domingo, 28 de agosto de 2011

A DÍVIDA DE 14 MILHÕES

O acento faz muito diferença, além do significado e sentido. Exemplo: Irã; irá e ira.

Irã é um país do Médio Oriente, de maioria islâmica. A palavra irá, do verbo ir. E a palavra ira é sinônimo de cólera; desejo de vingança.

No Irã irá causar ira quem desconhecer as leis rígidas iranianas – (Gudé).

Por José Eugênio Maciel

“Mulheres e homens somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de

'aprender' uma aventura criadora, algo por isso mesmo, muito mais rico do que meramente

repetir a 'lição dada'. Aprender para nós é 'construir', reconstruir, 'constatar' para mudar',

o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito”

Paulo Freire

Deveria causar pânico. O desespero bem poderia levar o país inteiro a se unir e dar um basta! Somos todos inadimplentes de uma maneira ou de outra. Era para nos entristecer, envergonhar, causar a mais elevada indignação. Todo o Brasil precisaria urgente e impostergavelmente colocar o tema no centro de um debate nacional, patriótico, principal, capaz de mobilizar a todos por intermédio de compromissos e responsabilidades mútuas visando eliminar tamanha catástrofe ante a qual é inconcebível a indiferença, o pouco caso de ações meramente burocráticas na verdade sucumbidas pela criminosa omissão e incompetência.

Segundo os dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, coletados do Censo do ano passado, o País tem 14 milhões de analfabetos. Por si só uma verdadeira tragédia ao longo da História atual, antiga e recente brasileira. O analfabetismo é um cancro evidente, individual e coletivo plasmados e que limitam ou não permitem a existência da dignidade das pessoas que não sabem ler, escrever, interpretar ou produzir um texto. O analfabetismo simboliza perversamente o Brasil é ainda subdesenvolvido, notoriamente injusto na distribuição de renda e da ausência crônica de oportunidades iguais e para todos.

Os 14 milhões de analfabetos representam 9.6% do total da população de 190 milhões, 732 mil habitantes. Comparando com o Censo de 2000 ocorreu uma pequena queda de quatro pontos, antes era 13%.

A alfabetização deveria sempre contemplar uma política de Estado, e não de uma ou outra gestão governamental. Lamentavelmente as últimas gestões pouco fizeram efetivamente para combater o analfabetismo, exige um processo educacional que transcende o “ensinar” algumas palavras mecanicamente decoradas.

Seremos sempre um país de terceiro Mundo enquanto o analfabetismo estiver presente e for encarado como fatalidade, embora os próprios governos priorizem dar um jeito para viabilizar majestosos estádios para a Copa do Mundo de 2014, para ficarmos somente em exemplo atual, acrescido ainda do dito fabuloso aumento ou o acesso a produtos outrora impensáveis como iogurte, computador, internet.

Certa ocasião, ao falar como convidado palestrante de um encontro sobre educação e após tratar sobre o tema, aberto o debate um dos participantes manifestou o posicionamento dele, contrário ao voto do analfabeto e que os candidatos a qualquer cargo deveriam possuir no mínimo o ensino médio, e arrematou, “até para lixeiro é exigido pelo menos o primário completo”. Ele foi muito aplaudido e rapidamente também se criou muita expectativa com a sensação nos presentes que eu não teria argumento para responder.

Devolvida a palavra para mim, passei a dizer que ele não estava errado, porém era preciso outros elementos de análise “espero que um dia, e mais do que esperar, lutar, que o texto da nossa Constituição que garante o direito do analfabeto de voltar, tal lei caia em desuso. Que não mais existam eleitores analfabetos”. Concluí, “a vergonha maior não é o analfabeto votar, é os eleitos que prometem lutar pela educação nada ou pouco fazerem por ela e pela erradicação do analfabetismo. Existem doutores e muitos com variados diplomas que barganham o voto ou não se interessam por política. A referida lei nos envergonha e afirmar que ela é indigna é pouco. Mas essa mesma lei serve para apontar advertência a nos condenar todos como culpados por ainda termos analfabetos que, se não sabem votar, são vitimas das escolhas de todos ”.

Fui também aplaudido. O público deu razão para quem me fez a pergunta e a mim pela resposta que dei. O problema é que muitos de nós voltamos para as nossas casas e nada mais. Ficaram as palavras ditas para aqueles que não sabem das palavras escritas, fora do mundo das letras, presos ao mundo dos iletrados.

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