Por Hiram Reis e Silva, Óbidos, PA
“Os grandes blocos de arenito ferruginoso do ponto mais alto da serra estão gravados com inscrições e desenhos indígenas. Acredita-se em Óbidos que o cume da Serra da Escama foi um cemitério de caciques indígenas, o que alias denunciam as inscrições ali existentes”. (Friedrich Katzer - 1933)
Partida para Óbidos
(17 de janeiro de 2011)
Partimos somente às 5h30 de Oriximiná já que os 45 quilômetros que separavam as duas cidades poderiam ser facilmente alcançados na parte da manhã. Depois de pouco mais de uma hora de navegação o horizonte começou a clarear lentamente permitindo que se divisasse o contorno das margens do Trombetas. Logo em seguida, consegui visualizar, depois de uma leve curva à esquerda, as elevações, com mais de cem metros de altitude, características de Óbidos com a Serra da Escama ao fundo. Óbidos é conhecida como a mais portuguesa das cidades do Estado do Pará, a “garganta do Rio Amazonas” ou ainda a “fivela do rio''. A cidade foi edificada na margem esquerda do Rio Amazonas a uma distancia de 1.100 quilômetros de Belém por via fluvial. A população em torno dos 47 mil habitantes concentra-se, na sua maioria, na sede do município de 26.826 km². Óbidos teve sua origem vinculada ao forte erguido em 1697, criando-se o município em 1755, em homenagem à vila portuguesa de mesmo nome.
Apelamos mais uma vez para os amigos da Polícia Militar do Pará que prontamente nos atendeu na pessoa do Capitão PM Flávio Antônio Pires Maciel. Através do Cap Maciel estabelecemos contato com os irmãos maçons da Loja Força e Harmonia número 19, Oriente de Óbidos. Depois de sermos apresentados ao venerável Antonio Sales Guimarães Cardoso, o Cap Maciel nos levou até a Secretaria de Cultura, instalada no antigo prédio do Quartel de Artilharia do Exército onde serviu o Tenente Leônidas Cardoso, pai do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A edificação, concluída em 1909, foi tombada em 1998 pelo Governo do Estado como Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural. O Secretário da Cultura e compositor Sr. Eduardo Dias concedeu uma entrevista relatando a origem da cidade e mostrou as belas instalações de sua secretaria. O Capitão Maciel colocou à nossa disposição o Cabo da PM Risonaldo Leão da Rocha para que ele nos apresentasse a cidade com suas belas construções de origem portuguesa e ladeiras acentuadas.
Óbidos – Defesa Gurjão
(18 de janeiro de 2011)
No dia seguinte, acompanhados pelo Cabo Rocha, subimos a Serra da Escama para conhecer a Fortaleza do Gurjão com suas quatro peças de Artilharia de Campanha e Paiol. Nos idos de 1902, foi nomeada uma Comissão para estudar a defesa do baixo Amazonas. A Comissão recomendou que fosse construído um Forte no alto da serra da Escama onde se deveriam instalar três baterias: uma de dois canhões de grosso calibre, tiro rápido; uma de quatro canhões de médio calibre, tiro rápido; e uma de obuseiros de grosso calibre. A responsabilidade pela construção coube ao Major de Engenheiros Manoel Luiz de Melo Nunes e, em 1909, estavam concluídos o Quartel do 4º Grupo de Artilharia de Costa e o Forte. Após a revolução de 1924 passou a se denominar 8.ª Bateria Independente de Artilharia de Costa. Os antigos canhões Krupp, da Serra da Escama, foram utilizados durante a Revolução Constitucionalista de 1932 pelos revoltosos para artilhar a embarcação Jaguaribe, abalroada e afundada na Batalha de Itacoatiara pelo vapor legalista Ingá. A “Bateria da Escama” foi artilhada, mais tarde, com quatro canhões Vickers Armstrong Modelo XIX. O Modelo XIX era um canhão empregado pela artilharia de costa calibre 152,4mm - fabricado na Inglaterra pela empresa Vickers Armstrong, em 1918, e comprado dos EUA pelo Exército Brasileiro em 1940. Após a 2ª Guerra Mundial foi transformado em Companhia de Infantaria e, depois, em Tiro de Guerra que permaneceu em atividade até o ano de 1967, quando foi extinto.
Defesa Gurjão
O nome do complexo defensivo que se debruça sobre o estreito de Óbidos é uma justa homenagem ao grande herói paraense General Gurjão. Hilário Maximiano Antunes Gurjão nasceu em Belém, Pará, no dia 21 de fevereiro de 1820. Era comandante da 17ª Brigada, na Guerra da Tríplice Aliança, quando Caxias determinou que a ponte sobre o arroio Itororó fosse defendida a qualquer preço. Os combatentes brasileiros estavam em menor número e grande parte de seus comandantes, fora de combate ou mortos. Depois de diversas tentativas frustradas, veio uma nova ordem para tomar a ponte sob intenso fogo inimigo. O General Gurjão, verificando a hesitação das tropas, tomou à dianteira e bradou “vejam como morre um General brasileiro!”. Os soldados motivados pelo corajoso General avançam e conquistam a ponte. Gurjão é mortalmente ferido e não resiste aos ferimentos vindo a falecer a 17 de janeiro de 1869. Além do Forte do Gurjão a Serra da Escama é conhecida pelas suas inscrições rupestres.
Inscrições Rupestres da Serra da Escama
“(...) os desenhos foram achados em sete pedras no cume da Serra da Escama, a cerca de 400 braças distante da cidade de Óbidos. A maior parte dessas figuras me é completamente ininteligível. Uma delas parece representar o sol e a outra a lua ou o sol”. (Charles Frederick Hart – 1895)
Nas proximidades dos canhões existem interessantes inscrições rupestres há muito reportadas por pesquisadores. Os primeiros relatos sobre estas inscrições foram reportados, no século XIX, pelo geólogo Charles Frederick Hart que veio ao Brasil pela primeira vez em 1865, aqui permanecendo até 1867, sob a direção de Agassiz, e que nos anos 1870 e 1871 visitou o Pará onde registrou a existência de vários sítios com pinturas e inscrições rupestres. As observações de Hart foram apresentadas, em 1871, no artigo intitulado “Brazilian Rocks Inscriptions”.
O geólogo e geógrafo norte-americano, naturalizado brasileiro, Orville Adalbert Derby, em 1898, assim se referiu às inscrições da Serra da Escama: “a leste da povoação existe um serrote isolado, coberto de matas, tendo cerca de 50 metros de altura e chamado Serra da Escama. A sua superfície é coberta de grandes massas de grés ferruginoso grosseiro em muitos dos quais estão cortadas figuras toscas semelhantes as que estão pintadas nas rochas do Ererê e outros pontos”.
O naturalista francês Paul Le Cointe no seu livro “L’Amazonie Brésilienne” editado, em 1922, por sua vez, faz a seguinte consideração: “No cume da Serra da Escama, sobre o lugar do atual forte, se encontram grandes pedras cobertas de desenhos bizarros, entre os quais era fácil distinguir imagens grosseiras do sol. Nenhuma escavação foi feita, portanto diversas analogias com os cemitérios dos Incas permitem fazer interessantes descobertas arqueológicas”.
O geólogo brasileiro Odorico Rodrigues Albuquerque do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, pesquisou as formações carboníferas da Bacia Amazônica, nos anos de 1918 e 1919, fazendo o seguinte registro em 1922: “Na esperança de que as escavações para as obras de fortificação da Serra da Escama nos permitissem observar algo da estrutura da serra, fizemos ali uma excursão, que infelizmente, pelo completo acabamento das obras, nada pude revelar. Apenas ali encontramos uns blocos de arenito em forma de laje, dois dos quais, com inscrições indígenas, se inclinavam com outros, concordantemente, para nordeste, mas com aparência de terem sido desmontados pelo desmoronamento das rochas sotopostas. Não sabemos o valor que podem ter estas inscrições, que tanto podem ser simples garatujas indígenas, como também podem conter futuras contribuições para a história dos primeiros habitantes da Amazônia, que em muitos pontos deixaram evidentes sinais de sua superior cultura sobre o aborígene moderno, como se vê pela pequena coleção de muirakitans de feições budistas (amuletos) do Sr. Barão de Solimões, em Óbidos, e das coleções cerâmicas que se acham em nossos museus. Oxalá que estudiosos destes assuntos, como o Coronel Bernardo de A. da S. Ramos, diretor do Instituto Histórico de Manaus, cujos trabalhos, ainda inéditos, prometem sensacionais revelações, venham nos despertar mais carinho por tais monumentos que estão sendo destruídos por nosso menosprezo. Assim, por exemplo, estas inscrições da serra da Escama, ou Óbidos, brevemente terão sua autenticidade comprometida, porque os soldados da guarnição do forte escrevem com o sabre nomes nas superfícies disponíveis das lajes. Até a pouco estas inscrições eram respeitadas e mesmo, referia-me o Sr. Barão de Solimões, que certa vez teve que impedir que um viajante inglês as conduzisse para a Inglaterra, e não vejo motivo para que agora não se continue a guardá-las com o mesmo carinho”.
A arqueóloga e pesquisadora do Museu Emílio Goeldi Edithe Pereira autora de a “Arte Rupestre na Amazônia - Pará” relata que, em 1991: “durante os trabalhos de prospecção de sítios com arte rupestre no baixo Amazonas, visitei a Serra da Escama e cadastrei o sítio com a sigla PA-OB-6: Serra da Escama. Dos sete blocos com gravuras descritos na literatura, localizei apenas três. Todos eles estavam dentro da área onde foi construída, no início do século XX, a Fortaleza Gurjão. Esses blocos encontram-se próximo aos canhões, a uma distância média de 15 metros um do outro. As gravuras que encontrei correspondem as figuras 1, 2 e 5 do desenho de Gustavo Rumbelsperger. Com exceção da figura 3, as demais estão em bom estado de conservação, em que pese a constante visitação turística na área. Apesar da intensa procura que fiz aos outros quatro blocos com gravuras, não foi possível localizá-los. Provavelmente, o seu desaparecimento deve estar relacionado com as obras da Fortaleza Gurjão, podendo ter sido quebrados para o aproveitamento na construção da própria Fortaleza ou ainda soterrados em decorrência da construção”.
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br
E–mail: hiramrs@terra.com.br
Imagens da Internet - fotoformatação (PVeiga).
2 comentários:
Oi Pedro muito rica sua exposição sobre Óbidos, é maravilhoso ver como a história da cidade que também é conhecida como Cidade Presépio ser contadas por pessoas como você.
Sou obidense e moro em Manaus, tenho um site: www.obidense.com.br busco informações e mantenho muitos filhos da cidade que moram por este Brasil informado sobre o que acontece na cidade.
Forte abraço.
Olá Walmir, grato pela sua participação, uma ressalva, o relato sobre a Óbidos é de de meu amigo Hiram Reis e Silva, que está navaegando o Rio-Mar e narrando as maravilhas desse nosso Brasil.
Conto com sua presença, visitando este modeste Blog.
Agora vou visitar o seu site.
Abraços PVeiga
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