domingo, 22 de julho de 2012
SOBRE A LEITURA
Por G. K. Chesterton-Tradução: Agnon Fabiano
The Common Man, Kindle Editions
A maior utilidade dos grandes mestres da literatura não é a literária; está além de seu estilo grandioso e até mesmo de sua inspiração emocional. A maior utilidade da boa literatura reside em impedir que um homem seja puramente moderno. Ser puramente moderno é condenar-se à limitação; assim como gastar o último centavo que há na terra no mais novo lançamento de chapéus é condenar-se a ficar fora de moda. A estrada dos séculos passados está repleta de homens que morreram, mas que de certa forma continuam vivos. A literatura clássica e permanente cumpre sua melhor missão quando nos lembra continuamente o vigor da verdade e equilibra ideias mais antiga com ideias atuais as quais, por um momento, podemos estar inclinados.
O modo como ela o faz, no entanto, é suficientemente curioso para valer a pena compreendermos perfeitamente.
Na história da humanidade, aparecem de tempos em tempos, de maneira especial em épocas agitadas como a nossa, certas coisas que no mundo antigo se chamavam heresias, mas que no mundo moderno chamam-se modas. Às vezes, são úteis durante certo tempo; outras são completamente nocivas. Porém, sempre são aceitas, graças a uma convergência indevida em torno de uma verdade, ou de uma meia verdade. Assim, é verdade insistir no conhecimento de Deus, porém é herético insistir nele como o fez Calvino, a custo do amor de Deus; dessa maneira, é verdade desejar uma vida simples, porém é uma heresia desejá-la à custa dos bons sentimentos e das boas condutas.
O herege (que também é o fanático) não é um homem que ama demasiadamente a verdade; ninguém ama a verdade demasiadamente. O herege é um homem que ama sua verdade mais que a verdade mesma. Prefere as meias verdades que descobriu, à verdade completa que a humanidade tem encontrado. Não lhe agrada ver seu pequeno e precioso paradoxo amarrado com vinte banalidades da sabedoria do mundo.
Às vezes, tais inovações têm uma sombria sinceridade, como Tolstoi, outras, uma sensitiva e feminina eloquência, como Nietzsche e, às vezes, um admirável humor, ânimo e simpatia pública, como Bernard Shaw. Em todos os casos, provocam uma pequena comoção e talvez criam alguma escola. Porém, sempre se comete o mesmo erro fundamental: supõe-se que o homem em questão descobriu uma nova ideia. Porém, na realidade, o novo não é uma ideia, senão a divisão de uma ideia.
É muito provável que a ideia mesma se encontre distribuída por todos os grandes livros de caráter mais clássico e sensato, desde Homero e Virgílio até Fielding e Dickens. Podem-se encontrar todas as novas ideias em livros antigos, só que ali as encontraremos equilibradas, no lugar que lhes corresponde e, às vezes, com outras ideias melhores que as contradizem e as superam. Os grandes escritores não deixavam de lado uma moda porque não haviam pensado nela, mas porque haviam pensado também nas outras alternativas.
No caso de não ter ficado claro, tomarei dois exemplos, ambos referentes à ideia de 'moda' entre alguns dos teorizadores mais imaginativos e jovens. Nietzsche, como todos sabem, pregou uma doutrina que ele e seus seguidores aparentemente consideravam muito revolucionária; sustentaram que a moral altruísta simplesmente havia sido uma invenção de uma classe escrava para evitar que, em tempos posteriores, alguém surgisse para combatê-la e dominá-la. Os modernos, concordando ou não com Nietzsche, sempre se referem a essa ideia como algo novo e jamais visto. Com tranquilidade e insistência, se supõe que os grandes escritores, digamos Shakespeare, por exemplo, não sustentou essa ideia porque jamais havia pensado nela. Recorramos ao último ato de Ricardo III de Shakespeare e encontraremos não só tudo o que Nietzsche tinha a dizer, resumido em duas linhas, mas também as mesmas palavras de Nietzsche. Ricardo o corcunda, disse:
Consciência é só uma palavra que usam os covardes, criada, a princípio, para infundir terror aos fortes.
Como já falei, o fato é evidente. Shakespeare havia pensado na ideia de Nietzsche e na Moralidade Suprema; porém o deu seu próprio valor e pôs no lugar que lhe corresponde. Este lugar é a boca de um corcunda meio louco nas vésperas da derrota. Essa raiva contra os debilitados só é possível em um homem morbidamente admirável, mas profundamente enfermo; um homem como Ricardo; um homem como Nietzsche. Este caso deveria destruir a fantasia absurda de que estas filosofias modernas são modernas no sentido de que os grandes homens do passado não pensaram nelas. Não é que Shakespeare não tenha visto a ideia de Nietzsche; ela a viu, porém viu além dela.
Tomarei outro exemplo: o Sr. Bernard Shaw em sua peça marcante e sincera chamada "Major Barbara", lança um dos mais violentos dos seus desafios verbais à moralidade proverbial. As pessoas dizem: "A pobreza não é nenhum crime". "Sim," diz o Sr. Bernard Shaw, "a pobreza é um crime e é a mãe de crimes. É um crime ser pobre se você tem a possibilidade de se rebelar ou de enriquecer. Ser pobre significa ser covarde, servil ou idiota". O Sr. Shaw mostra sinais de uma intenção de concentrar-se nesta doutrina, e muitos de seus seguidores fazem o mesmo. Agora, é apenas a concentração que é nova, não a doutrina.
Thackeray fez sair da boca de sua personagem, Becky Sharp, que é fácil ser moral com mil libras por ano, difícil é ser com cem. Porém, como no caso de Shakespeare que antes mencionei, o importante não é apenas que Thackeray conhecia esta doutrina, senão que sabia também seu valor. Ela não só lhe ocorreu, mas também ele sabia onde deveria colocá-la. Deveria ocorrer na conversa de Becky Sharp; uma mulher sagaz e mentirosa, porém que desconhecia completamente todas as emoções mais profundas que fazem a vida valer a pena. O cinismo de Becky, com Lady Jane e Dobbin para equilibrar, tem certo ar de verdade. O cinismo do Undershaft do Sr. Shaw, apresentado com a austeridade de um discurso de campanha, simplesmente não é verdadeiro. Simplesmente não é verdade, em absoluto, dizer que os pobres são menos sinceros e mais covardes do que os ricos. A meia verdade de Becky se tornou primeiro em uma loucura e depois em um credo e, finalmente, em uma mentira. No caso de William Makepeace Thackeray, como no de Shakespeare, a conclusão a que chegamos é a mesma. O que chamamos de ideias novas são, geralmente, fragmentos das antigas ideias. Não é que uma ideia particular não tenha ocorrido a Shakespeare. É que, simplesmente, ele encontrou muitas outras boas ideias para livrar-lhe da tolice. (O pombo Navegante).
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário