A Liberdade Guiando o Povo é uma pintura de Ferdinand Victor Eugène Delacroix, em comemoração à Revolução de Julho de 1830, com a queda de Carlos X. Uma mulher representando a Liberdade guia o povo por cima dos corpos dos derrotados, levando a bandeira tricolor da Revolução francesa numa mão e um mosquete com baioneta na outra (wikipédia) |
sábado, 13 de outubro de 2012
OS MARGINAIS DO PODER
Por Marco
Antonio Villa –| in O Estado de S.Paulo |
Vivemos um
tempo curioso, estranho. A refundação da República está ocorrendo e poucos se
estão dando conta deste momento histórico. Momento histórico, sim. O Supremo
Tribunal Federal (STF), simplesmente observando e cumprindo os dispositivos
legais, está recolocando a República de pé. Mariana - símbolo da República
Francesa e de tantas outras, e que orna nossos edifícios públicos, assim como
nossas moedas - havia sido esquecida, desprezada. No célebre quadro de Eugène
Delacroix, é ela que guia o povo rumo à conquista da liberdade. No Brasil,
Mariana acabou se perdendo nos meandros da corrupção. Viu, desiludida, que
estava até perdendo espaço na simbologia republicana, sendo substituída pela
mala - a mala recheada de dinheiro furtado do erário.
Na
condenação dos mensaleiros e da liderança petista, os votos dos ministros do
STF têm a importância dos escritos dos propagandistas da República. Fica a
impressão de que Silva Jardim, Saldanha Marinho, Júlio Ribeiro, Euclides da
Cunha, Quintino Bocayuva, entre tantos outros, estão de volta. Como se o
Manifesto Republicano de dezembro de 1870 estivesse sendo reescrito, ampliado e
devidamente atualizado. Mas tudo de forma tranquila, sem exaltação ou grandes
reuniões.
O ministro
Celso de Mello, decano do STF, foi muito feliz quando considerou os mensaleiros
marginais do poder. São marginais do poder, sim. Como disse o mesmo ministro,
"estamos tratando de macro delinquência governamental, da utilização
abusiva, criminosa, do aparato governamental ou do aparato partidário por seus
próprios dirigentes". E foi completado pelo presidente Carlos Ayres Brito,
que definiu a ação do PT como "um projeto de poder quadrienalmente quadruplicado.
Projeto de poder de continuísmo seco, raso. Golpe, portanto". Foram
palavras duras, mas precisas. Apontaram com crueza o significado destrutivo da
estratégia de um partido que desejava tomar para si o aparelho de Estado de
forma golpista, não pelas armas, mas usando o Tesouro como instrumento de
convencimento, trocando as balas assassinas pelo dinheiro sujo.
A condenação
por corrupção ativa da liderança petista - e por nove vezes - representaria, em
qualquer país democrático, uma espécie de dobre de finados. Não há no Ocidente,
na História recente, nenhum partido que tenha sido atingido tão duramente como
foi o PT. O núcleo do partido foi considerado golpista, líder de "uma
grande organização criminosa que se posiciona à sombra do poder", nas palavras
do decano. E foi severamente condenado pelos ministros.
Mas, como se
nada tivesse acontecido, como se o PT tivesse sido absolvido de todas as
imputações, a presidente Dilma Rousseff, na quarta-feira, deslocou-se de
Brasília a São Paulo, no horário do expediente, para, durante quatro horas, se
reunir com Luiz Inácio Lula da Silva, simples cidadão e sem nenhum cargo
partidário, tratando das eleições municipais. O leitor não leu mal. É isso
mesmo: durante o horário de trabalho, com toda a estrutura da Presidência da
República, ela veio a São Paulo ouvir piedosamente o oráculo de São Bernardo do
Campo. É inacreditável, além de uma cruel ironia, diante das condenações pelo
STF do núcleo duro do partido da presidente. Foi uma gigantesca demonstração de
desprezo pela decisão da Suprema Corte. E ainda dizem que Dilma é mais
"institucional" que Lula...
Com o tempo
vão ficando mais nítidas as razões do ex-presidente para pressionar o STF a fim
de que não corresse o julgamento. Afinal, ele sabia de todas as tratativas,
conhecia detalhadamente o processo de mais de 50 mil páginas sem ter lido uma
sequer. Conhecia porque foi o principal beneficiário de todas aquelas ações. E
isso é rotineiramente esquecido. Afinal, o projeto continuísta de poder era
para quem permanecer à frente do governo? A "sofisticada organização
criminosa", nas palavras de Roberto Gurgel, o procurador-geral da
República, foi criada para beneficiar qual presidente? Na reunião realizada em
Brasília, em 2002, que levou à "compra" do Partido Liberal por R$ 10
milhões, Lula não estava presente? Estava. E quando disse - especialmente
quando saiu da Presidência - que não existiu o mensalão, que tudo era uma
farsa? E agora, com as decisões e condenações do STF, quem está mentindo? Lula
considera o STF farsante? Quem é o farsante, ele ou os ministros da Suprema
Corte?
Como bem
apontou o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, o desprezo pelos
valores republicanos chegou a tal ponto que ocorreram reuniões clandestinas no
Palácio do Planalto. Isso mesmo, reuniões clandestinas. Desde que foi
proclamada a República, passando pelas sedes do Executivo nacional no Rio de
Janeiro (o Palácio do Itamaraty até 1897 e, depois, o Palácio do Catete até
1960), nunca na História deste país, como gosta de dizer o ex-presidente Lula,
foram realizadas na sede do governo reuniões desse jaez, por aqueles que
entendiam (e entendem) a política motivada “por
práticas criminosas perpetradas à sombra do poder”, nas felizes, oportunas
e tristemente corretas palavras de Celso de Mello.
A presidente
da República deveria dar alguma declaração sobre as condenações. Não dá para
fingir que nada aconteceu. Afinal, são líderes do seu partido. José Dirceu, o
"chefe da quadrilha", segundo Roberto Gurgel, quando transferiu a
chefia da Casa Civil para ela, em 2005, chamou-a de "companheira de
armas". Mas o silêncio ensurdecedor de Dilma é até compreensível. Faz
parte da "ética" petista.
Triste é a
omissão da oposição. Teme usar o mensalão na campanha eleitoral. Não consegue
associar corrupção ao agravamento das condições de miséria da população mais
pobre, como fez o ministro Luiz Fux num de seus votos. É oposição?
Marco
Antonio Villa – Historiador, é Professor da Universidade Federal de São
Carlos-SP.
|-acrescentei imagem da Internet com legenda PVeiga-|
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