terça-feira, 24 de julho de 2012

DESESTRANGULANDO ÁRVORES URBANAS

Por Felipe A. P. L. Costa
Cerca de 80 por cento da população brasileira vive hoje em áreas urbanas.  O país, que na primeira metade do século 20 era essencialmente rural, chegou ao final do século passado com uma das sociedades mais urbanizadas do mundo.  Todavia, a exemplo de outros processos acelerados, a urbanização da sociedade brasileira gerou uma série de problemas, entre os quais o grande desperdício de recursos, a ocupação desordenada da paisagem e, mais especificamente, a impermeabilização excessiva do solo.
Uma das consequências negativas da impermeabilização do solo são as enchentes que periodicamente assolam muitas de nossas cidades, notadamente na estação chuvosa.  No entanto, ao contrário do que muitos governantes gostam de insinuar, a culpa pelas enchentes não é da meteorologia, muito menos de São Pedro.  De resto, não se trata de um problema insolúvel.  Na verdade, os próprios moradores poderiam agir no sentido de reverter a situação ou ao menos evitar que a gravidade do problema seja ainda maior no futuro.  Para isso, bastaria adotar algumas medidas simples, particularmente no caso de quem mora em ruas pavimentadas.  No que segue, veremos um exemplo de como isso pode ser feito.
Uma paisagem comum em muitos bairros de cidades brasileiras talvez possa ser descrita do seguinte modo [1]: rua pavimentada com asfalto, delimitada por passeios laterais cimentados; ao longo dos passeios, encontramos algumas árvores ou mudas de árvores em crescimento.  Não devemos plantar qualquer espécie vegetal em vias públicas [2], mas a presença de árvores por si só já costuma ser um bom sinal.  O problema é que o calçamento dos passeios muitas vezes é feito de modo a envolver inteiramente a base do tronco das árvores, estrangulando-as.
O leitor não familiarizado com o assunto talvez não saiba, mas estrangular árvores é um procedimento bem pouco inteligente.  Nesse caso, o que deveríamos então fazer?  A resposta é simples: desestrangular as árvores, conversando antes com o pessoal do serviço municipal de parques e jardins para então retirar o pavimento colocado em torno do tronco delas.  Em seguida, resta-nos administrar.  Quer dizer, folhas, galhos finos e outros materiais que a árvore periodicamente perde devem passar a ser aproveitados.  Como?  Basta dispor o material caído (ou ao menos parte dele) de modo a cobrir e preencher o solo em torno da base do tronco.  Esse anel de folhas em decomposição é rico em nutrientes e ajuda a manter o solo úmido.  Em suma, trata-se de algo bem mais amigável para a árvore do que o passeio de cimento que havia antes.  (Árvores estranguladas passam fome e sede; é por isso que muitas delas, em busca de água e nutrientes, produzem raízes enormes, que eventualmente soerguem e “estragam” a calçada.)
Desestrangular árvores urbanas é uma medida relativamente simples (além de econômica), com a qual atingimos três objetivos ao mesmo tempo: (a) reduzimos a área pavimentada das vias públicas, (b) aumentamos o número de escoadouros por onde a água das chuvas pode infiltrar no solo, e (c) reduzimos o volume de material orgânico que é recolhido como lixo pelo serviço de limpeza urbana.
Notas
Felipe A. P. L. Costa (meiterer@hotmail.com) é biólogo , autor do livro ECOLOGIA, EVOLUÇÃO & O VALOR DAS PEQUENAS COISAS (2003).  Versão ligeiramente diferente deste artigo foi originalmente publicada no jornal TRIBUNA DE MINAS http://www.tribunademinas.com.br.
1. Para uma opinião geral sobre o assunto, ver o artigo de Fernando S. Santos, “Qual a importância da arborização urbana?” http://www.arscientia.com.br/materia/ver_materia.php?id_materia=103.
2. Para uma introdução geral aos problemas da arborização de ruas, ver Milano, M. & Dalcin, E. 2000. Arborização de vias públicas. RJ, Light.  Muitas árvores comumente utilizadas na arborização de nossas cidades não são nativas, entre as quais a amendoeira (Terminalia, da Ásia), a bisnagueira (Spathodea, da África), os eucaliptos (Eucalyptus, da Austrália), o flamboaiã (Delonix, da África), a magnólia-amarela (Michelia, da Ásia) e a seringueira-de-jardim (Ficus, da Ásia) – para detalhes e exemplos adicionais, ver Lorenzi, H. et al. 2003. Árvores exóticas no Brasil: madeireiras, ornamentais e aromáticas. Nova Odessa, Instituto Plantarum.
Fonte:arScientia-(imagens da Internet).

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