Por Anatoli Oliynik
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Inicio este artigo com uma pergunta: O que vem a ser cultura?
“Cultura é conhecimento interiorizado numa personalidade melhor”. O que significa isto? Significa que, quando você lê um livro escrito por grandes escritores, aqueles que transcenderam as suas épocas, você sai dessa leitura com a sua personalidade modificada para melhor.
Sócrates (470-399 a.C.) acreditava que era possível alcançar um conhecimento mais fundamentado do que a mera opinião, e esse conhecimento constituiria a fonte da autoridade intelectual, não só por ser mais fundamentado e mais racional do que a mera opinião, mas porque constituía algo no qual ele – Sócrates, enquanto pessoa concreta – poderia acreditar.
Cícero (106-43 a.C.) dizia que “do mesmo modo que cultivamos o solo precisamos cultivar o espírito”. Portanto, cultura é incorporar o conteúdo do livro à nossa consciência e assim compreender melhor o mundo e a nós mesmos.
A função básica do escritor, do literato, do poeta ou do romancista é colocar a experiência individual e coletiva à disposição de toda a sociedade para que essa experiência seja o material básico desde o qual tudo se discute.
Este mundo imaginário é a primeira, mais simples e imediata síntese que se faz da experiência. Se você não tem este material, os conceitos que você usa na descrição da realidade, não refletem a experiência real. É isto que o grande escritor faz: a transposição da realidade em pensamento abstrato de modo a possibilitar ao leitor o retorno deste pensamento abstrato à realidade como instrumento de iluminação da experiência.
Se os livros que você lê não seguem este caminho, então a sua experiência literária fica bloqueada, restando apenas a expressão tosca e direta de reações estereotípicas como os comandos emitidos por um amestrador de bichos que não espera de seus amestrados nenhuma compreensão racional, apenas a obediência automática, sonsa e impensada. Geralmente, os livros de auto-ajuda fazem isso. Por essa razão abomino-os.
Há pelo menos cinqüenta anos a nossa produção literária não acompanha a experiência real das pessoas. A nossa literatura não tem mais nada a ver com a realidade, e é formada praticamente só de estereótipos.
Lamento dizer isso, mas a literatura brasileira só tem personagens picaretas, farsantes e espertalhões com raras exceções: a personagem “Paulo Honório” da obra “São Bernardo”, de Graciliano Ramos, “Brás Cubas” da obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis e por último “Conselheiro Aires” da obra “Memorial de Aires”, de Machado de Assis. E nada mais que eu me recorde.
Então, pergunto: Como se pode formar culturalmente uma nação em modelos e exemplos tão escassos?
Para que não fiquemos apenas no campo teórico e a guisa de exemplo prático, recorro ao excerto que faço do meu artigo “Personagens da obra Ulisses de James Joyce”, baseado notadamente nas três personagens principais: Stephen Dedalus, Leopold Bloom e Molly Bloom.
No exemplo a seguir, procurarei demonstrar, na prática, como se pode extrair da leitura de uma grande obra o instrumento de iluminação para cultivar o nosso espírito.
Leopold Bloom é um sujeito generoso, decente, conformado, pacato e completamente perdido quanto ao seu papel existencial. No conceito aristotélico simboliza o Espírito (Intelecto).
Stephen Dedalus é o vaidoso intelectual. Simboliza a Mente (Razão) e,
Molly é uma atriz de teatro volúvel e de tendências libidinosas que teve 25 casos fora do casamento, simboliza o Corpo (a Matéria).
Ao analisarmos a personagem Leopold Bloom fica evidente que ele não é capaz de compreender-se ontologicamente, não tem consciência do seu papel espiritual, não acredita no espírito, não tem fé e está perdido existencialmente. Sua ação sobre o mundo é nenhuma. O homem moderno é assim.
Stephen Dedalus, por sua vez, renega e abandona a pátria, a religião e a família. É a mente desvinculada do espírito. O humanista típico é assim.
Molly simboliza o mundo material e os prazeres carnais. Uma espécie da paródia do “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley, caracterizado por uma sociedade corpórea, uma sociedade das sensações e prazeres.
A Mente precisa do Espírito e ambos precisam do Corpo para existir concretamente. Então, o que cada uma das personagens faz?
Bloom, que simboliza o Espírito (Intelecto), retorna à sua casa e retoma a consciência do seu papel espiritual. Ele já não serve mais o café na cama para a sua mulher Molly como o fazia desde o casamento. Agora é ela quem faz e isso tem um significado que será explicado mais adiante.
Molly, que simboliza o Corpo (Matéria) se submete ao Espírito. Assim, é ela quem agora irá levar o café na cama para Bloom. A ordem foi restabelecida.
Stephen, que simboliza a Mente (Razão), sai da história para escrever o livro Ulisses.
O que a obra quer nos contar? Ela quer nos mostrar as três possibilidades existências para uma vida humana concreta.
Por que Molly quis se casar com Leopold? Porque o Corpo só é viável sob a sombra do Espírito.
Portanto, a obra “Ulisses” retrata o homem moderno. É assim que podemos demonstrar que cultura é conhecimento interiorizado numa personalidade melhor ou cultivar o espírito no sentido ciceriano.
Espero ter sido suficiente claro na minha intenção de conceituar o que seja CULTURA.
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