quarta-feira, 25 de julho de 2012

QUAL A IMPORTÂNCIA DA ARBORIZAÇÃO URBANA?

Agostinho Batista de Freitas
Estrada - 1979
Houve tempos em que era praxe o passeio ao final da tarde, pelas veredas das cidades, para a observação das árvores e dos arbustos em pleno florescimento. Homens e mulheres sabiam, muitas vezes empiricamente, quando a paineira dava flores, quando o ingá gerava seus doces frutos, ou quando as primaveras e outras espécies comuns em nossas cidades sofriam alguma transformação em seus ciclos de vida. Muitas goiabeiras foram palco para as mais diversas brincadeiras infantis. E, convenhamos, quem não subiu em alguma árvore, por menor que tenha sido, para apanhar amoras, abacates, ou as referidas goiabas repletas de bicadas de pássaros? Nossas avós talvez relembrem aqueles dias em que sentir o aroma de flores constituía fato normal na vida de qualquer cidadão.
Os tempos agora são muito diferentes. Estas atividades, hoje desconhecidas da maioria dos habitantes das grandes cidades, revelam, na verdade, algo que transcende simplesmente o senso comum e a observação empírica. A arborização de praças, parques públicos e ruas é algo necessário e de extrema importância para a sobrevivência de vários animais e outras espécies vegetais, que usam a cidade como habitat natural ou como rota durante a migração. Em ecologia, cunhou-se o termo floresta urbana, ou seja, o conjunto de árvores e arbustos que compõem a área verde das cidades, em meio ao trânsito, aos postes de luz e às casas. Mais que uma mera fonte de prazer e atividade lúdica, a arborização de ruas e outras áreas comuns das cidades é um gerador de alimento para diversas espécies de animais (mamíferos, aves, insetos) — cuja dieta depende dos frutos e do néctar de inúmeras árvores nativas do Brasil, além das inúmeras espécies que foram sendo introduzidas em nosso país por tantos e tantos anos (as chamadas espécies exóticas ou alóctones, em oposição às espécies nativas ou autóctones)(1). Várias cidades brasileiras possuem espécies que mantém as ruas floridas praticamente o ano todo. Os polinizadores e aqueles que visitam as plantas para obtenção de alimento também podem ser vistos praticamente durante o ano inteiro. Há estudos, inclusive, sendo realizados com a floresta urbana, onde os impactos das podas exageradas e a má administração pública sobre as árvores da cidade refletem-se na diminuição das populações de vários animais polinizadores e visitantes florais, que acabam se tornando, muitas vezes, raros ou totalmente ausentes, com o passar dos anos(2). 
Muitas pessoas reclamam junto ao poder municipal ou órgão responsável pela manutenção das áreas verdes do município quando certa árvore danifica as calçadas, ou quando as folhas e as flores de certas espécies arbóreas sujam o quintal, a varanda e a churrasqueira que acabou de ser limpa. Aqui, temos que discutir uma questão que muitas vezes é deixada em segundo plano. É verdade que muitas plantas podem causar transtornos sociais. 
De autoria do doutor Paulo Davidoff
-in Baú do Luizinho - foto mostra a
beleza de um Ipê em Campo Mourão
Tanto espécies nativas quanto exóticas podem trazer problemas para as instalações de uma cidade. O sistema das raízes, ou o crescimento exagerado dos ramos ou o tamanho e dureza dos frutos, sem contar outras características particulares das espécies vegetais, podem constituir problemas sérios que as autoridades e as equipes que realizam a arborização das vias públicas não estudam previamente, antes da execução de projetos de arborização. Indivíduos de flamboyant(3), cujas raízes tendem a subir em direção ao asfalto ou mesmo ao piso da calçada, por exemplo, podem destruir canteiros e causar prejuízos no asfalto de vias públicas. Similarmente, a famosa chapéu-de-sol(4), cujos frutos — as “cucas” ou amêndoas — são muito apreciados por morcegos, podem igualmente comprometer calçadas e canteiros. Os galhos quebrados ou soltos das árvores que se ramificam abundantemente podem ficar suspensos sobre os fios elétricos, sendo um perigo potencial para o início de curtos-circuitos ou acidentes mais graves. Embora a lista de “desvantagens” da arborização possa ser grande, e talvez equivalente aos pontos vantajosos, boa parte dos estudiosos do assunto adverte para algo muito simples: o conhecimento acerca da biologia vegetativa e reprodutiva das árvores, sejam elas nativas ou introduzidas, eliminaria quase que a totalidade dos problemas causados pelas espécies em questão, já que as informações serviriam como um plano-diretor de planejamento paisagístico e florístico nas cidades(5). Características gerais como preferência por ambientes, rusticidade, desenvolvimento de raízes e ramificação da copa, valor paisagístico e resistência a pragas e moléstias são parâmetros que podem ser analisados e avaliados quando da escolha pelas espécies que definitivamente farão parte da floresta urbana e, consequentemente, acompanhar a dinâmica da cidade por várias décadas.
Por maiores que sejam as reclamações dos munícipes acerca dos estragos de certas árvores, ou da “sujeira” que as mesmas possam causar sobre seus carros e quintais, é inegável a sensação de bem-estar que uma rua arborizada traz quando comparada a outra totalmente desprovida de vegetação. Quem já passou por cidades cuja floresta urbana é muito bem tratada, como Maringá e Campinas, por exemplo, não pode negar a importância das árvores e arbustos como cobertura vegetal das vias públicas. Cabe à população, junto aos órgãos públicos responsáveis, o planejamento e a manutenção das espécies vegetais implantadas na arborização pública, que se preza tanto a um simples “olhar as flores abrindo” quanto a um sofisticado bird-watching vespertino, com binóculos e equipamento de gravação(6).
NOTAS:
1 Como exemplos de espécies nativas do Brasil, podemos citar a goiabeira (Psidium guajava, da família das mirtáceas) e a pindaíba (Xylopia brasiliensis, da família das anonáceas); entre as inúmeras espécies exóticas que se adaptaram com êxito em nossas terras, já fazendo parte da flora brasileira, podemos citar a azaléa (Rhododendron, com várias espécies, da família das ericáceas) e as mangueiras (Mangifera indica, da família das anacardiáceas).
2 Artigo interessante sobre o tema foi publicado na Folha de Londrina, 17/10/2003, folha B6, de autoria do Prof. Dr. Efraim Rodrigues (Universidade Estadual de Londrina Paraná), com o tema “Uma nova ideia: a floresta urbana”.
3 O flamboyant pertence ao gênero Delonix, uma leguminosa cesalpinioídea (da mesma família das conhecidas senas, cássias e patas-de-vaca da nossa flora).
4 Algumas espécies de Terminalia, da família das combretáceas.
5 Leitão Filho, Hermógenes de Freitas & Dennis B. Azevedo, 1989. Critérios gerais para implantação de um parque ecológico. Campinas, Editora da Unicamp.
6 A expressão bird-watching (literalmente “observação de pássaros”) pode ser referida tanto a pesquisadores de ornitologia quanto ao público leigo interessado em escutar, ver e acompanhar o comportamento de pássaros que visitam as árvores e demais espécies vegetais, em suas matas nativas ou na floresta urbana. 
Fernando Santiago dos Santos é doutorando em educação pela USP, mestre em História da Ciência pela PUC-SP, bacharel e licenciado em Ciências Biológicas pela Unicamp, tradutor, intérprete, professor e diretor de educação ambiental na RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Rizzieri/Fundação Pró-Verde (São Sebastião, SP). Além das atividades desenvolvidas em sala de aula e nas pesquisas de campo, Fernando é arte-educador e músico amador. Escreve regularmente no seu site http://www.fernandosantiago.tecnetinfo.com - santi_rppn@yahoo.com.br - Santos – SP.
Fonte:arScientia-(imagens da Internet).

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