quinta-feira, 25 de outubro de 2012
OS MILAGRES E O DEUS DAS LACUNAS
Por Jorge Ferraz in Deus lo Vult!
Está
muito bom este recente artigo de D. Fernando Rifan sobre milagres,
que foi reproduzido pelo Tubo de Ensaio.
Falando mais especificamente
sobre o Santuário de Lourdes, o bispo da Administração Apostólica São João
Maria Vianney nos dá esta informação:
Notícia
deste mês: uma religiosa italiana, irmã Luigina Traverso, que sofria de
paralisia ciática meningocele lombar, foi curada “miraculosamente” em Lourdes,
na França, “por intervenção extraordinária de Deus obtida pela intercessão de Nossa Senhora”, conforme reconheceu, no
dia 11 de outubro passado, dom Alceste Catella, bispo de Casale Monferrato,
diocese italiana onde reside a religiosa. Esta foi a 68.ª cura “sem explicação”
de Lourdes oficialmente reconhecida. O bispo da diocese de Tarbes e Lourdes,
dom Nicolas Brouwet, assim como o dr. Alessandro de Franciscis, presidente do
Bureau des Constatations Médicales de Lourdes, apresentaram os fatos em uma
conferência de imprensa no último dia 12 de outubro.
Este Bureau
des Constatations Médicales de Lourdes é o órgão do
santuário responsável pela investigação dos (em princípio, alegados) milagres
que ocorrem no lugar onde Nossa Senhora apareceu a Santa Bernadette. Fazem
parte dele «médicos de todos os credos religiosos, inclusive ateus, e os
documentos ficam à disposição dos especialistas de qualquer parte do mundo», e
os seus procedimentos são explicados sucintamente por D. Rifan em seu artigo.
“Milagres”,
na definição
tradicional, são os fatos supra, praeter vel contra
naturam: “acima, diferentes ou contrários à natureza”. Na Summa (Summa Ia, q.105, a7, Resp.), Santo Tomás
ensina mais simplesmente que milagres são «aquelas coisas que são feitas por
Deus fora da ordem das causas conhecidas por nós». O Aquinate nos lembra também
na mesma Summa que as coisas realizadas por
causas naturais, por prodigiosas que sejam, não podem – por definição – ser
consideradas milagres.
A questão
que obviamente se coloca aqui é: como distinguir entre uma causa superior à
natureza e uma simples causa natural desconhecida? Como eu sei se aquela
paralisia foi curada por ação direta de Deus sem o intermédio de causas
segundas ou se, ao contrário, houve alguma singular confluência de causas
naturais desconhecidas que culminaram na reversão da paralisia? É sem dúvida
possível à inteligência humana conhecer em certa medida a natureza das coisas
criadas, mas é impossível esgotá-la. Não importa o quanto se acumule o
conhecimento humano, sempre haverá a possibilidade de nos depararmos com algum
fenômeno desconhecido. E um fato raro, que nos provoque admiração, não
necessariamente é um fato cujas causas se encontrem para além das virtudes
próprias da natureza. Como evitar, assim, que a investigação acerca da ação de
Deus no mundo termine num simples argumentum ad ignorantiam, que
degenere num apelo ao “Deus das lacunas”?
Não me
parece que haja uma resposta definitiva para este problema, senão “apenas” provável.
Esta investigação é, portanto, de ordem metafísica e não empírica – esta
última presta tão-somente um suporte à razão humana no sentido de fornecer certeza
moral para a exclusão de causas naturais na explicação do fenômeno; por
isso a necessidade de contar com homens de saber de todos os credos, por isso a
necessidade do longo transcurso de tempo antes de que seja dada uma resposta a
cada questão concreta apresentada.
Do ponto de
vista dos fins concretos para os quais se presta a verificação dos milagres – a
beatificação e canonização dos servos de Deus -, esta resposta é suficiente.
Afinal de contas, as causas segundas estão sob o império da soberana
Providência de Deus e, se Ele permitiu a ocorrência de um fato natural
extraordinário precisamente nas circunstâncias em que os Seus filhos estavam
rezando e pedindo por um sinal dos Céus, pode-se sem sombra de dúvidas considerar
o sinal como concedido, ainda que não se trate de um milagre strictu
sensu. Num processo de canonização, esgotadas as diligências humanas para
fornecer uma explicação natural para o fenômeno, pode-se certamente considerar
ser vontade de Deus que aquele fenômeno seja considerado miraculoso para os
fins almejados.
E do ponto
de vista dos céticos? Bom, como eu já escrevi aqui há alguns anos,
os que partem do pressuposto a priori de que Deus não existe sempre
poderão «sacar a capacidade regenerativa do rabo da lagartixa para explicar uma
cura de amputação, e uma catalepsia prolongada associada a uma raríssima
mutação hibernativa para explicar um morto de quinze anos que retornasse à
vida», coisa que certamente não pode ser considerada a posição mais racional do
mundo. Mesmo diante do fracasso absoluto da caça aos
falsos milagres, os céticos sempre poderão se aferrar a uma
“Ciência das lacunas” e fazer o seu ato de fé na capacidade explicativa
universal da Ciência. Mas entre este fideísmo pueril e a sensatez da Igreja
Católica, eu fico com esta última, obrigado. E, em defesa da nossa posição,
basta dizer – como diz D. Rifan no encerramento do seu artigo – que a Igreja
leva tão a sério as Suas investigações sobre milagres que «Se mostra, nesses
casos, mais rigorosa do que a própria medicina».
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário