Hiram Reis e Silva, Cidreira, RS, 20 de agosto de 2011
Sois, portanto, a argamassa na construção de um risonho porvir. Sois os semeadores de cidades e vilas. (José Faria de Ribeiro)
Aproveitamos neste artigo vários trechos da palestra proferida pelo grande mestre e historiador Coronel Altino Berthier Brasil, no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, em 31 de outubro de 2002.
A Expedição foi organizada rapidamente, em seu efetivo pessoal, armamento, munição, material e abastecimento. Houve grande repercussão da notícia. De São Paulo, do Rio, Minas e de todos os lados surgiram aplausos e ajuda. Nada foi esquecido: médicos, agrônomos, farmacêutico, enfermeiro, almoxarife, encarregado de pessoal, segurança e transportes, encarregado da tropa de muares, selecionados 35 trabalhadores (mateiros), tudo num contingente de 100 homens.
Viagens preparatórias foram feitas para os estados de Minas e Goiás, na tentativa de eleger a melhor rota, e listar fontes alternativas de suprimentos de boca, de muares e de outros recursos que se fizessem necessários. Foi feita uma ligação com a Aeronáutica, para o apoio devido, bem assim, com o SPI, que colaborou com especialistas em indigenismo. Dois meses levou essa preparação. Os meios foram concentrados, inicialmente em São Paulo, sendo a partida marcada para o dia 9 de agosto de 1943. Todos os homens sabiam qual era a sua função, a sua posição hierárquica, o que se esperava de cada um, os riscos, as rígidas condições de trabalho e de disciplina, e até os salários e recompensas a que faziam jus. Houve uma missa solene na igreja de São Bento, oportunidade em que as senhoras paulistas ofereceram uma bandeira nacional-estandarte.
Dali, já na parte da tarde, a Expedição tomou um trem especial cedido pelo Governo de São Paulo, composto de 19 vagões abarrotados de pessoal e material, inclusive muares, cavalos, cachorros, caminhões, barcos, carroças, motores, e partiu para o sertão. O primeiro objetivo era Uberlândia, no triângulo mineiro, último ponto para a viagem via ferroviária, e que foi alcançado 3 dias depois da partida. Em Uberlândia já havia sido montada a 1ª Base, que iria centrar as comunicações, controlar e regular o traslado da carga do trem para os caminhões. Foram carregados 5 caminhões, barcos, e mais viaturas automóveis, com tudo o que se fizesse necessário para o longo trecho de 900 km a ser vencido, até a barra do rio das Garças com o Araguaia (hoje Aragarças). Ali deveria ser construído um campo de pouso e montada a 2ª Base de reajustamento da coluna.
Já na Base de Aragarças, Vanique soube da criação da Fundação Brasil Central (Dec. Lei 5.878, de 04.10.1943), que deveria incorporar o acervo e gerir administrativamente a Expedição Roncador-Xingú, a qual, contudo, continuaria sua missão, com autonomia nos seus trabalhos. A Fundação recém formada tinha a seguinte finalidade; constituir-se em um órgão autônomo para operar à retaguarda da Expedição Roncador-Xingú, aproveitando o êxito da mesma, e completando as operações de povoamento. Deveria criar indústrias, estimular a agropecuária, e preparar núcleos de civilização com estrutura para fixar, no mínimo, 200 famílias por ano. A medida tomada pouco influiu no trabalho da Expedição Roncador-Xingú a não ser um alívio nas suas numerosas tarefas. (BERTHIER)
O subchefe da expedição, Francisco Brasileiro, e o médico Inácio da Silva Telles, propuseram ao Ministro João Alberto alcançar o destino, estimado em 3 mil quilômetros em 10 meses. A ideia foi considerada impraticável pelo Ministro e os paulistas abandonaram a expedição. Vinte expedicionários retornaram a São Paulo, entre eles o padre Hipólito Chevelon, a equipe foi, então, suplementada por sertanejos. A jornada de trabalho dos desbravadores se estendia das 5h30 até as 17h30, com intervalos para refeições e descanso.
Meses depois, o rio Araguaia foi transposto, e daí em diante, o percurso rumo ao noroeste só podia ser feito a pé, com auxílio de muares. Penetrando em Mato Grosso, o próximo objetivo era o rio das Mortes, que foi alcançado depois de penosa jornada de alguns meses (O rio das Mortes, um belíssimo curso d’água, tem esse nome injusto, porque, em 1682, o bandeirante paulista Antônio Pires Campos aí chegou e chacinou centenas de índios Carajás e Araés).
Ali foi construído o acampamento e montada a 3ª Base (Xavantina), também dotada de campo de pouso. Sempre entusiasta da Expedição, o Presidente Vargas fez uma histórica visita a Xavantina (aqui surgiu a primeira idéia da futura rodovia Cuiabá-Santarém). Após o descanso da tropa, o reajuste do equipamento e a reparação do material, a Expedição partiu para a etapa seguinte, mais difícil ainda.
Além das doenças e das feridas, os homens eram vítimas agora de novo mal, o Amouco, (Amok, de Stephan Zweig). É pior que o Banzo de nossos escravos africanos. Costuma atacar a pessoa que sai da civilização para uma região selvagem, a qual fica acometida de uma loucura repentina, que tanto pode levá-la ao crime, como ao suicídio. Mais de um caso aconteceu na Expedição. (BERTHIER)
No dia 14 de abril de 1944, foi lançando o marco número um da Expedição, a Vila de Xavantina. A descoberta de minas de barro motivou a construção de uma olaria que iria fornecer telhas e tijolos para a construção das futuras casas. Foram construídos a pista de pouso, casas, ambulatório, almoxarifado, e outras construções no local conhecido hoje como Xavantina Velha. O Coronel Vanique trouxe sua esposa Alda e os outros expedicionários ficaram entusiasmados pensando em fazer o mesmo. Mas o suicídio de Dona Alda, vítima de depressão, arrefeceu o ânimo de todos. O coronel Vanique não tinha mais condições de manter-se à testa da Expedição e acabou sendo afastado. Em seu lugar ficou Orlando Vilas Boas, responsável pelo prosseguimento da penetração para além do Rio das Mortes.
Dai em diante, foi passando a chefia ao Sr. Orlando Vilas Boas, a quem transferiu a responsabilidade de cruzar o rio das Mortes e dar prosseguimento à marcha da coluna. Só depois de dois longos anos após ter deixado Xavantina, é que a Expedição chegou exitosa ao alto Xingu. Ali acampou, e como sempre, construiu um campo de aviação. Ali foi montada a 4ª Base, e um Posto Indígena, que existe até hoje, e no qual trabalhou o sertanista Ayres Câmara Cunha (que em 1954, casou-se com a índia Kalapalo Diacui, em cerimônia ruidosa na Igreja da Candelária).
Na progressão, a Expedição passou a cumprir o mais longo e o mais difícil trajeto. Depois de detalhado reconhecimento aéreo, partiu do Xingu pelo itinerário mais praticável aberto na selva, atravessando rios e charcos letais, até atingir Cachimbo, e aí também construir o campo de pouso. Era a 5ª base, chamada Cachimbo (famosa em nossa história recente - Insurreição do Coronel Veloso, da Aeronáutica, no tempo do Presidente JK [*1]).
Veio, então, a etapa final. Atravessou a grande Serra do Cachimbo e partiu para construir mais um campo e montar a 6ª Base, de Jacareacanga, na margem esquerda do rio Tapajós. Nesse mesmo ano de 1946, parte de Jacareacanga para o sonhado objetivo de Santarém e Manaus, agora, porém, por via do transporte aéreo, oferecido pelos Douglas DC-3, da FAB. Foram seis anos de penosa jornada, para cumprir um trajeto de 3.000 km. A Expedição deu por cumprida a sua heróica tarefa. Ainda desta vez, orgulhoso, o Presidente Vargas compareceu ao local, e grande comemoração foi feita na base do Rio Xingu. No país inteiro, e mesmo no mundo, a repercussão foi grande. (BERTHIER)
Concluída a Expedição, o Coronel Vanique voltou a desempenhar a função de Professor, da Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre (EPPA), onde permaneceu até passar para a inatividade. Teve um casamento em segundas núpcias com a Sra. Dolores Martins Vanique, com a qual teve dois filhos: Sérgio (falecido) e Ricardo Martins Vanique, fazendeiro, residente em Bagé. O Coronel Flaviano de Mattos Vanique era natural de Bagé, tendo nascido em 26 de julho de 1904. Pertencia à arma de Cavalaria, antes de ingressar no Magistério Militar.
– Memórias de um Pioneiro
Um dos membros da expedição, João de Deus, Chefe da Turma que abriria a primeira picada na mata, faz um interessante relato, escrito por Ulisses Capozoli que pode ser acessado através do link: http://www.achetudoeregiao.com.br/MT/nova_xavantina/historia_2.htm
O número III desta série reportará na integra a reportagem de Ulisses Capozoli que conta a Saga da Expedição Roncador-Xingú, revivida por Orlando Villas Boa.
– Blog e Livro
Os artigos relativos ao “Projeto–Aventura Desafiando o Rio–Mar”, Descendo o Solimões (2008/2009), Descendo o Rio Negro (2009/2010), Descendo o Amazonas I (2010/2011), e da Travessia da Laguna dos Patos I (2011), estão reproduzidos, na íntegra, ricamente ilustrados, no Blog http://desafiandooriomar.blogspot.com.
O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede virtual da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link: http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false.
[*1] (vide link: http://www.pantanalnews.com.br/contents.php?CID=59977)
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); Vice-Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil/Rio Grande do Sul; Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS); Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br - E–mail: hiramrs@terra.com.br
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