sábado, 14 de julho de 2012

A VERDADE SOBRE EVITA E PERON

JOSÉ ORTEGA Y GASSET, filósofo espanhol (1883-1955), ao contrário de certos intelectuais orgânicos encantados com o poder compreendeu ainda em 1930 que tanto o nacional-socialismo, quanto o fascismo e o bolchevismo, constituíam um brutal retrocesso histórico, assim identifica a conduta sociopatológica:
“Em todos os séculos, os exemplos mais vis da natureza humana deparam-se entre os demagogos”.(In a Rebelião das Massas).
Confira num breve relato como opera a barbárie.
“Juan e Evita Perón faziam seus oponentes (jornalistas dissidentes, esquerdistas, críticos independentes) ser presos, às vezes mortos, com frequência torturados”. Segundo Dujovne, em pelo menos um caso, envolvendo tortura com eletricidade de mulheres empregadas na Companhia Telefônica que haviam recusado a se filiar ao Partido Peronista, correu o boato de que a própria Evita deu a ordem de aplicar os choques. Os fatos permanecem incriminadores ainda que deva ser acrescentado que o uso que Perón fez da tortura e do assassinato não pode ser comparado à orgia de sadismo desencadeada pelo governo militar e por seus aliados paramilitares durante a “Guerra Suja” na Argentina do final da década de 1970 e início dos anos 80. Mas, perto do fim do primeiro período de Perón no poder, seus torturadores aprenderam técnicas mais sofisticadas de alguns dos maiores especialistas do século no assunto: os criminosos de guerra nazistas que fluíram para o santuário da Argentina. 
A admiração do exército argentino pelos militares alemães (proverbial durante as últimas décadas do século XIX) ficou ainda mais forte com a crise de 1929 – um período humilhante para a Argentina, com sua economia de exportação dependente da Inglaterra – e se tornaria ainda mais firme e sólida com a ascensão de Hitler. Perón era um membro do grupo militar que, em 1943, não deixou dúvidas sobre suas simpatias em um manifesto secretamente preparado: “Hoje a Alemanha está dando vida a um significado heroico. É um exemplo a ser seguido... A luta de Hitler, tanto na paz quanto na guerra, deve nos conduzir”. O governo da Argentina apostou no Eixo, literalmente até o último minuto. Quando a Argentina declarou guerra (nominalmente tomando o lado dos Aliados) em 27 de março de 1945, a verdadeira razão – segundo o relato cínico do próprio Perón – foi proporcionar um maneira de salvar as vidas dos nazistas. E ele foi bem sucedido. Em 1947, de acordo com Dujovne, 90 mil nazistas viviam em segurança na Argentina de Juan e Evita.
Não muito tempo depois de conhecer Perón, Evita se mudou para uma suntuosa mansão: presente respeitoso de um dos amigos do marido, o milionário alemão (e agente nazista) Rudolf Ludwig Freude. Esse indivíduo, junto com três de seus compatriotas chamados Dörge, Von Leute e Straudt, apareceria em um episódio ainda obscuro. (Dujovne comenta que os fatos nunca foram totalmente comprovados, mas as evidências que ela apresenta, baseadas nas dezenas de fontes e investigações, são esmagadoras) A questão foi nada menos que a entrega do tesouro dos nazistas para a custódia da Argentina. A ação ocorreu em torno da época do colapso da Alemanha nazista em 1945. Dois submarinos alemães depositaram sua carga nas docas de La Plata. Havia pelo menos duas documentações precisas dos conteúdos. A lista coincide: dez milhões de dólares em várias moedas, 2 511 quilos de ouro, 4.638 quilates de diamantes e um rio de joias, obras de arte e objetos preciosos roubados dos judeus da Europa e anteriormente depositados no Reichsbank de Berlim. Consta que o vice-führer Martin Bormann confiou a operação a Otto Skorzeny, chefe das forças de comando de Hitler. Segundo Dujovne, a operação também foi apoiada por membros da hierarquia do Vaticano. Seja isso verdade ou não, o certo é que os padres croatas foram figuras centrais na operação que a inteligência dos Aliados chamou de “the rat line” (literalmente “linhas de rato”), que canalizaram nazistas e os “bens” dos nazistas para países latino-americanos simpatizantes, mais especialmente a Argentina.
Consta também que estava previsto que o próprio Bormann chegaria à Argentina para supervisionar o tesouro. Segundo várias fontes – entre elas Skorzeny, que liderou a incursão que libertou Mussolini em 1943 e, em 1948, encontraria um confortável refúgio pós-guerra na Argentina -, os verdadeiros supervisores não eram outros senão Juan e Evita Perón. Certamente Perón foi um elemento-chave na operação, e nunca esconderia sua grande simpatia pelos nazistas. Entre outras ações diretas, suspeita-se que ele proveu o adido militar da embaixada alemã com oito mil passaportes argentinos e 1 100 carteiras de identidade; e se referia aos refugiados da Luftwaffe como “justicialistas do ar”. Em recompensa por seus serviços, os nazistas abriram uma conta para ele na Suíça e lhe deram uma mansão no Cairo onde, em 1960, ele viveria durante algum tempo.
Talvez, a essa altura, Evita desempenhasse um papel mudo; servindo café, aceitando presentes. Mas posteriormente, durante sua “travessia do Arco-Íris” pela Europa, eventos estranhos começaram a se multiplicar. Em Rapallo, na Itália, ela se encontrou com uma importante figura da hierarquia do Vaticano. Quase ao mesmo tempo, um navio com uma carga de trigo da Argentina atracava em Gênova. Ela estava apenas discutindo o trigo? E seu itinerário parecia sem sentido: de Lisboa para Paris, de lá para a Côte d’Azur, a Suíça, Lisboa e Dacar. Passou cinco dias na Suíça e em Lisboa teve um longo encontro com o deposto rei Umberto da Itália. Várias pistas coletadas por Dujovne, derivadas de monografias sobre o assunto, assim como o testemunho do próprio Skorzeny, sugerem que Eva, com a ajuda de alguém da hierarquia do Vaticano e a mediação do rei Umberto, depositou na Suíça pelo menos parte do tesouro dos nazistas. A morte de seu irmão Juan, menos de um ano depois da sua, sob circunstâncias que nunca foram esclarecidas (supôs-se que se suicidou, mas provavelmente foi assassinado), pode corroborar a hipótese de que ele era o guardião do depósito secreto no banco. Os quatro alemães supostamente envolvidos – Dörge, Von Leute, Staudt e o próprio milionário Freud – morreram todos entre 1948 e 1952, talvez executados por ordem da hierarquia nazista no “exílio”, que poderia assim reclamar o pleno uso do tesouro para seus propósitos. Consta também que Perón devolveu parte dele para Skorzeny. A história real continua envolta em mistério. Dujovne ainda especula que o bombardeio do Centro da Comunidade Judaica em Buenos Aires, em 1994, teve alguma conexão com a documentação que estava sendo guardada ali sobre as redes e contatos dos nazistas na Argentina. 
Não há mistério nenhum sobre a ajuda direta dada por Evita aos assassinos em massa da Croácia, um dos satélites mais selvagens de Hitler. Em 1954, Izbor, a revista da comunidade croata argentina, escreveria: “Andamos pela Europa de país em país até o dia em que nosso sofrimento bateu as portas do coração mais nobre que então batia no mundo, o de Eva Perón, que na época estava em Roma”. Entre os criminosos de guerra que, graças a Eva Perón, obtiveram vistos ou passaportes através da Cruz Vermelha Internacional, estava Ante Pavelic, o próprio führer croata, que havia dirigido os assassinatos – por métodos diretos ou delegados – de muitas centenas de milhares de sérvios, judeus e ciganos nos campos de concentração da Croácia fascista. Ele chegou a Buenos Aires sob um falso nome e usando um hábito de padre, junto com seus compatriotas Vjekoslav Vrancic (condecorado por Hitler por suas habilidades de planejamento da deportação em massa) e Branco Benzon, que se tornou médico pessoal de Perón. Com eles veio um bando de Ustashe (fascistas croatas), alguns dos quais, diz Dujovne, contribuíram com suas mais desenvolvidas habilidades em tortura para o repertório da polícia peronista. Em 1955, a Revolução Libertadora (que derrubou Perón) exibiu alguns pertences de Juan e Evita. Entre os objetos estava uma suntuosa caixa contendo um conjunto de prata.
Na tampa havia uma Estrela de Davi em madrepérola. Obviamente uma parte do saque nazista, sua significância não poderia ter passado despercebida nem mesmo para a mais desinformada das fadas madrinhas.
KRAUZE. Enrique. In EVA PERÓN - A Madona dos Descamisados, capítulo IV de Os Redentores - Ideias e poder na América Latina. São Paulo: Saraiva (Benvirá), 2011, pp. 332-336.

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