quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ROUBANDO NO TRÂNSITO

Por Nivaldo Cordeiro

Desde que eu trabalhei na prefeitura de São Paulo, quando tive que interagir, por dever profissional, com os chefes da burocracia do trânsito, e isso já faz muito tempo (Governo Erundina), eu pude constatar como essa burocracia odeia os proprietários de automóveis, atribuindo a eles toda sorte de infortúnios que acontecem cotidianamente nas vias públicas e também por carregarem o pecado mortal de supostamente estarem no extrato superior da pirâmide de renda. Em suma, pensa ela ser os motoristas de automóveis gente rica, egoísta e irresponsável. Eu vi então como tentavam cercar e extorquir, no que podiam, os infaustos motoristas. Sua via principal sempre foi o Código Nacional de Trânsito e as legislações nele apoiadas nas diferentes esferas de poder. Um desses sujeitos de minha época de prefeitura acabou virando diretor do Contram no Governo Lula e conseguiu realizar seus sonhos de comissário disciplinador do trânsito.

O que vimos desde então? O abuso e a injustiça legal se acumulando paulatinamente sobre os donos de automóveis. Hoje o ato de dirigir tornou-se um grande perigo jurídico, de sorte que sair de casa e se envolver em algum acidente banal pode custar caro, até mesmo a liberdade. Beba uma garrafa de cerveja e perderá mais do que a carteira de habilitação, estará cometendo um crime – a rigor um pré-crime, um conceito bastante elástico. Ainda ontem, vindo do litoral, um amigo meu, rigoroso cumpridor de seus deveres e proprietário de carro novo, teve o veículo apreendido e ficou a pé na estrada, por conta de uma filigrana jurídica. Puro abuso de poder ou tentativa de extorsão malograda, que meu amigo nunca pagaria propina. É preciso reduzir o poder dos guardas de trânsito sobre os desprotegidos motoristas

Casualmente hoje o jornalista Marcelo Coelho publicou pertinente artigo na Folha de São Paulo sobre o assunto (Corrompa ou obedeça). O artigo tem mais méritos por colocar o tema do que por dissecá-lo bem. Sua conclusão é bisonha, ele que se esqueceu de cumprir a Inspeção Ambientar Veicular e está pagando caro por isso:

“Quase 200 anos depois da Independência, ainda temos do Estado uma visão colonial. Trata-se de uma entidade arrecadatória, nascida de algum reino estrangeiro que inventa novas coisas para nos infernizar e que cumpre enganar do mesmo modo com que nos tapeia. A corrosão ética da coisa toda nasce, a rigor, da política, e não o contrário: por se tratar de uma cidadania imperfeita, de um autoritarismo latente, de uma democracia sem participação e de um Estado, afinal, sem dono, mas com muitos gerentes e coronéis, é que corromper ou obedecer são as saídas que conhecemos. Não adianta reclamar depois”.

Invocar o Estado colonial para entender o que a burocracia de trânsito tem feito é não perceber que o Estado brasileiro foi tomado pelas hordas esquerdistas, no âmbito da revolução gramsciana, revolução esta que se encontra no seu apogeu. O Estado atual do Brasil não guarda mais nenhum elo com o amaldiçoado Estado colonial. Um dos lugares em que essa dita revolução alcançou plenitude foi junto à burocracia de trânsito, que vê no proprietário de automóvel o “burguês” caricato dos manuais de marxismo, que usa transporte particular – Oh, crime hediondo! – enquanto as massas usam o transporte público de má qualidade. Associado a isso colocaram, nos últimos tempos, a questão ambiental em destaque: além de burguês egoísta e bem acomodado no seu espaço personalíssimo, o motorista de automóvel é também um poluidor incorrigível do meio ambiente. Pau no burguês!

Marcelo Coelho, ao apelar para argumento do tipo “Estado colonial”, colaborou para esconder a origem e a natureza da maldição que desabou sobre os proprietários de automóveis, perseguidos impiedosamente pelas prefeituras e violentamente expropriados de sua renda, seja pelo mecanismo das multas abusivas, seja pelas exorbitantes e injustas taxas que são cobradas. E não podemos nos esquecer do abuso-mor dos pedágios, que seriam devidos se os impostos sobre os carros não tivessem como suposto destino a melhoria da malha viária.

Nem mesmo Marcelo Coelho, distinto membro da nomemklatura jornalística, fato que o torna um agente gramsciano graúdo, escapou de gritar contra os abusos e a injustiça. A velha história de que pimenta no olho do outro é refresco. A pimenta agora está caindo nos olhos de todos. Marcelo Coelho não percebeu onde está a origem de tudo: na edição das leis injustas, abusivas, preconceituosas, fundadas na falsa visão da luta de classes e do homem como praga do meio ambiente. Ele foi incapaz de ver o problema real, como se nota facilmente na leitura do seu artigo, que é a tomada do poder pelas hordas esquerdistas. Mas tem o mérito de ter usado seu espaço para protestar. Pena que sua cegueira ideológica tenha contribuído para desperdiçar o precioso espaço.

Indicação de meu amigo Anatolly Oliynik - Imagem da Internet - fotoformatação (PVeiga).

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