ajudante
da Comissão, ter regressado deste último ponto por lhe ser impossível
atravessar um grande chavascal no qual se perdia, e outro exemplo; pois deste
Rio fomos ter perfeito conhecimento de ir acima da Foz do Rio Iaco,
dirigindo-se muito ao Sul, fazendo acreditar que suas cabeceiras vão além de
10° de Latitude.
Figura
02 — Linha de Limites n° 2
Ora,
se com este pequeno confluente do Purus dá-se isto, porque com o Javari,
afluente caudaloso do Solimões a natureza fê-lo tão curto quando com aqueles e
outros os leva acima de 9°, 10° e até 12° de Latitude Sul?
Acresce
que as mais modernas cartas do Peru e Bolívia dão o Javari próximo de 8°, como
sejam a “Carta-Comerciale de Bolívia” por F. Bianconi, publicada em
Paris, outubro de 1890, terceira edição, e a “Carta do Peru e Bolívia”
por J. Arrowsmith, publicada em Londres, cartas que eram consultadas pelo atual
chefe da Comissão Boliviana M. Satchell.
Portanto,
qualquer que seja a alteração na Latitude, esta influirá em toda a Linha
Geodésica, desde seu começo no Madeira, e, uma vez que se descubra que o Javari
nasce acima de 7°1’17,5” ou a 8°, a diferença é considerável e o território
a conquistar-se bastante grande para salvar a parte considerada mais rica nessa
zona, que atualmente ira pertencer a Bolívia, se for considerada
definitiva a atual demarcação.
Após
os trabalhos realizados no Purus, já está verificado que o esboço remetido ao
vosso antecessor é mais ou menos verdadeiro, pois pela demarcação realizada
perdemos, pode-se dizer, todo o Rio Acre, o Rio Iaco, e grande parte do
Alto-Purus, explorados e povoados por brasileiros e de onde vem a maior
produção de borracha.
A
linha no Acre passa em Caquetá 60 horas de navegação em canoa acima da sua Foz;
no Iaco passa a três horas em canoa de sua Foz e no Alto-Purus a 55 horas em
canoa da Foz do Iaco. (Figura n° 6).
O
cálculo que fiz de 5.870 léguas quadradas perdidas para o Amazonas foi baseado
na hipótese de ir o Javari até o Paralelo 10°20’, que não é arbitrário, mas o
indicado pelo Tratado; e para limitar o triângulo que constitui essa área fiz
o que indica o bom senso, baixar uma perpendicular da suposta cabeceira
do Jaquirana (7°1’17,5”) ao referido Paralelo (10°20’).
Se
essa nascente for mais ao Sul, se for a 8° por exemplo, o triângulo será ainda
limitado pela perpendicular baixada da Latitude 8° ao Paralelo 10°20’, sendo
então a área perdida menor do que a atual.
Eu
não disse ter havido erro ou engano na Latitude em que se pôs o Marco, mas sim
nas coordenadas que se referem à nascente, por se basearem na hipótese de não
ir além de algumas milhas do Marco, essa nascente que o Sr. Barão de Tefé
afirma ver nascer de baixo de seus pés, quando ele mesmo declara que o
Rio se perde em um banhado, que aliás não foi explorado, nem ele
levou suas investigações além do ponto em que foi obrigado a retroceder por
causa dos índios.
E
como se poderá saber que a verdade esteja com o Sr. Barão de Tefé ou comigo, se
ainda não se fez exploração alguma para descobri-la? É que desejo eu senão isso
mesmo, verificar se a nascente principal do Javari está ou não na Latitude e
Longitude estimadas pelo Sr. Barão de Tefé e se o Jaquirana é ou não o
verdadeiro Javari?
Por
tudo isto entendo que o Governo está fazendo despesas inúteis com trabalhos que
não podem ser considerados definitivos, sem que primeiramente se determine o
ponto extremo da Linha Geodésica, porquanto só é conhecido definitivamente e
esta aceito o do começo da Linha, no Madeira, a 10°20’ Latitude Sul.
Todo
o meu intento é informar ao Governo e nunca levantar questão que possa
criar-lhe embaraços. Para isso é que desde o começo da demarcação aventei a
ideia de se explorar a cabeceira do Javari para depois iniciar-se a demarcação.
O
tratado com a Bolívia é claro, e pouco importa que aos 7°1’17,5” terminem os
Limites do Brasil com o Peru para terminarem também com a Bolívia, quando na
hipótese de ser o Jaquirana o tronco do Javari, nada mais natural do que o Peru
continuar a limitar-se pela margem esquerda desse Rio com o Brasil até sua
cabeceira, onde terminam os limites com a Bolívia.
Se,
porém, for o Galvez o verdadeiro Javari, um erro geográfico não constitui
direito, e ao Brasil cabe o de reivindicar essa zona entre o Galvez e o
Jaquirana, até a nascente do Galvez; o que se verificará pela natureza do álveo
(canal), volume e cor das águas, e outros indícios que corroborem a verdade que
se quer conhecer.
Na
opinião de muitos é o Galvez e não o Jaquirana a continuação do Javari; e já em
1781 e 1782 a Comissão Luso-espanhola demarcadora de limites em virtude do
Tratado Preliminar de 1777 tinha dúvidas, e não pode resolver qual dos dois
braços era o tronco principal do Javari.
A
questão, portanto, continua de pé, não podendo exprimir a verdade sem uma
exploração rigorosa e verificação do acordo feito pelos demarcadores do Brasil
e Peru para considerarem o Jaquirana como o tronco do Javari.
Todo
o meu desejo, pois, é que seja o Governo bem informado para que possa decidir
esta questão com vantagem para o nosso país; e se peco pela insistência,
resta-me a consciência de ter cumprido o meu dever.
Devo
agora referir-me aos trabalhos técnicos realizados nos dois anos de demarcação.
Os
problemas resolvidos foram: a determinação da Linha Geodésica que liga o Marco
do Madeira ao do Javari e o seu azimute em relação ao Meridiano que passa pelo
Marco do Madeira; a fixação dos pontos de interseção dessa Linha com os Rios
Aquiri ou Acre, Yaco ou Iaco e Alto-Purus; a das Coordenadas de diversos
lugares sabre esses Rios e os seus respectivos levantamentos até Manaus.
Em
1895, tivemos, pois, de calcular a Linha Geodésica, Limite da Fronteira dos
dois países e início dos trabalhos a executar.
Como
sabeis, a Linha Geodésica é a mais curta de um ponto a outro sobre a superfície
da terra, tendo por caráter peculiar que o seu plano osculador é normal a
superfície sobre a qual é traçada.
Assim:
sobre a esfera é um arco de circulo máximo; sobre as superfícies desenvolvíveis
torna-se reta no desenvolvimento; sobre um esferoide de revolução e hélice;
sobre o esferoide terrestre e uma linha de dupla curvatura gozando da seguinte
propriedade:
O
seno do ângulo que a Linha Geodésica faz com o Meridiano esta na razão inversa
do raio do Paralelo sobre o qual ela o encontra.
Existe
sempre um Meridiano que uma Linha Geodésica dada encontra em ângulo reto, e a
propriedade acima enunciada dá o raio do Paralelo sobre o qual tem lugar o
encontro com este Meridiano.
A
determinação da Linha Geodésica entre os Marcos do Madeira e Javari e do seu
Azimute em relação ao Meridiano que passa pelo marco do Madeira foi obtida
pelas fórmulas: (...)
Foi
de conformidade com as primeiras fórmulas que se chegou à organização do quadro
das Coordenadas Geográficas da Linha Geodésica calculadas de 10’ em 10’ de
Longitudes que vos remeti com o meu ofício n° 70.
Nesse
ano fez-se ainda o levantamento do Rio Acre até acima de Caquetá e o de uma
parte do Rio Antimari.
Em
1896, os trabalhos consistiram na determinação das Coordenadas Geográficas dos
pontos de interseção da Linha Geodésica com os Rios Aquiri ou Acre, Hyuaco ou
Iaco e Alto-Purus e nos levantamentos desse Rio Iaco, desde acima da linha até
sua Foz com o Purus, do Alto, Médio e Baixo-Purus, até sua Foz no Rio Solimões
e deste ligando-o a Manaus.
A
Longitude, a Latitude, o Azimute, a Altitude e Declinação da agulha, elementos
indispensáveis para o conhecimento da posição de um ponto qualquer da terra,
foram estudados com a precisão possível em Comissões desta natureza e
diferentes foram os processos empregados de cujos resultados parciais se tomava
uma média que servia para adoção definitiva dos trabalhos.
Os
cálculos e observações astronômicas e cronométricas estão consignados nos
cadernos em original que a este acompanham, e os levantamentos dos Rios nas
cadernetas de campo que também vos entrego. A construção desses levantamentos
foi suspensa em vista do vosso telegrama dirigido ao Governador do Pará
requisitando-me as cadernetas e cadernos que serviram para a Demarcação.
E
como prova de que ia o serviço em adiantamento vos entrego também os desenhos
sem original da parte construída. Esperava concluí-los para serem reduzidos à
escala menor e projetados em carta com a Linha Geodésica traçada entre os dois
Marcos terminais. Atento, porém, à urgência do tempo, não me foi possível
ultimá-los.
Antes
de terminar permiti referir-me aos telegramas publicados nos jornais do Pará e
naturalmente de outros Estados que deram a minha exoneração como motivada por
acusações de meus companheiros de Comissão.
Ignorando
quais possam ser essas acusações que só agora, depois de dois anos, surgem
contra mim, e reiterando-vos o meu pedido em telegrama dirigido de Belém, para
informar sobre essas acusações que julgo desleais, peço-vos de novo que me
declareis os pontos de acusação para minha defesa, posto que, antes de a terdes
já me sentenciastes, se efetivamente é real a exoneração publicada por esses
jornais, se bem que até esta data nenhuma comunicação oficial tenha recebido.
Sr.
Ministro, pensai bem na minha conduta em dois anos de sacrifícios, comparai-a
com o meu passado que tanto conheceis, e meditai na desorientação que vai
lavrando, fazendo brotar a inveja e a intriga, e dizei em consciência se mereço
essas acusações, quaisquer que elas sejam e de quem possam provir, e depois
julgai-me sob a luz da justiça, com ânimo desprevenido. Só me julgo criminoso
por cumprir deveres além do meu dever.
Investido
de qualquer função pública, eu penso que a melhor recompensa que posso ter é a
tranquilidade de minha consciência, e daí, uma vez que seja justo e legal o que
pratico, todo o meu empenho é executar o que se me recomenda, embora fira a
interesses contrariados. Muitos assim não compreendem, e como me é impossível
satisfazer a exigências intempestivas, é muito natural que os meus desafetos
empreguem todos os meios para a realização do seu fim.
Apresento-vos,
Sr. Ministro, as seguranças dos meus protestos de consideração.
Sr.
Dr. Dyonizio Evangelista de Castro Cerqueira, Ministro das Relações Exteriores.
Gregório
Thaumaturgo de Azevedo.
V
Devia
agora publicar a correspondência trocada entre mim e o Coronel Pando, ex-chefe
da Comissão Boliviana, acerca dos trabalhos realizados, em 1895, o Quadro das
Latitudes Geográficas calculadas para Longitudes de 10’ em 10’ e o das
coordenadas de diversos pontos determinados nos Rios Purus, Acre e Iaco. Mas,
como é longa, não o faço.
Ver-se-ia
por essa correspondência qual o meu procedimento nessa época e os esforços que
empreguei para salvaguardar sempre, a cada momento, os interesses do meu país,
tendo a suprema ventura de alcançá-los como ordenavam o meu dever e o meu,
patriotismo. Entretanto, transcreverei alguns trechos desses documentos.
Em
carta oficial de 14 de outubro, respondendo a outra do Coronel Pando, expus:
(...)
Diz mais V. Exª, que da parte da Comissão que preside há o propósito de
apressar a demarcação, e como prova dessa disposição de ânimo, nascida de um
sentimento de probidade conforme com a política que impera em sua pátria.
Este
alarde de provas que V. Exª apresenta para dar armas de franqueza e lealdade
com que quer encaminhar os trabalhos à boa solução, merece reparos, e por isso
V. Exª me desculpará de fazê-los, por ser impelido a atender a outro sentimento
mais nobre e sobretudo em homenagem a verdade.
Quem
souber que a Comissão Brasileira, com uma viagem penosíssima em canoas,
partindo da Cachoeira a 14 de agosto, sem pessoal afeito a essas viagens,
conduzindo pesado material, pode chegar a este ponto, contra a expectativa de
todos, a 22 de setembro, não dirá por certo que ela tenha tido o propósito de
protelar os trabalhos de demarcação, quando é natural supor-se que os
impulsione, à vista das dificuldades de todo gênero com que luta para manter um
pessoal numeroso e da aproximação das águas, que impedirão infalivelmente o
trânsito por terra. (...)
Tal
sentimento de probidade não e só inerente a pátria de V. Exª e há de fazer
justiça aos outros países, que ele nasce do patriotismo de seus filhos,
provindo da educação e da índole e sobretudo dos exemplos tradicionais dos seus
antepassados.
Dois
fatos vem evidenciar a V. Exª a norma de proceder dos governos do Brasil.
No
Império, subjugado o Paraguai pelas nossas armas vitoriosas, fácil seria
conquistar-se esse território talado pela guerra mais crua dos tempos modernos;
entretanto, o Brasil com sacrifícios enormes soube manter a autonomia e
integridade do Paraguai.
Na
República, a questão das Missões podendo ser resolvida pelas armas, porquanto o
direito era nosso e incontestável, o Governo brasileiro preferiu submetê-la a
um arbitramento que veio confirmar o seu direito, continuando as duas nações em
perfeita amizade. (...)
Finalmente,
termino a presente com uma solicitação a V. Exª. Nada lucramos com discussões
semelhantes, ao contrário, podem elas trazer divergência a harmonia, que convém
evitar, entre os membros das duas Comissões, paralisando ou dificultando os
trabalhos e causando sérios embaraços aos interesses recíprocos dos dois
países.
Em
carta de 5 de novembro disse:
(...)
Há 44 dias que se acham em Caquetá as duas Comissões com o fim de iniciar os
trabalhos de demarcação desta parte da fronteira, e como sabe V. Exª, durante
este tempo apenas chegaram a acordo sabre o Quadro das Latitudes Médias da
Linha Geodésica a deste lugar, faltando a determinação da sua Longitude como
ponto inicial para o prosseguimento dos trabalhos.
Desgraçadamente,
como diz V. Exª, surgiu a divergência sobre essa Longitude, de modo a impedir a
continuação do serviço; e se ela não tivesse aparecido, a esta hora a Comissão
Mista teria cumprido seu dever e outros pontos já estariam determinados.
Perdurando,
porém, essa divergência e podendo surgir outras nos diversos pontos a
demarcar-se, não devo aceitar o alvitre de V. Exª de mandarmos estabelecer
Marcos nos lugares indicados pelas Longitudes calculadas pelas duas Comissões,
por ficar de permeio uma Zona Litigiosa, nem concordar na colocação de um marco
provisório na distância média das duas Longitudes, porque isto seria
desconhecer que a verdade é una e indivisível, e contribuir para deixar
pendente uma questão melindrosa, que teria de ser submetida aos governos dos
nossos países, sem resultado prático para a solução da questão e sobretudo para
o bem público.
Uma
das duas Longitudes deve prevalecer. (...)
Penaliza-me
assim não poder corresponder a esperança a que se refere V. Exª de chegarmos a
um resultado pronto e decisivo, como também era do meu desejo, porque a isso
sou levado pela convicção em que estou de achar-se a verdade do lado da
Comissão Brasileira.
Em
carta de 7 de novembro disse ainda:
Há
sido meu empenho, como já uma vez tive ensejo de dizer a V. Exª, abster-me de
discussões sem resultado prático para a demarcação.
Coagido,
porém, a sustentá-las, senão pela responsabilidade do cargo, ao menos por
atenção a V. Exª, sou levado ainda hoje a responder a carta de V. Exª de ontem
datada, com as considerações que julgo cabíveis em face das com que procurou
justificar-se da demora de nossos trabalhos, sem ter antes atendido aos 46 dias
de quase completa esterilidade e aos sacrifícios que meu país está fazendo,
sustentando um encargo pesadíssimo somente para corresponder as tradições de
uma política generosa e leal. (...)
Por
conseguinte, mantenho as minhas considerações emitidas em documentos
anteriores, e para por termo a esta protelação que parece prolongar-se
indefinidamente, tenho a honra de convidar V. Exª para designar-me o lugar em
que deva ser realizada hoje, a 1 hora da tarde, nova conferência da Comissão
Mista para o fim único de resolver definitivamente o começo dos trabalhos da
demarcação.
Contando
com os sentimentos do dever que nos obriga a assim proceder, reitero a V. Exª
os meus protestos de particular deferência e consideração, e subscrevo-me de V.
Exª etc.
Resta
agora que a Comissão incumbida de explorar a nascente principal do Javari
atinja a sua verdadeira origem e verifique qual dos dois braços — Jaquirana ou
Galvez — é o tronco principal desse Rio.
Se
descobrir que efetivamente vai acima de 7°1’17,5”, como tenho assegurado, posso
dizer que fui eu quem salvou um pedaço do nosso território de ir pertencer a
país estrangeiro, e com isto dar-me-ei por bem pago dos sacrifícios que fiz em
dois anos de trabalhos, dos desgostos que tenho tido e da ingratidão como
recompensa a minha dedicação.
Se
do Governo do meu país não tive sequer uma palavra de agradecimento por esses
serviços prestados, em compensação, recebi sempre inequívocas demonstrações de
apreço de todos quantos pessoalmente observaram os sacrifícios feitos; e como
prova transcrevo o protesto publicado no Pará, em minha ausência, na Folha do
Norte de 27 de fevereiro, por capitalistas residentes no Purus, que nessa época
se achavam em Belém:
A
BEM DA VERDADE
Exmo.
Sr. Dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo
Nos
abaixo assinados, proprietários e comerciantes nos Rios Purus e Acre,
atualmente nesta capital, tendo lido no diário Folha do Norte, de hoje, um
telegrama em que se diz ir V. Exª ser exonerado do honroso cargo de chefe da
Comissão de Limites entre a Bolívia e o Brasil, por acusações dos vossos
companheiros, cônscios do muito que fizestes para levar ao ponto em que se
acham os trabalhos dessa Comissão, demonstrando abnegação e patriotismo
exemplares; sendo testemunhas oculares dos sacrifícios a que vos expusestes, a
ponto de puxar sirga para animar o pessoal que servia na Comissão, serviço que
não esta para a estatura de vultos como V. Exª, a menos que não queiram, como
V. Exª quis, mostrar que acima do bem estar está o bem da pátria; vem,
espontaneamente, significar a V. Exª a sua admiração e respeito pelo muito que
fizeste em prol deste grande Brasil.
Pedem
releve V. Exª se com esta afirmativa sincera ofendem a vossa modéstia.
Belém,
21 de fevereiro de 1897.
José
Antônio da Cunha Barreiros, José Antônio Barreiros, Raimundo Rodrigues da Cunha,
José Vicente Ferreira, Manoel Dias Soares de Pinho, João Cotrim Silva Brito,
José Martins de Araújo, José Vaz Cruz, Antônio Ignácio de Lima, Francisco José
Gomes, José Januário de Souza, Valdevino Barbosa, José Barbosa de Oliveira,
Guilherme Gustavo Hoeffner, Pedro Gomes Leite Coelho, Aprígio Soares, Antônio
Castro Vianna, Joaquim Alves Maia, Antônio E. Fayal & Cia., Antônio Alves
de Mello e José Quintino Junior.
Também
por sua vez o Sr. Guilherme Gustavo Hoeffner, alemão, proprietário no Purus e
ex-comandante de vapores da Companhia do Amazonas, que muitos serviços prestou
gratuitamente à Comissão, abandonando sua família e seus interesses, dirigiu-me
esta carta que me foi entregue de volta de Manaus:
Pará,
3 de março de 1897 — Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo.
Apresso-me
em declarar a V. Exª que só prestei-me a levar o aviso Tefé ao Rio Acre e a
Cachoeira, assim como a lancha Pátria, por deferência a V. Exª pela alta
influência e simpatia de que goza no Amazonas.
Continua
ao dispor de V. Exª o amigo e criado obrigado. — Guilherme Gustavo Hoeffner.
Já
agora publico igualmente a carta que me dirigiu a importante firma comercial de
Manaus, de Araújo Rosas & Cia., meus procuradores, e de todos os
companheiros da Comissão.
Por
ela se verá que me prestaram reais serviços em benefício dos trabalhos da
demarcação, como em tempo comuniquei ao Ministério do Exterior.
Manaus,
6 de março de 1897 — Ilmo. Sr. Dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo — Presente —
Prezado amigo e senhor — Incluímos sua conta corrente fechada em 31 de dezembro
do ano passado, mostrando a seu favor o saldo de 12:890$220, que lhe rogamos
conferir e avisar-nos.
Das
transações havidas de 1° de janeiro até hoje não nos é possível, pela escassez
de tempo, fornecer-lhe agora a respectiva conta corrente que, entretanto, lhe
enviaremos na primeira mala.
Segundo
somos informados, acaba V. Exª de passar o exercício de Chefe da Comissão de
Limites entre o Brasil e a Bolívia ao muito digno Sr. Capitão-Tenente Augusto
da Cunha Gomes, 2° Comissário daquela Comissão, visto ter a Folha do Norte,
jornal que se publica no Pará, e temos em mãos, publicado um telegrama em que
se diz ter sido V. Exª dispensado da referida Comissão, cuja dispensa sabíamos
já ter sido solicitada por V. Exª.
Aproveitamos
o ensejo para dizer-lhe que na qualidade de Chefe dessa Comissão, a qual foi
por V. Exª iniciada, julgamos ter V. Exª prestado reais serviços ao país,
serviços que, a nosso ver, jamais poderão ser esquecidos: visto como, se não
fora a sua dedicação pelo público serviço e o crédito merecido de que goza no
comércio, certamente a Comissão não teria, por falta de crédito para as
despesas, iniciado os seus trabalhos, continuando-os no ano seguinte, como aconteceu.
Do
que acabamos de expor somos testemunha, porque foi a nós que V. Exª recorreu
nessas ocasiões e lhe fornecemos por sua conta os dinheiros necessários para as
imprescindíveis despesas da Comissão, a fim de que ela principiasse e
continuasse os seus trabalhos, cujos dinheiros nos foram pagos pela Alfândega,
quando veio crédito para isso.
Tais
créditos chegaram aqui quando V. Exª já se achava nos trabalhos da Comissão, no
Rio Purus, o que não aconteceria, se não fosse o crédito pessoal de que dispunha,
vendo-se necessariamente privado de seguir e só o podendo fazer quando aqueles
créditos chegassem aqui.
Não
é difícil calcular os prejuízos e transtornos de uma tal forma.
Entendemos,
pois, do nosso dever, patentear-lhe estes serviços, que reconhecemos ter
prestado, além de muitos outros que não ignoramos.
Apetecemos-lhe
boa saúde e próspera viagem, por sermos com estima e consideração. De V. Exª
amigos e criados obrigados —Araújo Rosas & C.
Por
sua vez os Srs. Comendador Hilário Alvares, Coronel Luiz Gomes e outros muitos
cavalheiros tiveram ocasião de prestar-me relevantes serviços em favor da
Comissão e todos o fizeram por simpatia pessoal, conforme declarações expressas
testemunhadas pelos companheiros.
O
Sr, comendador Hilário, além da dispendiosa hospedagem que deu a Comissão
durante muitos dias e em duas épocas, perdeu mais de 5:000$ com o aluguel de
sua lancha, por nos haver dispensado em favor do país, a pedido meu, visto
estar esgotado o crédito a minha disposição e não querer solicitar novo, em
1895; e maior prejuízo teve, em 1896, com o trabalho de levantamento de outra
lancha que naufragou de volta do serviço da Comissão.
Fora
fastidioso enumerar cada nome dos que mais serviços prestaram; por isso bastam
os citados para se ver que além de tudo eu soube poupar também os dinheiros
públicos e sobretudo impulsionar os trabalhos pela facilidade e boa vontade
que sempre encontrei da parte daquela generosa população do Purus e seus
afluentes.
Que
outro seja mais feliz, principalmente na manifestação de reconhecimento que
possa receber do Governo; quanta a mim, fico mais satisfeito com a
tranquilidade de minha consciência por ter sabido cumprir o meu dever.
VI
Compulsando
o relatório do Sr. Ministro do Exterior, pag. 12, encontro que a minha
exoneração foi a “meu pedido, atendendo aos justos motivos que aleguei e não
pela razão que S. Exª deu ao Sr. Vice-Presidente da República, e muito menos
pelo que disseram o O Pais e Jornal do Brasil”.
Confronte
o leitor o trecho do citado relatório com a difamação que a respeito se
levantou nesta capital e nos Estados, e veja o procedimento do Sr. Ministro
permitindo com o seu silêncio essa propaganda e não me tendo recebido por
ocasião de minha apresentação.
Deixo
ao público que nos julgue, em face desta emergência.
Por
outro lado, o Sr. Ministro no seu despacho ao Governador do Amazonas, julgando
improcedentes e de nenhum valor as considerações que apresentei, no intuito de
salvaguardar os interesses do país, reconheceu agora no seu relatório como
necessária a verificação da nascente do Javari, conforme a minha opinião desde
1895, e melhor avisado já mandou que o meu substituto fizesse a exploração
aconselhada; com a diferença de limitar essa exploração ao Jaquirana, quando
devia estendê-la também ao Galvez, mediante acordo com o Governo peruano, e
além disto, ser efetuado esse trabalho não somente pela Comissão Brasileira,
mas conjuntamente com a boliviana.
Do
contrário a despesa será inútil e o tempo que se vai perder, precioso, sendo
inadiável que as duas Comissões em seguida voltem para a determinação do
verdadeiro ponto onde se deva colocar o Marco terminal e depois calcular de
novo a Linha Geodésica, qualquer que seja o avanço para o Sul, além de
7°1’17,5”.
Figura 03 — Linha de Limites n° 3
O
Tratado, de 23 de outubro de 1851, diz que o limite com o Peru, de Tabatinga
para o Sul, a fronteira correria pelo Javari, desde sua confluência no Solimões
até sua nascente principal e o Tratado, de 27 de março de 1867, com a
Bolívia, diz que a fronteira entre o Madeira e o Javari seria constituída pelo
Paralelo 10°20’ Sul ou se o Javari tivesse as suas nascentes ao Norte desse
Paralelo, por uma reta tirada do ponto em que começa o Madeira, até a nascente
principal do Javari (Figura 6).
A
Comissão Mista de Limites do Brasil com a do Peru tendo chegado nas
proximidades da nascente do Jaquirana e não podendo prosseguir em seus
trabalhos por impossibilidades materiais na ocasião insuperáveis e
principalmente por causa das agressões dos índios, não subiu a examinar a
verdadeira nascente e limitou-se a aceitar o Jaquirana como o prolongamento do
Javari, estimando as coordenadas de sua nascente a partir do Marco colocado aos
6°59’29,5” Latitude Sul.
Nestas
bases foi concluída a questão de limites com o Peru e aprovado o Tratado pelos
dois governos.
Mas
um erro geográfico não constitui direito e por isto, agora que desapareceram as
razões pelas quais o Sr. Barão de Tefé não pode explorar todo o Jaquirana, nem
subir até a nascente do Galvez, cabe ao Brasil o direito de reivindicar a área
compreendida entre este Rio e o Jaquirana, caso aquele seja o verdadeiro
prolongamento do Javari.
Isto,
porém, com relação ao Peru e nada tem a haver a Bolívia, quanto ao território
que possamos vir a ganhar ou tenhamos perdido, nem quanto ao acordo dos dois
governos, sobre o erro geográfico que espontaneamente adotaram para fixação de
seus limites territoriais.
Para
a Bolívia, em virtude do tratado de 1867, é preciso como preliminar,
examinar-se qual é o prolongamento do Javari, se o Galvez ou o Jaquirana, e uma
vez encontrada a nascente do Javari, determinar-se-lhe as coordenadas.
Feito
esse trabalho, se o Jaquirana for reconhecido como nascente principal do
Javari, isto é, se for mais ao Sul, nada há a alterar no que está regulado com
o Peru e a fronteira seguirá o mesmo Rio até essa nascente. Se, porém, for
reconhecido ser o Galvez o tronco principal e sua nascente for mais ao Sul da
do Jaquirana, os limites com o Peru serão por aquele Rio, e seu ponto extremo
servirá de limite comum do Brasil com o Peru e Bolívia.
Ainda
neste caso, se o Governo, por princípio de tolerância e lealdade, quiser manter
o acordo já feito com o Peru, a linha de limites continuará a ser pelo
Jaquirana até a sua nascente B e dai por uma reta BC até a
nascente do Galvez, ponto este C que será o terminal da linha geodésica
que partindo do marco do Madeira determinará o limite entre o Brasil e a
Bolívia. (Figura 03)
Por
consequência, tenho cumprido o meu dever procurando esclarecer o Governo desde
o início da demarcação para que o Brasil não seja prejudicado pela perda de uma
grande parte do seu território já explorado e ocupado por nacionais.
Por
isso, a par da satisfação de ver realizada a minha opinião, contrista-me, lendo
o relatório do Sr. Ministro, a resolução tomada de mandar verificar somente a
cabeceira do Jaquirana, em vez de abordar o assunto em toda a sua extensão,
fazendo acompanhar a Comissão Brasileira da Boliviana e de um representante do
Peru para que fique logo de vez resolvido o ponto terminal da Linha Geodésica
De
outra sorte são em pura perda os sacrifícios resultantes desta exploração;
salvo se S. Exª está convencido de que o Jaquirana é a verdadeira nascente do
Javari e efetivamente não vai além de 7°1’17,5”; opinião aliás contrária ao que
enuncia no seu relatório, pois que nele nem nega nem afirma esta proposição.
(AZEVEDO, 1953)
Fonte:
AZEVEDO, Gregório Thaumaturgo. Limites
Entre o Brasil e a Bolívia – Brasil – Rio de Janeiro – Oficinas Gráficas da
D.S.G., 1953.
AZEVEDO, Gregório Thaumaturgo. O
Acre: Limites com a Bolívia – Brasil – Rio de Janeiro – Typ. do
“Jornal do Commercio” de Rodrigues & Comp., 1901.
-
Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar –
Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria
EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura. com.br)
e na Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de
Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio
Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da
Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Membro da Academia de História Militar
Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS); Membro do Instituto de História e
Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
Blog: http://www.desafiandooriomar.
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