terça-feira, 31 de julho de 2012
GUARDA NOTURNO, TACITURNO
“Quando lhe roubarem o tempo, não perca tempo tentando reavê-lo, perceba que nem tudo lhe foi roubado” (Gudé).
Por José Eugênio Maciel
“Guardo um patrimônio que jamais terei. Arrisco a minha vida.
Ela que não vale nada, valerá menos ainda se for dada
para salvar o que tenho que vigiar e proteger”.
Estive Nólocal (b.d.C.)
Tinha um robusto e pesado molho de chaves. Ele seguia uma sequência de verificação que consistia em trancar ou constatar que todas as portas estariam devidamente trancadas. Fazia meticulosamente. O guarda era metódico, punha a mão na maçaneta e logo via se era necessário colocar a chave e girar. Jamais errou ao colocar a chave, era sempre a certa.
Escritório, instalações, equipamentos, documentos, tudo a ele fora dito tratar-se de grande valor, um imenso patrimônio. Durante os anos de trabalho nada de anormal ocorrera.
Nada. O vazio em si, preenchido pelo tédio, levou o guarda a planejar a simulação de algum arrombamento e o confronto do meliante com o próprio guarda que, claro, venceria. Ele queria ser reconhecido, ser herói, pois supunha que ninguém dava valor a todos os cuidados que tinha, um trabalho de rotina, porém desempenhado com primor.
Arrombou uma porta, derrubou alguns produtos da prateleira e depois se feriu cortando um dos braços para parecer que tinha travado uma luta corporal e logicamente vencido, salvando todo o patrimônio, embora o assaltante tenha conseguido escapar.
Posto em prática o plano, acionou o alarme e avisou a Polícia. Ela veio, ele contou a história. Dias depois ele foi à delegacia para verificar se dos assaltantes e demais bandidos presos naqueles dias, seria algum deles o que ele enfrentou. Não reconheceu ninguém. Nem poderia.
Mandaram para o psiquiatra. Talvez fosse o cansaço, pois nada fora constatado que levasse a conclusão do caso. Quem sabe ele teria dormido e depois alguma outra coisa teria derrubado produtos da prateleira e o machucado fosse algum animal.
Temendo tudo que criara e sem querer confessar o que causara, toma a medida drástica. Numa outra madrugada, após verificar todas as chaves e portas e constatar que tudo estava correto, ele então comete o suicídio. Não deixa bilhete.
Foi enterrado com um simples funcionário. Pouca gente da própria empresa foi ao velório e enterro, pois todos tinham muito que fazer. Soube-se apenas que as portas viviam se abrindo ou trancando-se sozinho e era sempre difícil encontrar o molho de chaves.
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Reminiscências em Preto e Branco
Mais do que respeitar a dor do luto, ela sabia ser solidária, ora com o silêncio aparador, noutros momentos com providências e gestos expressos correspondentes ao sentimento da maior tristeza, a perda definitiva. Ainda que fosse o seu ofício, o de Administrar o Cemitério São Judas Tadeu de Campo Mourão, que, aliás, desempenhava com desvelo e singular dedicação, realizava o seu ofício com o sentimento humano que se somava aos que ali traziam consigo entes queridos para a derradeira despedida.
Ao longo do tempo administrando o mencionado campo santo, tinha uma memória sobre quadras, túmulos, enfim localizações que processava rapidamente, indicando ou levando pessoas diretamente aos jazigos que procuravam. E pensar que, há mais de 25 anos designaram tal colocação como profissional servidora pública com o propósito de persegui-la funcionalmente, houve até quem zombasse à época, que “deveria sempre trabalhar de madrugada, para ter medo e pedir as contas”. Entretanto, correta e aplicada em tudo que realizava, encarou o desafio e passou a referência mais importante na condução dos serviços do cemitério.
Aposentada após longos serviços desempenhados exemplarmente, ela é agora saudade. Sônia Maria Silvestrin, 54 anos, desampara familiares, colegas de trabalho e um vastíssimo rol de amigos, e, entre tantas outras lembranças altamente positivas e notáveis, destacam-se a serenidade, o modo com que tratava a todos com dignidade, devoção e cooperação.
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