domingo, 29 de maio de 2011

O RIO DAS AMAZONAS

Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 29 de maio de 2011.

“A inconstância tumultuária do rio retrata-se ademais nas suas curvas infindáveis, desesperadoramente enleadas, recordando o roteiro indeciso de um caminhante perdido, a esmar horizontes, volvendo-se a todos os rumos ou arrojando-se à ventura em repentinos atalhos. … ou vai, noutros pontos, em furos inopinados, afluir nos seus grandes afluentes, tornando-se ilogicamente tributário dos próprios tributários: sempre desordenado, e revolto, e vacilante, destruindo e construindo, reconstruindo e devastando, apagando numa hora o que erigiu em decênios – com a ânsia, com a tortura, com o exaspero de monstruoso artista incontentável a retocar, a refazer e a recomeçar perpetuamente um quadro indefinido…” (Euclides da Cunha).

Rio Amazonas
Foto: Usuário de Flickr aposada

O Amazonas é um extraordinário manancial que vem desafiando, através dos últimos cinco séculos, não apenas a capacidade dos cientistas de determinar suas características fisiogeográficas e a pródiga imaginação dos românticos poetas, mas, sobretudo, a capacidade de sobrevivência sustentável dos povos da floresta cujas vidas dependem diretamente de suas águas. Águas alegres e generosas que fertilizam a várzea e estimulam os ribeirinhos a acorrerem em mutirões lançando, na vazante, suas sementes às praias fecundas, para colher mais tarde os frutos de seu esforço e da munificência do pródigo caudal, por vezes soturnas, fúnebres mesmo, arrancando enormes barrancos das margens arrastando árvores, casas e levando o terror às almas destemidas dos povos das águas.

O Rio continua moldando, trabalhando as margens a seu bel prazer. Arrancando um barranco aqui, iniciando uma ilha mais adiante, assoreando e abandonando um canal acolá, transformando um pequeno furo em braço principal e levando por diante uma ilha mais além, é a “Inconstância Tumultuária” a que se refere o inigualável Euclides da Cunha, no seu “Paraíso Perdido”.

Amazônia, a pátria da água

O artífice das letras Thiago de Mello faz um belo relato poético-geográfico do grande Rio sob o título “Nasce o Amazonas”. O texto do grande mestre nos faz sonhar, vagamos juntos desde a cordilheira majestosa, onde o pequeno filete d’água brota das perenes geleiras moldando seu curso, ainda infantil, na parede das rochas, e ganha, pouco a pouco, energia de outras fontes andinas até penetrar na luxuriante vereda tropical cujo traçado instável e indeciso segue a cavaleiro da linha do Equador até alcançar o mar através de seu formidável estuário.

Da altura extrema da cordilheira, onde as neves são eternas, a água se desprende e traça um risco trêmulo na pele antiga da pedra: O Amazonas acaba de nascer. A cada instante ele nasce. Descende devagar, sinuosa luz, para crescer no chão. Varando verdes, inventa seu caminho e se acrescenta. Águas subterrâneas afloram para abraçar-se com a água que desceu dos Andes. Do bojo das nuvens alvíssimas, tangidas pelo vento, desce a água celeste. Reunidas, elas avançam, multiplicadas em infinitos caminhos, banhando a imensa planície cortada pela linha do Equador. Planície que ocupa a vigésima parte da superfície deste lugar chamado Terra, onde moramos. Verde universo equatorial, que abrange nove países da América Latina e ocupa quase a metade do chão brasileiro. Aqui está a maior reserva mundial de água doce, ramificado em milhares de caminhos de água, mágico labirinto que de si mesmo se recria incessante, atravessando milhões de quilômetros quadrados de território verde... É a Amazônia, a pátria da água. (MELLO)

À Margem do Amazonas

O médico e escritor Aurélio Pinheiro, considerado o maior romancista do Rio Grande do Norte lançou seu primeiro romance, “O Desterro de Umberto Saraiva”, em 1926, editado na livraria Clássica, de Manaus. Em 1927, a “Gleba Tumultuária”, pela mesma editora e, em 1937, pela Companhia Editora Nacional, integrando a coleção “Brasiliana”, volume 86, o “A Margem do Amazonas”. Reproduzimos um trecho desta obra em que o autor faz um relato objetivo, conciso e agradável do Rio-mar.

Ao chegar a Haiti, Colombo quer ver o lugar das minas, porém os indígenas informam ao navegador que essa terra ficava ao oriente. Colombo arriba, inquieto, desistindo da aventura. (Joachim Heinrich Campe)

Havia um país atravessado por um Mar Branco, cujas vagas arrastavam areias de ouro e pedras diamantinas. A capital desse país, Manôa, (nome semelhante ao da tribo Manao ou Manôa, que vivia no solo onde foi fundada Manaus, capital do Estado do Amazonas) era uma grande cidade, com muitos palácios, alguns construídos com pedras marchetadas de prata; outros possuíam telhados de ouro. No solo viam-se metais preciosos. Manôa continha todas as riquezas da terra; e lá reinava um homem que se chamava El Dorado, porque tinha no corpo reflexos de ouro, tal como o céu pontilhado de estrelas.
(Barão de Santa-Anna Nery)

Nesse tom de fantasia, de deslumbramento, de miragens alucinantes, se vai desdobrando toda a história do descobrimento da América, e pouco a pouco a lenda do El Dorado cresce desordenadamente na imaginação dos conquistadores.

O primeiro homem que percorreu todo esse Mar Branco (à parte a viagem pela sua foz contada por Vincente Pinzon, em Janeiro de 1500, e a imprecisa digressão de Diogo de Leppe por todo o litoral do Brasil) Francisco de Orellana, Lugar-Tenente de Gonçalo Pizarro, depois valido (protegido) de Carlos V, afinal Governador Geral dessa região que se chamou Nova Andaluzia, por pertencer ao reino da Espanha - muito sofreu antes de alcançar o País da Canela e o El Dorado, que pretendia desvendar ao mundo.

Dois anos e oito meses durou a infeliz aventura. E desde o vale de Zamaco, quando se reuniu a Gonçalo Pizarro, até onde o Amazonas se despeja no Atlântico, a sua caravana padeceu, como talvez nenhuma outra na terra, os revezes mais rudes, atormentada pelas moléstias, assaltada pelos silvícolas, esfomeada, destroçada, em farrapos, varando florestas e Rios. E só quatro séculos depois, a História começou a fazer justiça a esse desgraçado aventureiro, que não foi um traidor, que sacrificou toda a fortuna nessa jornada célebre, e que veio, afinal, a morrer miseravelmente perdido entre as ilhas do Amazonas.

Sobre esse temerário empreendimento os anos passam silenciosos; e só mais tarde, Lopo de Aguirre, a mais sinistra revelação da maldade humana, penetrou no Mar Branco em busca do país dos Omáguas, do El Dorado, depois de ter deixado nos barrancos do Solimões os cadáveres de Pedro Ursúa e seus companheiros, assassinados por ordem sua na noite trágica de 1° de janeiro de 1561.

Perdem-se, desde essa época, os traços de novos exploradores do grande Rio.

Talvez porque os sacrifícios dessas explorações fossem além de toda expectativa; talvez por causa do desencantamento dos primeiros navegadores, que não chegaram a ver a famosa Manôa dos palácios de ouro e dos monumentos incrustados de pedras preciosas; talvez porque a Espanha se desinteressasse - apesar do Tratado de Tordesilhas - dessa Nova Andaluzia absurdamente grandiosa, que devorava tantas vidas - verdade é que não há notícias de outras expedições durante o domínio espanhol na Amazônia.

E ficou ao abandono, por muito tempo, a região feiticeira, notável até então apenas pelo furor guerreiro das Icamiabas que atacaram Francisco de Orellana na foz histórica do Nhamundá, espalhando o terror e criando uma lenda maravilhosa.

Mas, se os aventureiros espanhóis, fracassados em duas tentativas, desistiram de procurar o El Dorado, e nunca mais desceram das terras dos Incas às terras de Manôa, outras gentes vindas da França, da Inglaterra, da Holanda, se iam instalando nas ilhas próximas à embocadura, com o desplante e a audácia de senhores que nada temiam, fazendo de cada residência uma pequena fortaleza, tal como na era recuada do feudalismo.

Datam daí, dessa imprudente infiltração estrangeira, as cenas épicas do povoamento do Amazonas.

Os portugueses, embora ameaçados pelos franceses no Maranhão e pelos flamengos no meio-Norte, defenderam corajosamente a nova terra, que a imprecisão e a caducidade do Tratado de Tordesilhas (desaparecido em 1640, quando Portugal se libertou do domínio espanhol) lhes entregavam como a mais assombrosa das dádivas.

E começaram as explorações metódicas, sistemáticas, práticas, sem a crendice nefasta das lendas.

Pedro Teixeira, partindo de Cametá, pequena Vila paraense, em 1637, subindo todo o Amazonas, todo o Solimões, todo o Napo, até Quito, comandando uma considerável flotilha de mais de quarenta grandes canoas e duas mil criaturas entre brancos e indígenas, - observou todo o baixo Amazonas, desde o seu extraordinário arquipélago até a confluência do Negro e Solimões.

Firmava-se em toda a região a conquista portuguesa.

Caldeira Castello Branco, Maciel Parente, Aranha de Vasconcellos e muitos outros, foram incansáveis destroçadores dos ádvenas, e verdadeiramente os primeiros que levaram através da planície, até os altos Rios, a ideia da soberania e da posse.

Depois dessas entradas memoráveis se foram povoando as margens do Rio-gigante. E os seus maiores afluentes, como o Xingu, o Tapajós, o Nhamundá, o Madeira, receberam os primeiros habitantes que procuravam a baunilha, o cacau, a canela, as ervas aromáticas: e caçavam desenfreadamente os indígenas, não para trazê-los à civilização, mas para acorrentá-los às senzalas.

Esgotada, enfim, após dezenas de anos de infatigável colheita, essa flora riquíssima, e diminuída a ânsia da caçada ao silvícola, porque este se tornara menos acessível recuando para as florestas centrais, organizando grandes núcleos de resistência, cheio de ódio ao Cáryua falso e perverso - sobreveio, afinal, um largo período de repouso.

Sossegaram as desordenadas ambições dos exploradores. Firmaram-se, aqui e ali, desde as várzeas magníficas de Marajó, aonde iam chegando as primeiras manadas de gado de Cabo Verde, às terras fecundíssimas do Madeira, os primitivos centros coloniais, os incipientes povoados, os rústicos estabelecimentos agrários, formando lentamente uma nova existência no desmedido deserto verde.

Seria, porém, enfadonho registrar etapa a etapa todo o processo evolutivo do baixo-Amazonas, isto é, - do trecho onde o Amazonas toma geograficamente o seu verdadeiro nome - até a imponência e a riqueza de Belém do Pará e o encanto de Manaus.

Entre as duas grandes capitais, a primeira na linda baía do Guajará, a segunda à margem do Rio Negro, todo o Amazonas se foi povoando. Curralinho, Monte Alegre, Alenquer, Óbidos, Parintins, Itacoatiara, tornaram-se prósperas; apareceram os rebanhos, surdiram as roças, as terras de aluvião demasiadamente férteis acolheram as sementes do cacau - que deixava de ser silvestre, - do fumo das frutas.

Nasceram as pequenas indústrias; vieram os pomares; ergueram-se os engenhos de açúcar e aguardente - e a vida correu sempre quieta e farta nessa abençoada região da Hylea.

O seu progresso tem sido lento, quase imperceptível, com estranhas alternativas, porque as grandes cheias do Rio têm perturbado de vez em quando o ritmo da sua prosperidade, e também porque nesses transes jamais os seus habitantes foram amparados pelos poderes públicos.

Nos tempos agitados da borracha, grande parte da sua população partiu para os seringais; porém, ainda assim, resistiu à catástrofe da desvalorização.

Os que o deixaram num momento de perturbação, voltaram arrependidos e continuaram nas humildes profissões de vaqueiros, agricultores, pescadores.

O seu destino prosseguiu seguro e sereno entre os campos de gado, as roças de mandioca, milho e feijão, nos cacauais das várzeas e das terras firmes, nos guaranazais de Maués, nos tabacoais de Santarém e Itacoatiara, nos portos de lenha, nos castanhais do Trombetas e do Madeira, nos grandes centros de pecuária de Monte Alegre, do Nhamundá, do Autaz, nos copaibais de toda parte, nos lagos cheios de peixes, nas várzeas cheias de frutas.

Os viajantes que viram o Amazonas de bordo dos transatlânticos ou das gaiolas, nas viagens de Belém a Manaus, voltam desencantados, decepcionados, descontentes, como se tivessem caído numa indigna cilada - porque não há nada mais insípido, mais desagradável, mais secante, do que esses quatro ou cinco dias de águas e florestas, sem perspectivas, sem horizonte, sem mutações, dando a ideia de que se atravessa um corredor asfixiante, sombrio, interminável, com a sensação de vesicatórios (que produz vesículas) pelo corpo.

Um velho político da terra dos Barés dizia que esse era o Amazonas para uso externo - um Amazonas inexorável, que põe logo à prova a paciência e a boa vontade dos turistas. O outro, o Amazonas feiticeiro, empolgante, misterioso, surpreendente, fica por traz dessa infinita muralha verde.

É o Amazonas ameno e pingue (fértil) dos campos bucólicos, das roças alegres, dos sítios poéticos, das caboclas bonitas, dos cacauais em colheitas, das procissões fluviais do Divino, do trabalho e das festas. E mais do que tudo isso, o Amazonas dos lagos imensos onde os caboclos nas montarias arpoam o pirarucu e o peixe-boi; o Amazonas dos recantos sombreados onde flutuam as grandes folhas circulares e fulguram as soberbas Vitórias Régias; o Amazonas das praias de tartarugas, cujos cascos se entrechocam nas noites de postura; o Amazonas grandioso, claro, cintilante, que desperta nos corações amor e bondade.

Esse é o Amazonas de incomparável beleza e de perene abundância, fascinante e hospitaleiro, como o último lugar na terra onde a vida oferece ainda, em proporções paradisíacas, o esplendor dos dias suaves, o imprevisto das paisagens deslumbrantes e a paz religiosa das águas e das florestas. (PINHEIRO)

Rio das Amazonas

Rápido exame dos relevos da terra, no mapa físico da América do Sul, desperta imediatamente a atenção para a colossal baixada, onde, com o aspecto ordenado das nervuras no limbo de uma folha, se apresenta o Rio Amazonas e sua rede adjacente e radiciforme de afluentes: a mais abundante das bacias fluviais do mundo. (RANGEL)

O INPE, depois de analisadas as imagens de satélite e modelos de elevação digital do terreno gerados com radar orbital (SAR interferométrico), chegou à conclusão que a nascente do Rio Amazonas se origina em um dos córregos que alimentam o Rio Lloqueta, sendo os principais Caruhasanta e Apacheta, alimentados pelas águas do pico nevado Mismi, a 5.597 metros de altitude. Estes estudos foram validados pelo trabalho de campo executado pela “Expedição Científica Binacional Peruana-Brasileira às Nascentes do Rio Amazonas”. Para os pesquisadores do INPE o principal formador do Amazonas é a vertente da quebrada Apacheta.

Apacheta é, sem dúvida, a nascente original do Amazonas e o principal córrego que alimenta o Rio Lloqueta principal formador do Apurimac que corre no sentido noroeste, passando por Cuzco a mais de 3.000m de altitude.

Depois de percorrer pouco mais de 730 km, o Apurimac encontra com o Rio Mantaro para formar o Rio Ene, a uma altitude de 440 m e mais adiante encontra com o Rio Perené a 330 m acima do nível do mar, passando a formar o Rio Tambo. Após sua confluência com o Rio Urubamba a 280 m de altitude forma o Rio Ucayali.

O Ucayali corre por um declive suave para o Norte até juntar-se com o Marañón, onde recebe o nome de Amazonas, até a fronteira do Brasil, na altura da cidade de Tabatinga onde muda o nome para Solimões onde toma o rumo geral Oeste-Leste, envolvido pela Hiléia Amazônica e, em Manaus, após a junção com o Rio Negro, recebe o nome de Amazonas e como tal segue até encontrar as águas do Oceano Atlântico.

É o maior Rio do planeta, tanto em volume d’água quanto em comprimento (6.992 km de extensão) e seu declive é mínimo, avançando lentamente pela maior várzea do planeta. De Tabatinga até a ilha de Marajó, o desnível é de apenas 65m em 3.200 km (uma média de 2 cm por quilômetro).

O curso Médio do Amazonas inicia em Contamana, pequena cidade do Peru e se estende até Óbidos, a mil quilômetros da foz, onde já se notam efeitos das marés. São aspectos igualmente curiosos os registros de velocidade, largura e navegabilidade. A velocidade média, no médio e baixo cursos, é de 9 km/h, mas em Óbidos, onde o Rio tem sua passagem mais estreita em território brasileiro (2.600 m), a velocidade chega a 12 km/h. A largura é outra das medidas difíceis de calcular, em virtude das diversas ilhas existentes no seu leito, dando origem a formação de vários braços ou “paranás”. Um dos trechos mais largos fica uns quinze quilômetros a montante da foz do Tapajós, próximo a Santarém, e mede 35 km. É uma enorme área lacustre em que as águas predominam altaneiras. Mas, nas épocas de cheia, muitos trechos ultrapassam os cinquenta quilômetros de largura. A diferença entre o nível máximo das enchentes (junho) e mais baixo da vazante (outubro-novembro) é, em média, é de 10,5 m.

Grande parte do Amazonas permite a navegação. Nos 3.700 km que vão da foz à cidade de Iquitos, sua profundidade (às vezes mais de 50 m) lhe permite receber navios de alto calado. Grande parte de seus afluentes são igualmente navegáveis, viabilizando o transporte hidroviário como o meio mais adequado e utilizado na região. Infelizmente a maioria das embarcações ainda não faz uso de recursos tecnológicos modernos comprometendo a segurança das pessoas e cargas.

Entre os afluentes do Amazonas existem mananciais colossais. O Madeira é um dos vinte maiores do mundo; o Purus, o Tocantins e o Juruá estão entre os trinta principais. Em toda a rede desses afluentes, no Brasil, sobressaem, pela margem direita, o Javari, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu; pela margem esquerda, Içá, Japurá, Negro, Trombetas, Paru e Jari.

Pororoca

Bernardino José de Souza nasceu, a 8 de fevereiro de 1884, no Engenho Murta, Vila Cristina, hoje Cristinápolis, Sergipe. Filho do Coronel Otávio de Souza Leite e Filomena Maciel de Faria, aprendeu as primeiras letras com a professora Maria Sá Cristina de Gouvêa. Foi professor de geografia, historiador e etnógrafo e autor de diversas obras sobre a terra e o povo brasileiro. No seu Dicionário da terra e da gente do Brasil (editado em 1939) assim descreve o fenômeno:

Pororoca: nome onomatopaico de curiosíssimo fenômeno, peculiar a alguns Rios da Amazônia, caracterizado por ondas de volume majestoso que, dotadas de vertiginosa velocidade ao lado de ruído trovejante e assustador, se enovelam em direção a montante do Rio, devastando tudo que encontram deixando nas margens os sinais patentes de seu poder destrutivo. Barbosa Rodrigues definiu a pororoca nestas simples palavras: “encontro das altas marés com a corrente dos Rios que, ao passar por baixios, produz arrebentação com estrondo”. A pororoca manifesta-se nos Rios — Amazonas, Araguari, Maiacaré, Guamá, Capim, Moju; também no Mearim do Maranhão. Fenômeno idêntico observa-se em muitos Rios do mundo com designações peculiares: os franceses, que o têm no Gironde, Charente, Sena, denominam mascaret e barre; os ingleses registam-no no Tâmisa, Severn e Trent com o nome de bore e também no Hughly, uma das fozes do Ganges, na Índia; os portugueses o observaram no Hughly e no Megma, braço do Bramaputra, chamando-lhe macaréu; os chineses admiram-no no Yang-tse-Kiang, com o apelido retumbante de trovão e aí mesmo os ingleses chamam-lhe eager. Produz-se ainda em Rios de Bornéu e Sumatra; na América do Norte, nos Rios Colúmbia e Colorado. (SOUZA)

O abade Edouard Durand (1832-1881) foi missionário na África e no Brasil onde residiu em Minas Gerais e teve a oportunidade de explorar o vale do Rio Doce e a Serra do Caraça. Antes de retornar á França, em 1867, Durand morou também na região amazônica. Na Europa o clérigo se torna membro da Sociedade Geográfica de Paris, em 1874, desempenhando as funções de arquivista e bibliotecário. Escreveu diversos artigos sobre o Brasil, e, em especial, sobre a Bacia Amazônica. Transcrevemos um de seus belos textos sobre a pororoca:

Então o mar, quebrando a linha que lhe opõem as águas do Rio, se empina subitamente e as repele para suas fontes; em seguida invade em cinco minutos toda a embocadura, em vez de subi-la em seis horas. Enfim, uma crista de espuma aparece, ao longe, na direção do cabo Norte. Adianta-se com a rapidez de uma tromba e cresce, desenrolando-se, até as ribanceiras de Marajó. Barulho surdo parece sair do fundo do oceano; dir-se-ia o troar longínquo do trovão misturado ao ronco descontínuo do furacão. A pororoca está apenas à dezena de quilômetros. Chega, e este imenso vagalhão de seis metros de altura cai, quebra-se sobre a Ponta Grossa, pinoteia na planície e ressalta nos ares em mil girândolas de espuma. O Araguari enche-se e transborda. A pororoca continua sua corrida desenfreada por entre as ilhas; apertada, comprimida pelos estreitos, parece redobrar de violência; salta sobre os baixios, sacode a longa e alva crina que a brisa leva qual nuvem de neve, abate-se e ergue-se com máximo furor sobre os rochedos que parece pulverizar, sobre as ilhas que parece fazer desaparecer. Nada lhe resiste: árvores seculares são cortadas, torcidas e roladas pelas ondas, entre os rochedos, com pedaços de terras arrancados dos flancos das ilhas e vestidos de forte vegetação. Três vagalhões, ou melhor, três muros ou diques gigantescos de água se sucedem deste modo em 15 minutos! São sucessivamente menos fortes e vão se perder atrás das ilhas, além de Macapá... Compreende-se então a justeza da expressão indígena pororoca, magnífica onomatopeia, daquelas que só se encontram nas línguas primitivas. As três primeiras sílabas imitam, com efeito, o estrondo do caminhar do fenômeno, e a última exprime o embate violento das grandes vagas quebrando-se nas ribanceiras que devasta. (Abbé Durand)

Pororoca ou mupororoca (do tupi “poro’roka”, de “poro’rog”, estrondar) é como são denominados os macaréus que ocorrem na região amazônica. Pororoca é grande onda que sobe os Rios que desembocam no estuário do Amazonas, com grande estrondo e ímpeto devastador, provocando o desmoronamento das margens e carregando consigo árvores, embarcações e outros objetos que se interponham à sua violenta passagem.

A onda é causada pela elevação súbita da maré no oceano, em épocas de sizígia (nas grandes marés de “Lua Nova” e “Lua Cheia”). A elevação da maré represa os Rios no estuário, fazendo com que suas águas recuem, formando uma grande corrente em sentido contrário ao seu curso normal.

Quando esta formidável torrente encontra um estreitamento no Rio, o nível da água se eleva repentinamente e, se houver alguma saliência no leito (os baixios), esse obstáculo faz a água amontoar-se bruscamente, originando uma onda que se eleva de 3 a 6 m de altura e velocidade de 16 a 24 km por hora até rebentar fragosamente, depois de correrem Rio adentro.

No Estado do Amapá, o fenômeno ocorre na ilha do Bailique, na “boca” do Araguarí, no canal do inferno da ilha de Maracá, em diversos outros lugares e com maior intensidade nos meses de janeiro e maio. É, sem dúvida, um dos mais importantes atrativos turísticos do Rio-mar que, embora possa trazer consequências catastróficas aos ribeirinhos. É uma formidável manifestação da força das águas influenciadas pela energia lunar.

Antes de se manifestar a pororoca prenuncia a enchente. Minutos antes de chegar se estabelece uma calmaria, um momento de silêncio, a selva se cala, as aves se aquietam e nem a mais leve brisa se revela, é o aviso da natureza e o ribeirinho atento procura, imediatamente, um abrigo seguro para sua embarcação.

Lenda da Pororoca

Outrora a água do Rio era serena, calma e corria placidamente. As embarcações, à vela e a remo, navegavam sem perigo. A Mãe D’água, mulher do boto Tucuxi, morava com a filha mais velha na baía do Marajó. Certa noite, à hora do jantar, ouviram-se gritos, os cães latiram furiosamente, as galinhas e galos cocoricaram. O que é, o que não é? Tinham roubado “Jacy”, a canoa de estimação da família. Remexeram, procuraram e não encontrando nada, a Mãe D’água resolveu convocar todos os seus filhos: Repiquete, Correnteza, Rebojo, Remanso, Vazante, Enchente, Preamar, Reponta, Maré Morta e Maré Viva. Ela queria que encalhassem a embarcação desaparecida, no entanto passaram-se várias luas e nenhuma notícia de “Jacy”. Ninguém jamais a viu entrando em algum Igarapé, algum furo ou mesmo atracada em algum lugar. Certamente estava escondida, mas onde?

Então resolveram chamar os parentes, mesmo os mais distantes, os Lagos, as Lagoas, Igarapés, Rios, Baías, Sangradouros, Enseadas, Angras, Fontes, Furos, Golfos, Fozes, Canais, Estreitos, Córregos e Peraus, para tratar do caso. Ficou acordada a necessidade de se criar a Pororoca, umas três ou quatro vagas fortes, que penetrassem em todos os furos e paranás que houvessem nos arrabaldes, quebrassem, derrubassem, arrasassem tudo, e capturassem ladrão e “Jacy”. A caçula da Mãe D’água, Maré de Lua, moça danada e briguenta deveria avisar sobre qualquer coisa de anormal que acontecesse.

Desde então nas sizígias de equinócio (conjunção da Lua, com o Sol), surge em alguns lugares o fenômeno, empurrado pela cunhatã brava, invadindo Rios, naufragando barcos, arrasando ilhas, derrubando palhoças, arrancando árvores e amedrontando caboclos e índios. Até hoje, sempre que a Maré de Lua vai ver a Mãe D’água, é um “Deus nos acuda”, ninguém sabe de “Jacy”, e a cunhatã segue em frente destruindo quem ouse não sair da frente, cumprindo as ordens do Boto Tucuxi que resmungando danado diz: “Pois então continue arrasando tudo”.

Terras Caídas

O desmoronamento ocorrido em Manacapuru foi um caso clássico de ‘terra caída’ do tipo deslizamento de material inconsolidado que no caso é a lama. Já em São Paulo de Olivença é um caso de ‘terra caída’ associada à erosão fluvial. Ocorrem escorregamentos associados à atividade humana, como a ocupação desordenada e obras sem acompanhamento técnico. (Geólogo Renê Luzardo)

As “Terras Caídas” são fenômenos erosivos determinados pela dinâmica fluvial, na área de influência da bacia do Rio Amazonas. As margens solapadas continuamente pelas águas acabam ruindo e o Rio arrasta e traga grandes blocos de terra, da terra firme, muitas vezes com casas, vegetação, animais ou moradores. O fenômeno é observado, com maior frequência, no Rio Madeira, em decorrência da velocidade de sua correnteza, embora ocorra também nas calhas dos Rios Solimões e Amazonas. Muito mais vulneráveis, ainda, são os depósitos de areia, lama e resíduos vegetais, carreados e acumulados pelo próprio Rio nos períodos de cheias que formam grandes bancos de areia e, com o passar dos anos, verdadeiras ilhas. Estes locais formados por sedimentos extremamente instáveis são mais vulneráveis às ações das águas e ao fenômeno das “Terras Caídas”.

Na vazante o Rio escava e solapa pacientemente a nova ilha e em uma de suas cheias formidáveis ele é capaz de dissolver o trabalho de anos a fio em poucas horas arrasando tudo e arrastando consigo os imprevidentes que teimam em desconhecer sua fluída dinâmica. Em março de 2007, um fenômeno de “Terras Caídas” de grandes proporções ocorreu na “Enseada da Saracura”, margem direita do Rio Amazonas a 35 quilômetros de Parintins, provocando ondas de aproximadamente seis metros de altura, atingindo 130 pessoas e provocando a morte de um agricultor. Vamos tratar novamente, em outros capítulos, deste fenômeno em que a ocupação desordenada por parte da população da cidade de Juruti teve consequências catastróficas e em Santarém onde certamente o mesmo ocorrerá futuramente.

– Blog e Livro

Os artigos relativos ao “Projeto–Aventura Desafiando o Rio–Mar”, Descendo o Solimões (2008/2009), Descendo o Rio Negro (2009/2010), Descendo o Amazonas I (2010/2011), e da “Travessia da Laguna dos Patos I (2010), estão reproduzidos, na íntegra, ricamente ilustrados, no Blog http://desafiandooriomar.blogspot.com.

O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre. Pode ainda ser adquirido através do e–mail: hiramrsilva@gmail.com.

Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar (IDMM); Vice Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB)

Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

Blog: http://desafiandooriomar.blogspot.com

E–mail: hiramrs@terra.com.br

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