Quando escreveu a poesia "José", na década de 40, Carlos Drummond de Andrade obviamente nem desconfiava que um dia ela serviria como uma luva para ilustrar a conjuntura política brasileira. Este dia chegou ontem (23), com a divulgação da pesquisa Ibope que mostra o presidenciável da oposição de direita, José Serra (PSDB), em situação periclitante, com cinco pontos de desvantagem sobre Dilma Rousseff (PT), sua principal adversária na corrida presidencial.
“Maio é o mês da Dilma. Junho será o nosso mês”, afirmou o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, no dia 24 de maio. Na mesma ocasião, Guerra disse que “no momento em que alguém tem uma movimentação intensa nos meios de comunicação, é evidente que vai levar vantagem” e ainda reafirmou que a estratégia de campanha de Serra estava correta e não seria alterada.
Alguns dias depois, no início de junho, uma reunião da cúpula tucana foi convocada pelo ex-presidente FHC para cobrar mudanças nos rumos da campanha. Aécio Neves pediu ao colega paulista que fosse mais agressivo com a adversária petista e os aliados sugeriram que Serra centralizasse menos a campanha, especialmente na escolha das agendas, acelerasse a escolha do vice e desse mais atenção à montagem dos palanques regionais. As recomendações tinham como objetivo garantir que junho seria mesmo o "mês de Serra', como havia previsto Guerra. Mas não foi.
Junho está acabando, os partidos da direita pró-Serra cumpriram o prometido e violaram a lei eleitoral para colocar o tucano como ator principal de seus programas na rádio e na TV. Serra seguiu parte das recomendações dos aliados. Mesmo assim, o dado concreto até agora, trazido pela pesquisa Ibope de ontem (23), mostra que nada adiantou. Dilma continua subindo (está com 40% dos votos, tinha 37% na pesquisa anterior) e Serra continua caindo (está com 35%, tinha 37 antes).
A oposição foi pega de surpresa pelo resultado da pesquisa. Sérgio Guerra chegou a colocar em dúvida os dados do Ibope. Alegou que pesquisa interna do PSDB mostra números mais favoráveis a Serra.
A frustração oposicionista recoloca a questão sobre os acertos e desacertos da estratégia de campanha tucana. Depois de ensaiar elogios ao governo e depois recuar, alterando o tom para um discurso mais agressivo contra Dilma e o PT, restam poucas alternativas a José Serra a não ser construir novas lendas como a de que a campanha mesmo só começa depois da Copa, ou de que nos debates ele irá superar Dilma e reconquistar o eleitorado.
Porém, o Ibope mostra que é cada vez maior o eleitorado que está decidido a votar na candidata que dará continuidade ao governo Lula. E uma parcela dos votos que Serra tem hoje vem justamente de pessoas que ainda não sabem que Dilma é esta candidata. O tucano lidera apenas no Sul e entre os mais ricos.
Até mesmo em São Paulo, reduto eleitoral do tucanato, Serra começa a patinar. Isso sem falar em Minas Gerais --citada na poesia de Drummond-- onde Aécio parece pouco disposto a trabalhar em prol do ex-governador paulista.
Diante deste quadro desanimador, o que Serra poderá fazer para tirar votos de Dilma e recolocá-los em sua cesta? Esta é uma pergunta que a coordenação da campanha tucana está aflita para responder.
O jornal Valor Econômico traz, nesta quinta-feira, matéria na qual questiona se os tucanos estariam dispostos a seguir o exemplo de Alckmin em 2006 e passar a bater mais duro no presidente Lula mesmo sabendo que, hoje, Lula desfruta de uma popularidade muito maior do que tinha há quatro anos.
O jornalista Luiz Gonzalez, marqueteiro de Serra, é contrário a campanhas com ataques a adversário, que considera improdutivas. Serra também, mas o fato é que o tucano vem lentamente elevando o tom das críticas ao presidente. Na convenção de Salvador ele cunhou a frase: "Luis XIV achava que o Estado era ele. Nas democracias e no Brasil, não há lugar para luíses assim".
"Serra procura demonstrar convicção sobre a linha escolhida. Mas a campanha tucana, em junho, esteve permeada de assuntos negativos. A demora na escolha do candidato a vice na chapa do PSDB, por exemplo, indica insegurança e dificuldades internas para a definição do nome. Serra prefere fazer de conta que se trata de uma aflição de jornalistas, mas o fato é que o debate alimenta o noticiário negativo sobre a campanha. A pesquisa também atrapalha as últimas conversas sobre o vice e sobre a montagem dos palanques regionais - Serra entra mais fraco do que estava nas negociações", avalia o Valor, que cita ainda várias outras "derrapadas" do candidato tucano.
O jornal O Estado de S. Paulo também questionou a estratégia atual de Serra. Em editorial, afirmou que “para continuar a ter chances, Serra precisará encontrar um novo discurso e uma nova estratégia de campanha... Fora disso, só lhe restará esperar por um erro da adversária... Se quiser ganhar, Serra vai ter que partir para o ataque”.
Resta saber se o tucano vai seguir o script desenhado pela mídia aliada. Até o momento, parece disposto a não mudar uma vírgula em sua estratégia errática de campanha. Mas é provável que nem ele mesmo tenha certeza do que fazer. Pensando com seus botões, deve estar repetindo a pergunta de Drummond: "E agora, José?"
Da redação do Vermelho, Cláudio Gonzalez
Nenhum comentário:
Postar um comentário